O Brasil passou por momentos difíceis nos últimos anos. Do ponto de vista sanitário, tivemos uma pandemia que assolou o mundo e por aqui escancarou ainda mais as nossas diferenças sociais. Mais de 600 mil mortos, muitas famílias de luto e a vida de tudo mundo virada de cabeça para baixo em alguma medida. Do ponto de vista político, um governo federal que desmantelou tantas coisas (de órgãos fiscalizadores a ministérios inteiros) e cuja estratégia de desacreditar uma doença possivelmente letal foi o ápice de um negacionismo que também passou por outras áreas encaradas como vilãs. Pode-se dizer que tivemos duas pandemias sobrepostas? Talvez. Dentro desse contexto, os eventos de cinema precisaram se adaptar, se reinventar para continuar existindo. Dos grandes aos pequenos, praticamente todos eles recorreram ao âmbito online como forma de acontecer. O Curta Taquary resistiu bravamente a esse período, tendo duas edições remotas e uma híbrida antes de retornar totalmente ao presencial em 2023. Aliás, o evento saiu dessa tormenta com a imagem fortalecida. Se, por um lado, não há nada como estar fisicamente num acontecimento desses e participar da comunhão diante da telona ou numa atividade de formação, por outro, o online fez o Taquary evadir fronteiras. Neste ano não teve versão online, mas a programação inovou novamente com a ação no badalado Metaverso.
A edição 2023 do Curta Taquary contou com a exibição de 80 filmes, escolhidos dentro os mais de 700 inscritos. Como de costume, a programação teve como seus eixos temáticos principais a preservação do meio ambiente e a educação, algo que podemos observar nos filmes aos quais conseguimos assistir. Acompanhamos mais de perto cinco dos recortes propostos pelos organizadores/curadores: Agreste, Primeiros Passos, Brasil, Pernambucana e Internacional. Cada uma delas com características e predominâncias estético-narrativas específicas. Na Mostra Agreste, sobressaiu a reflexão da memória e do pertencimento como atributos culturais, vide alguns filmes refletindo escancaradamente sobre as tensões entre passado e presente. Na Mostra Primeiros Passos, importantíssima para oportunizar a realizadores novatos um espaço nobre de exposição, uma mescla de preocupação com o futuro (inclusive por conta da forma como tratamos o meio ambiente) e tentativa de encontrar porquês no passado. Mais extensa das seções do 16º Curta Taquary, a Mostra Brasil trouxe uma seleção heterogênea de propostas para refletirmos que país precisa ganhar visibilidade: um país feminino, indígena, no qual a histórias revelam uma senda de perseguidos. Já a Mostra Pernambucana, com filmes feitos apenas no estado, documentário, ficção e experimental dividiram as atenções e apontaram tendências. Por fim, a Mostra Internacional, em linhas gerais, trouxe filmes que demonstraram uma preocupação enorme com a vida num planeta que vem sendo violado há séculos por nós.
E o compromisso do Curta Taquary não passa somente pela seleção criteriosa de filmes que podem nos dar perspectivas distintas sobre, por exemplo, as causas ambientais. Desde a sua primeira edição, o evento tem abraçando vigorosamente a comunidade com atividades paralelas que reforçam seu compromisso social. Neste ano, o Curta Taquary promoveu a exposição Cem Pilum: A História do Dilúvio, com pinturas do artista Feliciano Lana, indígena da etnia Dessana falecido em 2020 em decorrência da Covid-19; ofereceu a oficina Taquara: Oficina de Captação de Som Direto, cujo objetivo foi engajar alunos da rede de ensino da região no estudo da captação de som; promoveu a CapibAnimando: Oficina de Introdução à Animação Stop Motion ministrada pela cineasta-educadora Renata Claus; e viabilizou o 6º Encontro de Cinema e Educação, voltado à formação e sensibilização para educação ambiental através da sétima arte, uma atividade que contou com as presenças de professores e estudantes da região. Além disso, os organizadores encabeçaram ações como o plantio de mudas na vizinhança de Taquaritinga do Norte e reiteraram o comprometimento da edição anterior com o assentamento Normandia do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra), levando à comunidade agrária variedade de cinema e discussões pertinentes engatilhadas pelos filmes.
Mesmo à distância, acompanhar outra edição do Curta Taquary é ter a certeza da importância de eventos como esse para preencher as suas respectivas comunidades de cinema, conhecimento, mas também de consciência social. E, conforme nos revelou numa entrevista exclusiva um dos coordenadores Devyd Santos (você pode ler o bate-papo na íntegra clicando aqui), a edição deste ano foi feita quase toda na garra, uma vez que o dinheiro ao qual o festival têm direito como subsídio estatal ainda não foi liberado. Portanto, de 16 a 22 de março, o 16º Curtas Taquary existiu em virtude dos esforços hercúleos dos organizadores a fim de que uma história não fosse drasticamente interrompida por falta de verba. Não é algo que gostaríamos de reportar, afinal de contas um acontecimento tão importante deveria ser prioridade para o governo estadual, mesmo dentro de uma eventual necessidade de readequação financeira. Prioridade, pois o Curta Taquary vai além da exibição de filmes. Já seria super importante como agente disseminador de obras capazes de diversificar o olhar dos moradores de Taquaritinga do Norte, Toritama e Caruaru. Porém, ele ganha ainda mais relevância pela continuidade de suas ações ao longo do ano, pelo compromisso com a comunidade local e a defesa incondicional da união entre arte e educação para plantarmos coisas boas agora e seguirmos colhendo no futuro.
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