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A mostra Por Um Mundo Melhor do 15º Curta Taquary traz muitos filmes sobre a preservação do meio ambiente. E é curioso perceber que o painel formado por esses curtas-metragens não é apenas alarmante quanto ao nosso presente, mas também defensor da ideia de que a definição do futuro começa na valorização do passado e das tradições. Trata-se de um recorte que contempla boa parte das premissas do evento que acontece há 15 anos na cidade de Taquaritinga do Norte, no interior pernambucano: além da ecologia, a diversidade e a preocupação com os povos originários. Nesse sentido, a animação Ewé De Òsányìn: O Segredo das Folhas, de Pâmela Peregrino, vai buscar inspiração da literatura de cordel para contar a história de um menino que peregrina em busca do espírito da floresta que pode transforma-lo em alguém parecido com os demais. Com folhas no lugar dos cabelos, o pequeno também animado em stop-motion (e essa variedade de técnicas é o principal destaque da produção) vai aprendendo sobre a importância da diversidade da flora e da fauna para a manutenção da vida no planeta Terra. Aliás, é comum nos exemplares dessa mostra o protagonismo infantil. As crianças simbolizam uma nova geração que pode salvar o mundo cansado dos estragos feitos pelos seus predecessores. Assim sendo, a infância representa uma nova chance.

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A INFÂNCIA QUE MIRA O FUTURO
Dentro desse protagonismo infantil frequente na mostra Por Um Mundo Melhor do Curta Taquary, temos a animação Nonna, de Maria Augusta V. Nunes. A personagem principal é uma menina moradora de uma região agrícola que testemunha um campo cada vez mais assolado pela ação dos agrotóxicos. A técnica de animação um tanto rudimentar não compromete a mensagem contida nesse filme que tende a agradar os espectadores menores: antigamente o campo era visto como paraíso, local idílico repleto de ar puro e apropriado ao sossego. Com o avanço dos latifúndios e da sanha gananciosa de representantes do agronegócio, ele tem se tornado um espaço insalubre para a vida. Essa denúncia aqui está reforçada pela avó que sofre os efeitos colaterais do excesso de pesticidas na região, bem como pela necessidade de mascarar-se para amenizar a ação dos venenos. Já em Cósmica, de Ana Bárbara Ramos, a criança é uma extraterrestre que passou um bom tempo na Terra e que está mandando uma carta para o planeta. Nela, demonstra uma grande preocupação com o futuro. Enquanto esteve aqui, a visitante pacífica foi uma menina dada a brincadeiras e outras traquinagens. A voz que pressupõe inocência denuncia com propriedade algumas das nossas mazelas. Vemos a pequena brincando por meio de uma imagem com efeitos de envelhecimento.

Na ficção Wuitina Numiá (Meninas Coragem), de Rita de Cácia Oenning da Silva e Kurt Shaw, a comunidade indígena da etnia Tukano é ameaçada por um garimpeiro de olho nas possíveis riquezas minerais existentes no seu território protegido. Mesmo que a produção soe pueril, inocente demais em diversos momentos (vide as transições entre as sequências que poderiam ter mais tensão), é interessante notar a opção dos realizadores por apresentar a resistência do povo originário acontecendo em duas vias: a primeira é a dos adultos se preparando à chegada do forasteiro que certamente não está preocupado com a cultura deles que pode ser prejudicada; a segunda é a das crianças que se transformam em agentes da ação, ou seja, que partem para cima do invasor a fim de afugentá-lo e demovê-lo da vontade de violar patrimônios e bens imateriais de valor incalculável. Por sua vez, Vazanteiros, de Tiago Carvalho, enfatiza as crianças, ainda que não as situe como protagonistas. Na verdade, o documentário de observação se detém nas comunidades que vivem às margens do Rio São Francisco, cultivando/zelando por suas águas. Porém, é uma pena que as especificidades dos vazanteiros sejam enfatizadas somente pelos letreiros iniciais.

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Aurora: A Rua que Queria ser um Rio

ÁGUA, A SEIVA DO PLANETA
Outro elemento recorrente na mostra Por um Mundo Melhor é a importância da água. O já citado Vazanteiros toca nesse ponto ao sublinhar a biodiversidade e a experiência humana às margens do Rio São Francisco, um dos principais cursos d’água da América Latina – que vai das Minas Gerais até a Bahia. Fôlego Vivo, de Juma Jandaíra, também se detém sobre algo que diz respeito ao Velho Chico, mas a partir de uma perspectiva bem diferente. Ele traça um panorama cheio de desilusão sobre as consequências das obras da transposição do Rio São Francisco que afetaram drasticamente os povos Kariri do Ceará. Áreas inteiras foram inundadas e com elas sacrificadas as paisagens carregadas de biodiversidade, senso de pertencimento e memórias. Esse assunto da ganância corporativa como algo destruidor está igualmente presente em Fragmentos de Gondwana, de Adalberto Oliveira, um documentário sobre os efeitos de um imenso vazamento de óleo no litoral nordestino. A isso é somado o entendimento amplo do impacto das empresas que deslocam os moradores ribeirinhos para habitações que não têm nada a ver com sua cultura. Os conglomerados não se interessam pelo pertencimento e, por isso, desenraizam.

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Ewé De Òsányìn: O Segredo das Folhas

Numa chave narrativa distinta, mas continuando a abordar as mudanças das paisagens naturais, está Aurora: A Rua que Queria Ser um Rio, de Radhi Meron. Nele, uma rua antropomorfizada lamenta o fato de ter virado um espaço prestes a morrer. Trata-se de uma ponderação em tons inocentes sobre os reflexos da urbanização, e que, assim como outros exemplares antes citados, combina várias técnicas de animação. Água Awe’et, de Claudia Bortolato e Mauro Guari, tenta entender o aspecto sagrado da água às diversas doutrinas e fés humanas. Múltiplas culturas (umbanda, indígena, católica, ciência, etc.) falam ecumenicamente da importância da água para a existênciadas pessoas. No entanto, é uma pena que a precariedade cinematográfica deponha bastante contra as intenções da dupla de realizadores. Por fim, Ibira-çari Curumim, de Jackson Abacatu, é praticamente um videoclipe em que o corpo de uma mulher (seria ela metáfora da mãe natureza?) vai se fundindo com o seu ambiente circundante. Animação, live-action e música com toques indígenas. Portanto, novamente temos em cena uma mistura de técnicas, o que reafirma a heterogeneidade das narrativas dos filmes presentes da mostra Por um Mundo Melhor do 15º Curta Taquary. Mais do que as suas qualidades como cinema, os filmes dessa seleção valem como valiosas partes de um discurso de alerta.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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