Natal é uma data propícia para reuniões familiares. Ao redor da mesa, em meio às luzes, aos presentes, à agitação dos reencontros, acontece a comunhão. Pelo menos essa é a proposta, mas nem sempre funciona assim. Em virtude de sua importância simbólica, a ocasião pode também suscitar acertos de contas, numa inversão do propósito festivo inicial. Feliz Natal (2008), primeiro filme dirigido por Selton Mello, aborda justamente essa possibilidade melancólica. Na trama, Caio (Leonardo Medeiros), homem de mais ou menos 40 anos que trabalha num ferro-velho interiorano, decide retornar à capital, justo na época das festas, em busca de sua identidade familiar. A presença dele gera desconforto, pois deflagra a miséria dos demais. Feliz Natal foi elogiado por uns, mas muito criticado por outros. Do primeiro grupo faz parte Rodrigo de Oliveira, já no segundo está Willian Silveira. Os críticos do Papo de Cinema, então, protagonizam o Confronto desta semana. E você, o que achou da estreia de Selton Mello? Confira e não deixe de opinar.
A FAVOR :: “É um filme dolorosamente real”, por Rodrigo de Oliveira
A estreia de Selton Mello como diretor dá uma bela dica de qual cinema ele procura realizar. Inspirado nos independentes norte-americanos dos anos 70 – mais exatamente no trabalho do também ator/diretor John Cassavetes – Selton Mello traz uma história fria, pessimista e, por que não dizer, muito real em Feliz Natal. O roteiro é assinado por ele e Marcelo Vindicatto, e é interessante por não dar respostas fáceis para o público. Habilmente, os roteiristas não constroem um único motivo para que aquela família que vemos durante a ceia de Natal esteja tão infeliz, tão despedaçada, visto que o desgaste entre familiares acontece com o passar do tempo, com reiteradas atitudes incorretas e com a falta de paciência que as pessoas têm em aceitar uns aos outros. A partir de certo momento, todos os sentimentos ruins se transformam em uma bola de neve e observamos algo parecido com aquela festa de Natal. Não é um tiro no escuro afirmar que ceias parecidas com aquela aconteçam realmente. Por isso, Feliz Natal é um filme dolorosamente real. As interpretações do elenco principal dão aporte para isso. Todos passam angústia, tristeza e amargura em suas performances. Apostando em muitos closes, Selton Mello traz toda a carga emotiva dos atores bem próxima dos espectadores. Além disso, o cineasta resolve incluir uma trilha sonora bastante minimalista para pontuar os momentos da trama. Uma bela estreia de um ator/diretor que tem muito a dizer.
CONTRA :: “Falha na coesão entre o plano subjetivo dos personagens e a proposta estética”, por Willian Silveira
A pretensão – ou ser dela tachado – não é um problema. Não para mim. Sem ela, nada sai do lugar e nenhum filme vale a pena. Por isso, a dificuldade encontrada por Feliz Natal durante o percurso passa longe da suposta pretensão vista no início, plástica e intimista. A estreia de Selton Mello na direção é frágil quando a obra, antes de frustrar o público, frustra a si própria, ao falhar na coesão entre o plano subjetivo dos personagens e a proposta estética. Filme obsessivamente pensado, o cuidado no figurino, o meticuloso trabalho da direção de arte e as cores sisudas da fotografia são qualidades inegáveis. Contudo, apresentam resultados mais eficientes nos aspectos particulares – como não se interessar pelos movimentos incômodos da câmera de Lula Carvalho, por exemplo – do que quando vistos em conjunto. Em busca da dinâmica de um olhar específico para a melancolia do Natal, Mello procurou espelhar-se tanto na intimidade mística da argentina Lucrecia Martel quanto no sentimentalismo clássico do brasileiro Luiz Fernando Carvalho. Não soube, porém, cessar o aprendizado no plano da inspiração. Tornou-se sectário da vista alheia e perdeu a pungência de um estilo próprio – aqui, tímido, inseguro e apequenado em meio ao enredo de Feliz Natal .
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