Baseado num musical da Broadway, Jersey Boys: Em Busca da Música (2014) é a cinebiografia do The Four Seasons, grupo liderado por Frankie Valli, cuja fama atingiu o ápice em meados da década de 1960. O veterano Clint Eastwood disse em entrevistas que se interessou pelo projeto em virtude da história de superação dos artistas, já que eles cresceram num entorno difícil e alguns chegaram até a trabalhar para a máfia antes da ascensão ao estrelato. Lançado há pouco nos cinemas, Jersey Boys: Em Busca da Música vem dividindo opiniões, acusado por alguns de ser mera celebração sem muitas nuances, enquanto outros preferem exaltar suas qualidades, sobretudo as formais.
Para ampliar o debate, o Confronto da semana conta com o crítico convidado Marcelo Miranda (a quem aproveitamos para agradecer), que defende o filme de Eastwood, enquanto Yuri Correa, prata da casa, argumenta a respeito das fragilidades do longa. Confira mais este embate sadio de ideias e não deixe de opinar.
A FAVOR :: “Um antimusical maravilhoso”, por Marcelo Miranda
Clint Eastwood fez que preparava um musical e entregou ao público um antimusical maravilhoso em Jersey Boys: Em Busca da Música. O tom agridoce característico de quase toda a obra do diretor, em que a amargura e o esfacelamento de relações convivem numa harmonia estranha com a reconciliação (e nisso temos uma coerência imensa), reverbera no filme com rara energia. Sente-se a poesia tipicamente própria de um cineasta que pensa cada plano como um mundo único e, na conjugação desses planos – através da discrição de sua plasticidade, da câmera como elemento móvel essencial e da montagem como (re)fragmentação de espaços –, cria um universo inteiro. Eastwood reconfigura e coloca em xeque pelo menos dois gêneros (no caso, o biográfico e o musical), criando fissuras na suposta veracidade dos filmes famigeradamente “inspirados numa história real” – como ele já fizera, aliás, em Bird, de 1988, (de fato um filme “biográfico”) e especialmente em Os Imperdoáveis, de 1992, (um faroeste que implode toda a historiografia do próprio faroeste). Em Jersey Boys: Em Busca da Música tem-se um mosaico de tramas que se conjugam à pessoalidade de cada personagem e à presença deles (como um coletivo) na história cultural da América. Sob vários sentidos, pode ser considerado talvez o filme mais autobiográfico de Eastwood, na medida em que o realizador reflete sobre seu próprio tempo de ascensão na indústria. Como se não bastasse, de bônus temos a presença de Christopher Walken, gênio da atuação que enfim ganha um papel digno após várias caricaturas nos últimos tempos.
CONTRA :: “A duração é inchada e a condução é burocrática”, por Yuri Correa
Esta é a primeira direção de Clint Eastwood desde 2011, quando comandou J. Edgar, filme que, assim como Jersey Boys: Em Busca da Música, é de cunho biográfico. E os problemas que lá existiam repetem-se neste longa sobre o grupo The Four Seasons: a duração é inchada, a condução é burocrática e a opinião do próprio diretor a respeito das figuras é incerta – mas também, neste caso, com dois membros do quarteto produzindo o longa, deve ter sido difícil tomar um lado. Eastwood está longe de ser um mau diretor, embora não lance um projeto digno de nota desde 2008, com Gran Torino. Aqui ele investe numa quebra da quarta parede, fazendo os protagonistas constantemente se dirigirem ao espectador, a fim de dar ritmo à narrativa e forçar uma identificação. Mas até mesmo isso falha quando se nota que este recurso é meramente expositivo. Apesar de o elenco cumprir sua parte, em especial John Lloyd Young e Christopher Walken, o que realmente chama a atenção são as músicas, e nem isso se pode creditar ao diretor. É verdade que um número musical divertido encerra o longa, mas, então, chega tarde demais para salvá-lo.