Toda vez que um filme argentino se dá bem no circuito brasileiro, sendo sucesso de público e/ou crítica, surgem comparações entre o cinema deles e o nosso. Relatos Selvagens (2014), de Damián Szifrón, é o mais novo estopim dessa contenda, no fim das contas, meio desnecessária, ainda que quase inevitável. Episódico, o longa aborda histórias de vingança, mesclando violência(s) e humor. Temos gente acertando contas com desafetos de trânsito, com a burocracia argentina, com o cônjuge traidor, com o agiota que arruinou uma vida familiar, entre outros. Relatos Selvagens está sendo bastante celebrado, mas (ainda bem) surgem vozes dissonantes nesse horizonte de elogios. Prova disso é o Confronto da semana, no qual Matheus Bonez, prata da casa, defende o filme de Szifrón do ataque do nosso convidado Pedro Butcher, do Filme B. Confira e não deixe de opinar.
A FAVOR :: “Um dos melhores filmes deste ano”, por Matheus Bonez
Há algo de especial no filme de Damián Szifrón que vai muito além do humor negro e inteligente, da fotografia espetacular ou do elenco formidável. A crítica em torno de temas do cotidiano argentino extrapola para além daquele país, dando aos contos do longa uma linguagem universal. Seja a desconstrução do casamento para o amor animalesco, a situação econômica do país (que parece ser melhor nos próprios presídios), a burocracia que irrita o cidadão comum a ponto deste tomar medidas drásticas, a espetacularização da morte no trânsito ou a complexa vingança em uma viagem de avião. Todas estas histórias servem para exemplificar a perda de controle do ser humano não só com a máquina pública ou os clichês enraizados por séculos, mas também com o próprio indivíduo. Damián Szifrón poderia ter feito um simples filme-pipoca, que, inclusive, é como Relatos Selvagens foi vendido. Os cortes chegam a ser televisivos, o que não diminui a qualidade. A edição é rápida, vai direto ao ponto, às vezes de forma violenta. Assim, o diretor e roteirista toca em situações tão familiares ao espectador que é fácil se identificar de forma mais profunda do que o riso pelo riso. Há reflexão dentro desta comédia. E quando o gênero acerta neste ponto, é difícil não gostar. Não à toa pode-se dizer que este é um dos melhores filmes do ano.
CONTRA :: “No fundo, não lança qualquer olhar original sobre nada”, por Pedro Butcher
Sobre Relatos Selvagens, permitam-me algumas palavras que vão contra a corrente quase unânime de louvor ao filme. Ele reúne episódios aparentemente muito diferentes entre si, mas que na verdade discorrem sobre um mesmo tema (a vingança) e são montados sobre uma mesma estrutura, partindo de pequenos dramas que se transformam em situações grotescas e desembocam em um final catártico. Não restam dúvidas de que o diretor e roteirista Damián Szifrón domina a técnica, com destaque para o tempo de comédia no prólogo e no episódio final, e a decupagem no episódio da perseguição de carros. No fundo, porém, Relatos Selvagens não passa disso: uma grande demonstração de habilidades em que Szifrón, espertamente, joga para a plateia o tempo todo. É o que poderia facilmente ser definido como um “filme portfólio”, ou seja, uma grande exibição das habilidades de seu criador. Nada contra: Cães de Aluguel (1992), de Quentin Tarantino, também era um “filme portfólio”, mas que transcendia seu exibicionismo para revelar um olhar de fato original sobre o mundo. E era um primeiro filme. Relatos Selvagens é o terceiro longa-metragem de Szifrón (fora os curtas e séries de TV que já fez) e, no fundo, não lança qualquer olhar original sobre nada: só desfila platitudes e resmungos, fala aquilo que todo mundo espera ouvir (que o ser humano não presta, que é movido por instintos animais, que a burocracia é uma merda, etc, etc, etc), com uma estética bastante empobrecida, que busca sempre a salvação no humor.
Últimos artigos de (Ver Tudo)
- Top 10 :: Dia das Mães - 12 de maio de 2024
- Top 10 :: Ano Novo - 30 de dezembro de 2022
- Tendências de Design de E-mail Para 2022 - 25 de março de 2022
Me senti vingada (mesmo que apenas em pensamento) e cúmplice ao mesmo tempo. São tantos desaforos e situações marcadas pela dita civilidade que não temos outro lugar para falar sobre estes desatinos com tanta propriedade e humor! Sim, aqui podemos matar a covardia, a burocracia, a injustiça sem tocar em uma viva alma. E como brinde final ainda podemos perdoar e virar a vingança de cabeça para baixo. Saí do cinema com a alma lavada e em paz com a humanidade que estava ali ...dentro de cada um que partilhava aqueles momentos comigo.