O Curta Taquary 2025 tem uma seção para dar destaque aos filmes da sua região. Nos 11 curtas-metragens da Mostra Agreste da 18ª edição do evento que tem como sede principal a cidade de Taquaritinga do Norte, temos assuntos semelhantes perpassando narrativas ficcionais e documentais, além de estilos e estéticas diferentes, o que aponta à diversidade da produção regional. O evento reforça anualmente o compromisso com esse cinema das redondezas. Para o Curta Taquary, santo de casa faz milagre e filmes. Confira o artigo sobre os curtas da Agreste.
ARTE POPULAR
Outro Lado da Gente, de Vinícius Tavares, é sobre o escultor Nelson Rodrigues, um personagem importante da cidade de Toritama, uma das sedes do Curta Taquary 2025. É inteligente a maneira como esse relato é construído, contemplando inclusive uma reflexão acerca do próprio fazer cinema. Em vez de simplesmente contar avida desse homem que dá forma às raízes de árvores mortas, a narrativa também vai se autoanalisando, escancarando processos e dispositivos, assim se tornando muito mais interessante por conta de suas camadas e de não ser tão convencional. Todas As Memórias Que Você Fez Para Mim, de Pedro Fillipe, é também a respeito de um escultor, mas dessa vez de um fictício. Luiz tem uma doença degenerativa que o faz perder a memória. Enquanto segue esculpindo as suas figuras de barro, ele é cuidado pelo marido, o agricultor José. O filme é um retrato dessa rotina desgastada pelo esquecimento, focada mais nos cuidados que o zeloso companheiro tem com o homem doente do que numa reflexão sobre o apagamento da memória como um indício de que o sujeito está se esvaindo aos pouquinhos.
O Carnaval é de Pelé, de Daniele Leite e Lucas Santos, é novamente sobre um artista. Conhecido como Pelé, herdeiro da festa do Boi em Caruaru, o protagonista é atualmente um homem idoso cujos problemas de saúde o impedem de brincar o Carnaval como nos velhos tempos. A dupla de diretores tem um personagem excepcional, mas acaba não o aproveitando para desenvolver os assuntos que surgem em meio aos seus relatos, tais como a necessidade de manter viva a tradição e a tristeza de não poder mais saltitar em torno do Boi em virtude das restrições físicas.

TRABALHO
Facção, de Henrique Corrêa, escancara os problemas de uma estrutura de produção têxtil muito comum na região do Agreste Pernambucano. Na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, uma pequena fação (como são chamadas as organizações de produção informal) está num dilema: aceitar uma redução drástica nos preços praticados ou ficar sem demanda na chamada alta temporada? Mesmo que a encenação seja um pouco rígida e que as atuações acompanhem essa rigidez, o discurso se constitui, especialmente o que diz respeito às tensões do capitalismo. Eu Queria Que Todo Dia Fosse Carnaval, de Ívison Renato, pode até parecer apenas um exercício de saudosismo, porém é um pouco mais do que isso. O narrador e protagonista comenta fotografias antigas dos carnavais na cidade de Bezerros, acumulando histórias de si próprio, mas também dos pais que lhe transmitiram o amor pela folia. No entanto, o filme também estabelece uma tensão entre passado e presente, mostrando como as coisas mudaram e, quase perto do fim, justifica seu título ao fazer uma crítica sobre a localidade que maquia problemas para o Carnaval.
Costureiras no Online, de Mayara Bezerra e Rafa Monteiro, se passa na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, outra cidade onde a atividade têxtil é a principal base da economia local. Os diretores se debruçam sobre o período da pandemia da Covid-19 que afetou bruscamente esse segmento que sustenta a cidade. No entanto, o filme não desenvolve muito essas táticas para se adaptar ao cataclismo e sobreviver, apenas citando que foi preciso enorme adequação. Conforme ele se aproxima de seu fim, cresce a homenagem a essa atividade que passa de geração em geração,

BENS IMATERIAIS
O documentário Retrato de Um Forró, de Gabriella Ambrósio, começa mostrando a agitação do São João em Caruaru dando lugar ao cotidiano menos festivo do que se imaginaria numa localidade chamada de Capital Mundial do Forró. Para contrapor isso, a cineasta retrata o espaço cultural que se tornou referência na cidade e que, por sua atuação nas áreas da música e da gastronomia, se tornou um ambiente de resistência. Se Gabriele investisse um pouco mais na construção do discurso de resistência e menos no viés institucional, o filme ganharia camadas. Nessa mesma toada de fazer um documentário que dê conta de registrar um bem de valor imaterial para sua comunidade, A História e o Brilho das Bandas Marciais de Toritama, de Brendo Hoshington, cria um resumo da importância e dos bastidores das bandas marciais da cidade de Toritama. A primeira parte é basicamente um processo arqueológico por fotografias e memórias. Já a segunda toca em vários temas tratados de maneira superficial, como a rivalidade entre os grupos, a evolução das apresentações para espetáculos mais elaborados e os seus personagens.
Por sua vez, Crença e Cura, de Lavínia Bezerra, intercala a história de três rezadeiras – que em algumas partes do Brasil também são conhecidas como benzedeiras. Para além da questão religiosa, da fé propriamente dita, essas mulheres carregam um conhecimento que configura parte fundamental da cultura de algumas localidades do nosso país. Cinematograficamente falando, o filme é bastante conservador e sem muita criatividade visual e sonora. No entanto, ele cumpre um papel importante à preservação dos causos de uma atividade muito tradicional.

ELAS CONTRA A MORTE
Umbilina e Sua Grande Rival, Marlom Meirelles, conta a história de uma mulher pedindo mais um tempo à Morte em pessoa a fim de salvar o único vivo entre seus dez filhos. Que luxo contar com Marcélia Cartaxo e Zezita Matos no elenco dessa trama fotografada num belo preto e branco que fala de milagres, do obscurantismo da Igreja Católica e que associa o sagrado ao mundano. Embora as soluções do enredo sejam providenciais demais, como o envolvimento de Zé Maria e Santinha, o filme cumpre bem a função de ser uma fábula sertaneja cheia de heróis e heroínas. Já o mais longo dos filmes da Mostra Agreste, Wadja, de Narriman Kauane, é também o único dirigido por uma indígena e que retrata uma personalidade fundamental para compreender a resistência dos povos originários. A protagonista é uma batalhadora que construiu uma escola bilíngue e registrou em cartilha uma linguagem fadada a ser extinta na medida em que seus detentores e propagadores via oralidade fossem morrendo. O filme é uma homenagem extensa, às vezes prolixa e um pouco cansativa, mas ainda assim consegue iluminar essa mulher notável.
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