Tudo pode acontecer no Grupo C da Copa do Mundo. Os quatro países que disputam as duas vagas para a próxima fase – Colômbia, Japão, Costa do Marfim e Grécia – nunca se encontraram em mundiais e podem representar os jogos mais imprevisíveis do torneio. Se por um lado a Colômbia, cabeça-de-chave do grupo, teria certa vantagem em relação às outras seleções, o Japão tem crescido no esporte e é o atual campeão asiático. Costa do Marfim e Grécia, por sua vez, nunca chegaram a passar das fases de grupo. Esta é a chance perfeita para a seleção africana, já que nas demais oportunidades, sempre deu o azar de cair em chaves muito fortes – os chamados “grupos da morte”. No cinema, a tradição maior é a japonesa, ainda que ótimas obras dos outros países também chamem a atenção pela qualidade. Confira as escolhas dos editores do site em mais um grupo da Copa de Cinema.
Maria Cheia de Graça (Maria Llena Eres de Gracia, 2004)
Apesar de dirigido pelo norte-americano Joshua Marston – o único motivo pelo qual não pode concorrer ao Oscar na categoria de Filme em Língua Estrangeira – este impressionante drama filmado entre a Colômbia e os Estados Unidos tem um DNA 100% latino-americano, refletindo em sua trama uma situação comum a muitos dos países ao sul da fronteira com o México. Maria, vivida por uma surpreendente Catalina Sandino Moreno, merecidamente indicada ao Oscar – a primeira intérprete de seu país a alcançar tal feito – é uma garota que, em busca de uma vida melhor, aceita servir de ‘mula’ para traficantes de drogas, carregando dentro de seu próprio corpo o objeto da contravenção. Assim como os principais jogadores de futebol do continente que só começam a fazer sucesso de fato a partir do momento em que são contratados por um time europeu e transferidos para o exterior, este longa viajou o mundo, levando o nome de sua terra natal para mais de trinta premiações internacionais. Uma obra forte, contundente, absurdamente atual e assumidamente verdadeira. Para quem deseja conhecer mais a fundo não apenas o cinema colombiano, mas de toda a América Latina, aqui está uma excelente porta de entrada. – por Robledo Milani
Dente Canino (Kynodontas, 2009)
O escolhido para representar o time grego nesta disputa emocionante entre filmes é Dente Canino, do diretor/técnico Yorgos Lanthimos. Na trama, três filhos já adultos são mantidos, ao que parece desde sempre, numa propriedade afastada por seus pais excessivamente zelosos. O temor é que o mundo de fora os corrompa. A TV é limitada à exibição de filmes caseiros e a vitrola só toca Frank Sinatra, apresentado como avó dos infantilizados seres que, assim, crescem em meio a uma contradição: o corpo abriga pulsões adultas que a mente infante se debate para entender. Lanthimos pratica um jogo aberto, no qual tudo é mostrado quase que diretamente, sem rodeios, alegorias ou mesmo metáforas mais elaboradas. Dente Canino é como um time pragmático, que sabe exatamente seu objetivo em campo e não mede esforços para atingi-lo. Não espere jogadas de efeito, mas um esquema tático tão bem definido que faz do longa um oponente difícil de derrotar. – por Marcelo Müller
Rue Princesse (idem, 1994)
A Costa do Marfim não tem uma rica participação em Copas do Mundo. Sua estreia foi no campeonato de 2006, quando foi eliminada ainda na primeira fase, bem como em 2010, na segunda vez que esteve presente na disputa. Já o cinema do país, apesar de pouco conhecido no ocidente, tem uma vasta produção. Um dos grandes nomes do meio cinematográfico local é Henri Duparc, diretor e roteirista falecido em 2006 que, por quase quatro décadas, produziu filmes na região. Um deles é Rue Princesse, longa que retrata o cotidiano de uma família disfuncional formada por Emile, Fanta e seus quatro filhos. O mais velho, Jean, sai de casa porque quer ser músico, para desgosto do pai. A partir deste conflito familiar, o diretor discute não apenas valores entre quatro paredes, mas a própria herança da colonização francesa no país. Uma comédia simples, com pouca inovação sob termos técnicos ou estéticos, mas permeado por nuances que vão além das situações embaraçosas da família, discutindo o contexto socioeconômico africano. – por Matheus Bonez
Os Sete Samurais (Shichinin no samurai, 1954)
São onze os jogadores dentro das quatro linhas, defendendo as cores da sua nação. Mas no caso do Japão, se dirigidos por Akira Kurosawa, poderiam ser apenas sete. No lugar da bola, espadas. Em vez do estádio, uma vila humilde. O gol e a vitória seriam a defesa daqueles pobres inocentes, vítimas da opressão de um grupo de terríveis bandidos. Os Sete Samurais é um dos maiores clássicos do cinema japonês e figura em inúmeras listas dos melhores filmes de todos os tempos. Ainda que Kurosawa tenha longas-metragens brilhantes como Rashomon (1950), Anatomia do Medo (1955) e Ran (1985), Os Sete Samurais ganha destaque pela influência que exerceu em cinematografias do mundo todo. Desde westerns (Sete Homens e um Destino, 1960) até animações infantis (Vida de Inseto, 1998) beberam na fonte desta produção. Vencedor do Leão de Prata no Festival de Veneza em 1954 e indicado a dois prêmios da Academia (Direção de Arte e Figurino – ambas na categoria Preto e Branco), o filme tem tudo para sair campeão do torneio. Claro, se ele dependesse de qualidades cinematográficas e não de futebol no pé. – por Rodrigo de Oliveira