Sniper Americano (2014) é, certamente, o filme mais controverso da temporada. Baseado na autobiografia de Chris Kyle, atirador de elite responsável por aproximadamente 160 mortes em incursões ao Iraque (isso segundo dados oficiais, pois, pelas contas do próprio, seriam mais de 250), é dirigido pelo veterano Clint Eastwood. Concorreu a vários Oscar na cerimônia deste ano, levando para casa apenas a estatueta de Melhor Edição de Som. No que diz respeito à bilheteria, o resultado é surpreendente. Até agora, arrecadou mais de US$ 320 milhões apenas no território estadunidense, mais ou menos 75% de sua bilheteria total, que, contando com os demais territórios, se aproxima dos US$ 430 milhões. Mas o que faz de Sniper Americano ideal para protagonizar nosso Confronto são mesmo as opiniões muito díspares a seu respeito. Enquanto alguns o veem como uma desmistificação do herói, crítica incisiva à máquina de guerra, outros o apontam como excessivamente patriótico, conservador e até canalha. O bom de tudo isso são as discussões construtivas, como a que vemos por aqui esta semana. Os críticos Conrado Heoli e Robledo Milani, respectivamente detrator e defensor ferrenhos do filme, debatem méritos e deméritos, boas e más intenções. E você, acha que Clint Eastwood pisou feio na bola ou criou outra obra notável? Confira e não deixe de opinar.
A FAVOR :: “Dirigido com impressionante sensibilidade, diz muito sem falar quase nada”, por Robledo Milani
Projeto pessoal de Bradley Cooper, que além de atuar como protagonista é também um dos produtores, Sniper Americano atraiu primeiro a atenção de Steven Spielberg – que precisou desistir por conflitos de agenda – até acabar no colo de Clint Eastwood. Ou seja, somente pelos nomes envolvidos dá para perceber que se trata de um projeto de primeiro nível. E de fato, tudo que se vê na tela comprova essa impressão. Dirigido com impressionante sensibilidade pelo cineasta vencedor de quatro Oscar, a adaptação da história real do soldado Chris Kyle – lenda entre os militares norte-americanos por ter matado em torno de 200 inimigos em quatro incursões ao Iraque após 11 de setembro de 2001 – diz muito sem falar quase nada. Tudo está nas expressões de Cooper (em uma atuação minimalista e muito convincente) e no resultado das ações dele, seja ao lado da família (que aos poucos vai se esfarelando), dos colegas (a recusa em aceitar seus méritos) ou mesmo entre seus admiradores (como o desconforto visível na última cena ao lado do irmão ou quando encontra um soldado sobrevivente graças a ele que insiste em elogiá-lo). Considerar Sniper Americano uma patriotada hollywoodiana, de discurso belicista e imperialista é cair numa armadilha para apressados.
CONTRA :: “Narrativa violenta em tons realistas, imbuída de valores e discursos notoriamente perigosos”, por Conrado Heoli
Sniper Americano está para um vídeo de recrutamento militar como Clint Eastwood e Chris Kyle, personagem real que inspirou este drama de guerra, estão para versões contemporâneas e irresponsáveis do Tio Sam. O filme, adaptado do livro que narra a “autobiografia do sniper mais letal da história militar dos Estados Unidos” (segundo seu próprio subtítulo), apresenta uma perspectiva maniqueísta e repleta de estereótipos das guerras travadas após os atentados do 11 de Setembro, na qual a supremacia americana se sobressai contra quaisquer culturas em glorificação aos autoproclamados heróis do exército. Eastwood, republicano declarado, registra em cada frame de Sniper Americano um patriotismo exacerbado e estrábico, alheio às políticas internacionais e pacifistas. Trata-se de uma narrativa violenta em tons realistas, imbuída de valores e discursos notoriamente perigosos – aqueles mesmos habilmente desviados por Kathryn Bigelow em A Hora Mais Escura (2012) e Guerra ao Terror (2008). Enquanto captura imagens impressionantes e dignas de um cineasta maduro em seu oficio, auxiliado pela fotografia com estética de videogame assinada por Tom Stern, o diretor se une a D.W. Griffith, Leni Riefenstahl e tantos outros soberbos realizadores vinculados a um cinema que serve à propaganda – seja esta supostamente involuntária, causal ou explicitamente contratada.
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