Hollywood sempre incorporou talentos estrangeiros às suas fileiras. Tão recorrentes quanto a prática são os posteriores atritos entre os estúdios e esses artistas, principalmente quando eles não toleram ingerências. O cineasta sul-coreano Bong Joon-Ho é um dos mais recentes protagonistas desse tipo de enfrentamento. Expresso do Amanhã (2012), baseado na HQ francesa Le Transperceneige, seu primeiro filme falado em inglês, sofreu cortes e outras alterações para o lançamento internacional. Nada disso impediu, porém, que o filme tenha caído no gosto de boa parte do público e da crítica. Em contrapartida, as qualidades da trama passada no trem que cruza o planeta moribundo, cenário da revolução dos desvalidos contra um sistema opressor e excludente, foram postas em dúvida por alguns. E se há divergência, há Confronto. No desta semana, Adriana Androvandi ataca, enquanto Leonardo Ribeiro defende Expresso do Amanhã. E você, de que lado está? Confira e não deixe de opinar.
A FAVOR :: “Um universo fascinante dentro de um futuro distópico”, por Leonardo Ribeiro
Mesmo tendo a pressão dos produtores e um orçamento limitado para os padrões norte-americanos, o cineasta sul-coreano Bong Joon-Ho estreia em Hollywood mantendo intactas as características marcantes de suas cultuadas obras, como Memórias de Um Assassino (2003), O Hospedeiro (2006) e Mother (2009). A mise-en-scène elaborada, o humor excêntrico (sintetizado pela impagável personagem de Tilda Swinton), a rica concepção visual e os set-pieces de ação empolgantes estão presentes, assim como o subtexto político retirado da HQ na qual o longa é baseado. O cineasta cria um universo fascinante dentro de um futuro distópico, onde as camadas da sociedade são representadas pelos vagões de um trem. É um trabalho sobre luta de classes, mas, acima de tudo, um exercício de gênero. Completamente ciente disso, Bong compensa algumas fragilidades e simplificações do roteiro, criando uma atmosfera de tensão constante, com ritmo envolvente, e subverte expectativas ao realizar sequências improváveis, como a da “tocha olímpica”. Isso sem falar na coragem de dar espaço a seus conterrâneos de elenco, os ótimos Song Kang-ho e Ko Ah-sung, e apresentar um final que foge dos clichês comerciais dos blockbusters. Um belo carimbo no passaporte de uma das mentes mais originais do cinema atual.
CONTRA :: “A sensação é de déjà vu”, por Adriana Androvandi
O filme do sul-coreano Bong Joon-Ho narra uma história de sobreviventes às radicais mudanças climáticas que geraram o congelamento geral do planeta. Um trem, criado por um industrial, se mostra a única salvação neste ambiente pós-apocalíptico. Um líder dentre os remanescentes do último vagão se rebela contra a situação e inicia uma revolução. Seu grupo começa a avançar. A história do trem como espécie de cápsula de vida autossustentável é criativa, mas inverossímil. Muitas questões ficam sem explicação, em cenas que causam impacto, mas que carecem de maior explanação. É o caso de certas figuras bizarras, como os soldados que parecem lobotomizados. Não se sabe como chegaram a esse ponto em um ambiente tão limitado de recursos. A história de oprimidos que se rebelam contra seus exploradores não é nova e circula no cinema desde clássicos como Spartacus (1960), de Stanley Kubrick, protagonizado por Kirk Douglas. Por isso, a sensação agora é de déjà vu. A novidade fica na metáfora do trem como reprodutor das relações de dominação já exercidas pela humanidade antes do cataclismo em questão. Isso o filme tenta, mas fica raso nas reflexões filosóficas sobre como o homem pode tratar um igual de forma tão desigual.