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A Mostra Primeiros Passos do 16º Curta Taquary cumpre uma função muito bonita: mostrar ao mundo realizações de artistas que estão começando. Trata-se de um incentivo e tanto para cineastas iniciantes essa possibilidade de contato direto com o público. Especialmente num país com sérias carências econômicas, sobretudo em áreas historicamente desassistidas pelo Estado, como evitar que talentos se percam pelo caminho? Como aproveitar o potencial, por exemplo, artístico de uma população que certamente tem muito a oferecer no campo da criatividade? Quando falamos do cinema brasileiro, nos deparamos com uma atividade historicamente resiliente, cujos obstáculos (por maiores que eles sejam) não são suficientes para soterrar a vontade de estar na telona, à disposição dos públicos ávidos por experiências que apenas esse “milagre” pode garantir. Além disso, temos de levar em conta que a seleção para um evento de cinema tem outro peso à nova geração que está crescendo na era do streaming, com o consumo de filmes cada vez mais acontecendo no âmbito doméstico: ela oferece a esses cineastas iniciantes a possibilidade de ter uma plateia fisicamente em comunhão diante de seus filmes. Não é pouca coisa. Mas, o que a Mostra Primeiros Passos do 16º Curta Taquary nos mostra? Confira.

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Encontro

CULTURAS EM RISCO
Reverberando um dos principais temas observados nos filmes da Mostra Agreste do 16º Curta Taquary Encontro, curta-metragem mineiro dirigido por Rafael Brandão, aposta nos contrastes. E eles se dão entre a rotina campesina num ambiente que obedece a protocolos associados ao passado e a constituição de uma zona urbana vizinha repleta de prédios carcomidos e, em semelhante medida, edificações em construção – num reforço desse contraste que denota algo substitutivo. A pequena jornada de um homem, sobretudo o seu desfecho, aponta justamente a essa disputa entre o tempo e aquilo que nele cabe. Também nessa mesma toada de chamar atenção às culturas ameaçadas pelo “novo”, o maranhense Nossa Festa Já Vai Começar, de Cadu Marques, celebra a força cultural dos quilombolas. Por meio da atividade laboral em torno da produção da farinha, da capoeira e do exercício da fé nas divindades das religiões de matriz africana, ele desenha um panorama diverso sobre áreas que enfrentam constantemente o risco de desaparecerem em função de tentativas de desapropriação para inúmeros fins – como, por exemplo, a duplicação da rodovia. É um curta bastante íntimo, em que o diretor se coloca diante da câmera e oferece a si próprio como personagem para tecer a tapeçaria de afetos e elogios à capacidade de resistência do povo. Dois filmes que anunciam esse desejo latente de reflexão.

EXAMINANDO O PASSADO PARA COMPREENDER O PRESENTE
Outro eixo que sobressai ao conferir os filmes da Mostra Primeiros Passos do 16º Curta Taquary é o ato de remexer do passado a fim de tentar compreender o presente. Nesse sentido, o filme que mais se destaca (o melhor da mostra, aliás) é o pernambucano Lilith, de Nayane Nayse. Ele faz parte de uma vertente frequente, que tem ganhando abordagens variáveis no cinema brasileiro relativamente recente: a de cineastas que se debruçam sobre imagens familiares em busca de pistas sobre si próprios. Nayane Nayse passeia pelas filmagens com textura de vídeo que cristalizam a sua infância, com flashes do pai e flagrantes da mãe com quem atualmente tem uma relação distante. De certa forma, o filme refaz o elo entre mãe e filha ao compreender a continuidade de opressões sociais às mulheres, algo que Nayane não apenas percebe, como elabora em termos de equivalência imagética. Dentro desse processo, surgem pequenas encenações (performances) que servem para enfatizar a feminilidade, mas esse dado estava completamente posto a partir do engenhoso jogo de montagem que o filme faz. Numa chave diferente, ainda assim caracterizada pelo protagonismo da memória no entendimento do agora, o também pernambucano Santiney Cross do Capibarás, de Agda, é uma reflexão sobre a relação da cidade de Santa Cruz do Capibaribe com o cinema. Utilizando uma estrutura de cordel, ou seja, com pequenos fragmentos de sons e imagens costurados (aqui num varal imaginário), a cineasta Agda faz um curta-metragem sobre a percepção das pessoas sobre o cinema, a falta que uma sala de projeção faz na cidade e a respeito da saudade. As imagens são desconexas dos sons, porque elas tentam capturar o cinematográfico do cotidiano de uma cidade sem cinema, enquanto os depoimentos alinhavam o discurso.  Dois filmes em que imagem e som “divergem”.

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HUMANISMO E EMPATIA
Há dois filmes da Mostra Primeiros Passos que sobressaem pela abordagem humanista. A singela animação alagoana dirigida por Mateus Campos, Coisas do Passado – filme mais curto da Mostra Primeiros Passos do 16º Curta Taquary –, apresenta técnica rudimentar. Por meio da licença poética, um jovem de cabelos pretos com uma mecha branca reencontra a sua angustiada versão infantil. A música lacrimosa é fundamental à instauração de uma sensação de pesar no curta-metragem. Já no paraibano Era Uma Noite de São João, de Bruna Velden, também uma animação singela e bonita, a festa de São João é o passado numa realidade em que a pandemia da Covid-19 proíbe aglomerações. De modo sintético e eficiente, a realizadora mostra uma idosa rememorando partes significativas da vida decorrida em São João, como a paixão e o casamento acontecidos há tanto tempo, tudo sem falas e com soluções visuais criativas. Os elementos de cena denotam aspectos culturais, como a religiosidade e a iconografia da região nordestina. O arremate acontece numa festa que cresce com cada um em sua casa, todos protegidos da doença, mas dispostos a evocar a cultura do São João como parte fundamental desse processo de enriquecer a alma e esquecer um pouco dos problemas diários.

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Coisas do passado

Portanto, o que temos na Mostra Primeiros Passos do 16º Curta Taquary é um tatear de possibilidades cinematográficas, com linguagens e perspectivas bem distintas, mas uma evidente vontade de compreender o mundo a partir da relação que as pessoas estabelecem com o cinema, sua comunidade, os elos familiares e tantas lembranças guardadas como tesouros.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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