Um desconhecido chega à noite enquanto o casal conversa. O marido o recebe de braços abertos, mas a esposa acha aquilo tudo estranho. Ela vai preparar um chá e sente dores fortes no abdômen, algo acentuado na medida em que outras pessoas aparecem. Elas são nocivas ao ambiente. Esse é apenas um dos percalços que a protagonista de Jennifer Lawrence enfrenta ao longo de duas horas no filme. Darren Aronofsky utiliza alegorias para recriar o Velho e o Novo Testamento, assim como o próprio Apocalipse, numa fábula que emula religião numa leitura mais superficial. Os signos estão todos lá, prontos para serem digeridos pelo público. Não é difícil perceber a presença de Adão, Eva, Caim e Abel, Jesus, entre outros personagens de destaque da Bíblia Sagrada. Porém, há muito mais em jogo. O filme fala da negação da voz feminina, do papel da mulher como criadora, da relação abusiva que a humanidade tem com a natureza. A junção de imagens cada vez mais violentas, até grotescas, num fluxo contínuo de pensamento, deixa o espectador sem respirar. Algo ainda mais realçado pela fotografia que coloca o elenco contra a luz o tempo inteiro. É a confusão do autor em processo criativo, seus bloqueios e sua inspiração, e como sua obra pode ser interpretada de diversas maneiras, inclusive destruída. É a metalinguagem que conversa com o próprio longa e sua recepção pelo público e pela crítica. Cada um entende de uma forma. Até a rejeitando. Não seria essa a prerrogativa de uma verdadeira obra de arte? Aronofsky pode se sentir feliz com seu filme chegando a esse status, por mais que alcance amor e ódio na mesma medida. O principal é provocar reflexão. O melhor entendimento para a sétima arte. Nem que seja com uma pia não chumbada.