A seleção internacional do 17º Curta Taquary conta com cinco filmes: dois argentinos, um espanhol, um peruano e um mexicano-americano. Algo sempre interessante de se fazer depois de assistir a um programa completo como esse é identificar os pontos de contato entre as produções distintas em forma e conteúdo. Dentro da perspectiva temática socioambiental que baliza o festival pernambucano, a curadora chilena Caroline Pavez Torrealba escolheu para esse recorte produções em que as tradições indígenas são tidas em perspectivas heterogêneas e os sonhos são tratados como instâncias de libertação. Nelas, frações do inconsciente se conectam em lugares entre o imaginário e a fábula para trazer à tona verdades reprimidas. São filmes que assumem posicionamentos artístico-políticos diante desse mundo que, em parte, cultua o progresso como uma divindade autorizada a destruir o passado para continuar existindo e se expandindo. Então, confira abaixo a análise sobre a Mostra Internacional do 17º Curta Taquary.
Sonhos Emancipatórios
O curta-metragem argentino Pássaro, de Carlos Montoya, tem como principal qualidade a elaboração poética do sonho de um personagem que carrega pedras e anseia ser livre. É possível representar esse desejo de diversas maneiras, mas aqui o cineasta opta pelo simbolismo do voo do pássaro para aludir à vontade de se emancipar da terra – lugar da submissão ao trabalho pesado. O protagonista se transforma no pássaro que acompanha outro num voo libertador, mas é trazido de volta à realidade pela atitude infantil de caçar aves recreativamente com estilingue. Com uma animação bonita, cujos traços parecem feitos a carvão, o cineasta faz um relato lírico. As ações se desenvolvem como se cada movimento representasse um pequeno universo anterior ao surgimento de outro. Já o filme espanhol Fogos-Fátuos, dirigido por Hurtachi, também fala de sonhos emancipatórios, da possibilidade de experienciar a liberdade por meio de uma vivência animal. Nele, a narradora desabafa com alguém sobre devaneios que a levaram ao mar, a respeito da transformação em água-viva que lhe deu a possibilidade de sentir a paisagem, de perceber a eternidade da vida e a imensidão da natureza por meio da conexão com os ciclos das águas. Na tela, o retrato da mulher que tomamos por narradora é alternado com as imagens aéreas de ondas marítimas adquirindo um visual abstrato e hipnótico. De vez em quando, as palavras são entrecortadas pela figura da indígena observada como uma divindade. Novamente, o sonho liberta porque insere a personagem no contexto da natureza pulsante em estado bruto.
Passado e futuro indígena
No encerramento do argentino A Pedra Mágica, de Paula Herrera, há a mensagem de que o filme foi realizado com materiais descartados, ou seja, o processo produtivo da animação levou em consideração a sustentabilidade, a necessidade urgente de reaproveitar – uma das bandeiras ambientalistas mais urgentes da atualidade. Dito isso, a cineasta nos oferece de início uma chave para compreender a trajetória da menina que encontra uma pequena pedra mágica à beira-mar, abrindo o curta-metragem ao falar da importância da dualidade dentro da cosmovisão Mapuche – povo indígena da região centro-sul do Chile e do sudoeste da Argentina também conhecido como araucano. Trata-se de um conto lúdico sobre a experiência de alguém que está conhecendo o mundo e que acaba sentindo na pele essa dualidade aqui representada por um mar sereno, mas que também tem força perigosa. Ora gentil, ora agressivo. Nada no universo é uma coisa só.
Já o mexicano-americano Balam, de Guillermo Casarín, traz a história de uma menina descendente dos povos maias sendo chamada a regar as suas raízes ancestrais, de novo, em contato com a animalidade, uma das constantes dessa mostra do Curta Taquary. No começo parece que teremos apenas mais uma história observando de modo crítico o sequestro dos jovens pela tecnologia. A protagonista não dá bola para a observação astronômica do pai porque está interessada no conteúdo do seu celular, isso até se perder, libertar um imponente jaguar enjaulado, acessar o passado na ruína pré-colombiana e renunciar ao aparelho que monopoliza sua atenção para salvar o felino que aponta a sua ancestralidade. Tudo muito pronunciado, sem tantas nuances, mas com a mensagem importante de valorização da civilização historicamente celebrada por seu desenvolvimento, mas dizimada nos processos de colonização pelos europeus.
O maior e provavelmente o melhor dos curtas-metragens da Mostra Internacional do 17º Curta Taquary é o peruano A Voz do Huito, de Rita Sánchez, Joaquina Izaguirre e Mara Corrales. Nele temos Luis Tayori, descendente do povo indígena Harakbut, contando sobre os feitos de seu povo, os primeiros contatos com missionários católicos, além da constante (e agressiva) submissão da etnia às ideologias do homem branco. Enquanto Luis conta de modo suscinto sua história que, em certa medida, espelha a despersonalização do seu povo diante da opressão, fotografias dos Harakbut são apresentadas para ilustrar os relatos. Luis fala do embaraço sentido do próprio idioma e das origens indígenas quando levado a uma escola regular dos brancos. Nas suas palavras sobressai a vergonha de uma existência condicionada pelo discurso alheio a se enxergar como errada, a exploração cujo discurso asfixia a individualidade e a cultura Harakbut.
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