O oitavo grupo da primeira fase da Copa do Mundo 2014 não só foi o último do sorteio que definiu as chaves da competição, como também é, curiosamente, aquele no qual se depositam as menores expectativas. Afinal, é um dos dois únicos grupos que não contém nenhum ex-campeão mundial entre os seus participantes. Mas, ao contrário do Grupo C, que tem como destaque a Colômbia – país com tradição no esporte e que sempre pode surpreender – as seleções aqui reunidas são, literalmente, de pouca expressão. A melhor delas é a Bélgica, em sua 12° participação, porém sem nunca ter ido além das quartas-de-final. Um pouco melhor está a Rússia, que apesar desta ser sua décima participação, em 1966 alcançou a quarta colocação. Em seguida vem a Coréia do Sul, classificada para a Copa do Mundo pela nona vez, mas que também alcançou um quarto lugar em 2002, ano em que foi sede do mundial. A Argélia, por sua vez, está em sua quarta Copa, e nunca passou da fase inicial. E se nos campos a situação nunca foi fácil, na tela grande é um pouco diferente. A Coréia do Sul pode nunca ter sido indicada ao Oscar de Filme Estrangeiro, mas a Bélgica já foi finalista em algumas ocasiões, a Argélia tem um vencedor de respeito (Z, de Costa-Gavras, em 1970), e a Rússia (ou União Soviética) já ganhou em diversas ocasiões, além de possuir uma tradição que vai muito além do reconhecimento hollywoodiano. Confira, portanto, as nossas apostas!
A Criança (L’enfant, 2005)
Quem sabe, um dos principais efeitos do cinema dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne seja mesmo social, justamente por mostrar uma faceta pouco vista do Velho Continente, ou ao menos de parte dele. A Criança se passa na Bélgica, país sobre o qual temos uma visão completamente diferente da apresentada no filme. Na trama, um jovem casal está às voltas não apenas com o desemprego, mas com a chegada do primeiro filho. O rapaz, desorientado e imaturo, vende a criança no mercado negro da adoção, primeiro por não conseguir sustentar o recém-nascido e segundo pela alta quantia oferecida. Os Dardenne não buscam agradar a torcida, fazendo firulas ou jogadas complicadas. Assim, expõem a dureza cotidiana desses belgas que vivem à margem, mostrando uma realidade pouco denunciada mesmo pelo cinema europeu, ao passo em que reflete em seus personagens dilemas universais. “Futebol” arte, no seu estado mais doloroso e necessário. – por Marcelo Müller
Fora da Lei (Hors la loi, 2010)
A seleção da Argélia é conhecida como as raposas do deserto. Já participaram de três Copas (em 1982, 1986 e 2010) e estão presentes na Copa do Brasil em um grupo encardido, com Bélgica, Rússia e Coréia do Sul. No cinema, o país tem mostrado trabalhos bastante interessantes, tendo crescido a produção interna nas últimas duas décadas. Um bom exemplo é Fora da Lei, continuação de Dias de Glória (2006), uma história forte sobre a luta de um povo pela sua liberdade. Neste caso, os argelinos pela independência de seu país, dominado pela França desde o século XIX. Sangrento como qualquer filme que retrata uma revolução, esta é uma produção argelina digna de nota e que aguça a curiosidade do espectador em relação a outros trabalhos do diretor Rachid Bouchareb – que assinou o ótimo London River (2009) e o mediano Simplesmente uma Mulher (2012). Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2011, Fora da Lei é um representante forte da Argélia nesta Copa de Cinema. Para não fazer feio frente a produção russa, belga ou coreana. – por Rodrigo de Oliveira
O Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin, 1925)
A Rússia pode não ter o melhor histórico quando se trata da Copa do Mundo, afinal, foi eliminada na primeira fase nas duas vezes que participou da competição desde que a antiga União Soviética foi extinta. Este ano o diagnóstico também não é dos melhores, com o time penando para se classificar. A boa notícia é que o país sediará o evento de 2018. Já no cinema, a Rússia faz muitos gols e não é de hoje. Como lembrar da filmografia do país sem citar seu maior clássico, O Encouraçado Potemkin, e seu realizador, Sergei M. Eisenstein? Através da crítica à política czarista, o cineasta não só contou a história real dos marinheiros insatisfeitos do navio Potemkin e sua revolta contra o governo, como também revolucionou a montagem na história do cinema. Só a cena do massacre da população na escadaria em Odessa é um dos maiores exemplos de como se deu esta influência, especialmente em Hollywood: Os Intocáveis (1987), de Brian de Palma, faz referência direta ao momento mais lembrado do filme russo. Obra máxima do cinema do país, o longa de Eisenstein deve ser visto e revisto por qualquer um que se autodenomine cinéfilo. Mais do uma obrigação, um prazer em assistir a este trabalho realizado com maestria. – por Matheus Bonez
Oldboy (Oldeuboi, 2003)
Capítulo do meio da ‘Trilogia da Vingança’ desenvolvida por Chan-wook Park, este thriller causou tanto impacto ao ser lançado, cerca de dez anos atrás, que até hoje encontra ressonância – seja na estreia do diretor em Hollywood com o suspense Segredos de Sangue (2013) ou com o lançamento do remake norte-americano Oldboy: Dias de Vingança (2013), dirigido por Spike Lee. No entanto é o original, precedido por Mr. Vingança (2002) e seguido por Lady Vingança (2005), que marcou com uma força indelével seus espectadores, tanto no Ocidente quanto no Oriente. A história do homem que, após ser sequestrado e preso por quinze anos, certo dia é solto sem nenhuma explicação e parte decidido para se vingar dos seus captores simplesmente redefiniu o próprio cinema sul-coreano como um gênero à parte, abrindo caminho no mercado internacional para a consagração de nomes como Bong Joon-Ho, Kim Jee-woon e Hong-jin Na, entre outros. Um belo e selvagem exemplo de uma cinematografia nova, com ânsia de mostrar seu valor e conquistar sua fatia de público fiel. Assim como sua seleção de futebol, que vem com garra, mas com um longo caminho ainda a ser percorrido. – por Robledo Milani