Nos últimos anos a palavra diversidade se tornou um dos polos da discussão entre conservadores e progressistas. Os primeiros a enxergam quase como uma abominação, uma vez que defendem a continuidade dos padrões (de representação, de ocupações de espaços de poder, de empregabilidade, etc.). Não à toa, geralmente os inimigos da diversidade são membros de grupos dominantes que evidentemente não querem perder a sensação de que o mundo é deles. Já os segundos, os progressistas, veem a diversidade como uma mola propulsora para modificar profundamente as sociedades. Como simplesmente negar a realidade de que somos múltiplos?
O Curta Taquary 2025 traz um conjunto de seis curtas-metragens na Mostra Diversidade. São filmes que debatem a localização da mulher em coletividades machistas, que ressaltam a importância do empoderamento LGBTQI+ e que trazem à tona assuntos como o racismo e o classismo. Confira nosso artigo sobre os filmes da Mostra Diversidade do Curta Taquary 2025.
CULTURA POPULAR
Carpina, 11 De Setembro, de Mery Lemos, é feito de imagens do passado e do presente do desfile tradicional de 11 de setembro no município pernambucano de Carpina. Data da comemoração da emancipação da localidade, ela geralmente é celebrada com desfile de bandas marciais e outros tipos de cortejo. Mery intercala imagens de uma festa muito mais diversa na atualidade, inclusive com corpos LGBTQIA+, e as fotografias de como essa ocasião era num passado recente. Isso tudo enquanto repete em letras garrafais o conceito do dicionário da palavra “Emancipação”. Desse modo, ela cria em menos de quatro minutos um discurso forte entrelaçando a emancipação da cidade e a dos corpos que se libertam do pátrio poder para se expressar livremente. Isso sem diálogos, apenas apostando na força retórica das associações.
A Pisada é Delas: Mulheres do Coração Nazareno, de Patricia Yara Rocha, é um documentário sobre o vanguardismo de mulheres brincando o maracatu rural na cidade pernambucana de Nazaré da Mata. A diretora colhe o depoimento de três integrantes do grupo chamado Coração Nazareno, com isso criando um mosaico interessante de histórias que envolvem necessariamente a quebra de barreiras. Durante anos o folguedo era um espaço estritamente masculino. Tendo de romper os preconceitos de uma cidade pequena, em que as tradições machistas parecem ainda mais enraizadas do que numa metrópole, as três protagonistas falam de lugares diferentes, contam suas histórias que envolvem necessariamente o rompimento com as preconcepções patriarcais para consolidar seu lugar na festa popular que agrega diversidade.
Babilônia, de Duda Gambogi, se passa em Cuba e acontece no seio da cena local drag queen. Num lugar onde a comunidade queer da ilha caribenha se encontra para curtir shows e vivenciar experiências com liberdade, a jovem transformista Elizabeth de Victoria está prestes a se apresentar pela primeira vez. Não se pode dizer que ela seja bem recebida no camarim apertado a calorento da boate. É registrada como um bicho acuado que não consegue se expressar, sendo vítima de sussurros maledicentes de suas colegas que não demonstram muita empatia pelo nervosismo e pela inexperiência da novata. No fim das contas, as coisas se resolvem num ato musical, numa representação que finalmente dá conta de unificar os desunidos, numa situação filmada como se fosse uma epifania no limiar entre a realidade e a imaginação. Bonito e sensível.

CORPOS DIVERSOS
A Volta, de Anny Stone, começa com o retorno de uma mãe ausente. Ela chega bem na comemoração do casamento entre sua filha trans e seu genro também transexual. Essa reunião familiar é atravessada pela notícia de que o casal está gestante e que a recém-chegada está com uma doença terminal. A nova vida contrapondo a morte é um dos elementos mais óbvios e menos desenvolvidos desse curta que toca em questões familiares a partir de uma perspectiva travesti, o que é motivo suficiente para ele figurar nessa Mostra Diversidade. No entanto, a diretora cria possibilidades amplas demais, sugere assuntos com ramificações tão profundas que é inevitável ficarmos com uma sensação de superficialidade pela forma como eles são tratados. Não dá tempo para elaborar o abandono, o calor do parceiro e a saudade prévia da mãe pródiga,
Em Galega, de Anna Lu Machado e Noan Arouche, temos a história de uma forasteira se sentindo em perigo. Carioca de passagem por uma praia no interior do nordeste brasileiro, a protagonista estremece diante de cada olhar de curiosidade que algum homem lança sobre ela. O mais relevante aqui é a coleção de momentos desconfortáveis que a jovem angaria à medida que se relaciona com o dono da pousada, com o rapaz que conhece na praia, com o sedutor que a enxerga como possibilidade de sexo, com o companheiro de viagem numa van transitando por uma região inóspita. Há a mulher à mercê da violência, mas também os preconceitos enraizados nessa menina branca. O filme não deixa que o contraste entre a atitude dela como vítima do machismo e sua reprodução do racismo seja explosivo. Mas tudo está ali para ser lido e refletido.

Nua, de Fabi Melo, tem mensagens interessantes por trás do visual propositalmente asséptico marcado pela opressão da cor branca: as mulheres são múltiplas e contém diversas versões dentro de si. Isso posto, a execução dessa visão metafórica deixa a desejar pela repetição de ideias e por um ritmo cadenciado que não contempla a formulação de um discurso veemente ou mesmo poeticamente instigante. Vemos três fases da vida de uma mesma mulher, suas autocensuras, as vezes em que ela tem de abraçar versões anteriores e confortar tristezas, mas com uma estética em que o clichê das rosas vermelhas é a única coisa que rompe com a onipotência da cor branca – se ao menos a imagem romântica das rosas fosse irônica, paródica, se servisse para justamente colocar em seque padrões aos quais serve como símbolo de beleza.
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