Era um fim de tarde de outono e eu dirigia meu hatchback preto por alguma rua de Beverly Hills. Uma rua emoldurada por altas palmeiras, como tantas outras ruas daquela parte da Grande Los Angeles. O sol batia leve e eu ria sozinha: naquela tarde percebi que tinha “chegado lá“.
Havia recém saído do elegante hotel Four Seasons, onde entrevistara a bela Angelina Jolie a respeito de Lara Croft: Tomb Raider (2001) – o primeiro filme da série. “Pergunta sobre Camboja. Ela adora falar sobre Camboja”, me assoprou uma assessora de imprensa. Lara Croft foi rodado lá, e foi lá que Jolie adotou seu primeiro filho, Maddox.
Fiz a pergunta, os olhos de Jolie brilharam mais que qualquer holofote ou refletor naquele quarto convertido em mini-estúdio de TV. Ganhei a entrevistada, ganhei o dia, e fui tomada pela noção de que estava realizando meu sonho, o de ser uma correspondente internacional.
Durante uma boa década essa foi minha rotina em Los Angeles: assistir aos filmes em primeira mão, entrevistar elenco e equipe, visitar sets de filmagens e até mesmo, às vezes, pisar nos sets como figurante em produções hollywoodianas, pois assim ganhava bons trocados (dólares!) e conhecia mais sobre os bastidores desse mundo mágico. Também fiz revisão de roteiros para o Sundance Institute, e no dia em que ouvi de minha supervisora que escrevia melhor em inglês do que muitos nativos do idioma, meu hatchback preto testemunhou mais um surto de choro e riso que caracteriza a sensação plena de conquista.
O que La La Land: Cantando Estações conta é pura verdade: em Los Angeles, todo mundo tem um sonho. Cada um tem um roteiro sob o braço, ou uma gig que pode se transformar em algo bigger, ou a expectativa de um novo teste e o olho grudado no celular esperando por uma segunda chamada de algum diretor de elenco – o tão desejado “call back” no jargão do showbiz. Atire verde para colher maduro perguntando para qualquer cara de tele-entrega ou garçonete “como vai aquele roteiro?” ou “did you get that call back?” (te chamaram para o papel?). A resposta vai confirmar que em L.A. sonha-se de olhos bem abertos.
(A propósito, a expressão “estar em La La Land” ou na “terra de la la” seria um estado de espírito sonhador, desconectado com a realidade. Também é usada, apropriadamente, para identificar a cidade de Los Angeles.)
Mia e Sebastian são reais. Emma Stone e Ryan Gosling devem ter bebido nas próprias experiências dos tempos de “struggling actors” (outro jargão) para conseguir uma interpretação tão simpática e genuína. Talvez por reconhecer muita gente (e parte da minha história) nesses personagens, para mim o musical de Damien Chazelle é ir-re-to-cá-vel. Demorei algum tempo para me recompor depois de assisti-lo, sobretudo (SPOILER ALERT! PULE PARA O PRÓXIMO PARÁGRAFO!) por causa da sequência “e se“… Quem nunca enfrentou o dilema de qual caminho seguir? Como decidir quanto vale pagar por um… sonho? E se… e se eu tivesse feito de outra maneira?
Em La La Land tudo é verdade, começando pela escolha das locações, parte do cotidiano de quem chama L.A. de casa. Do engarrafamento extenuante em alguma freeway que corta a cidade, passando pelas icônicas Watts Towers até o charmoso Griffith Observatory, de onde se vê em 360 graus as montanhas que decoram L.A. – montanhas que conhecia como a palma da mão, pois não havia fim de semana em que não subisse e descesse aquelas trilhas.
Cada cena de La La Land matou um pouco de uma saudade gostosa que sinto. Foi bom passear novamente pela cidade que acolheu os meus sonhos com tanto carinho e, sim, muito glamour.
Se conhecer Los Angeles está na tua “to do list“, alguns passeios vão te ajudar a sentir ao vivo e a cores o clima do filme de Chazelle.
Hollywood Bowl: é um anfiteatro com capacidade para 17 mil pessoas, programa querido de todos angelenos adotivos e nativos desde 1922. Durante o verão, o Bowl tem uma programação fabulosa de shows! É para ir cedo, levando uma cesta de piquenique e um bom vinho. Os concertos do maestro e compositor John Williams são especialmente espetaculares, uma viagem por trilhas sonoras marcantes do cinema como E.T. (1982), Indiana Jones, Jurassic Park, Tubarão (1975), encerrando tradicionalmente com o tema de Star Wars e a plateia exibindo seus sabres de luz.
The Original Farmers Market: um mercado público para fazer a feira da semana, comer bem sem gastar muito e se afogar num pint da melhor cerveja. Surgiu nos anos 1930, durante a Grande Depressão, como um mercado informal para produtores rurais. Fica perto de estúdios de TV, da Melrose Ave. (onde é bacana visitar flea markets e lojas bem contemporâneas) e da Wilshire Blvd. (onde ficam museus, como o LACMA). Por essa localização, não é raro que o Farmer’s Market sirva como cenário em algum filme ou seriado – ou que alguma estrela seja avistada passeando por ali.
Silent Movie Theater: é uma das experiências mais vintages de Los Angeles. O antigo cinema de rua, um prédio que conserva o design art deco, fica na Fairfax Ave., entre Beverly Hills e Hollywood, e é administrado por uma ONG de cinéfilos, a Cinefamily. A exibição de filmes da era de Charles Chaplin ocorre uma vez por mês. Combine a ida ao cinema com um tradicional hot dog do Pink’s, que fica ali perto e se apresenta como “uma lenda de Hollywood desde 1939”. O cardápio (cachorro-quente com chilli e bacon?) não é para fracos. O interior é decorado com fotografias autografadas pela clientela famosa – como todo restaurante, lavanderia ou posto dos correios que se preze em La La Land.
Roosevelt Hotel: depois de tirar fotografia calçando seus pés em pegadas famosas no Chinese Theater e de localizar o nome dos seus ídolos nas estrelas da Hollywood Walk of Fame, a Calçada da Fama, invista num happy hour no Roosevelt Hotel, ali mesmo na eternamente agitada Hollywood Blvd. Foi construído em 1927 por um grupo de grandes da indústria do cinema para alojar astros durante filmagens, e a lista de hóspedes célebres é imensa até hoje. Foi no Roosevelt a primeira cerimônia de entrega do Oscar, que atualmente ocorre no vizinho Dolby Theater. O prédio é lindo, tem um design espanhol colonial – lembre, estamos na fronteira com o México – e faz parte do patrimônio histórico de Los Angeles. Falando em histórias… o Roosevelt tem muitas. Inclusive de assombração.
Os cemitérios: pode parecer um passeio exótico (para não dizer mórbido), mas os cemitérios de Los Angeles guardam a história da indústria cinematográfica. Se conhecer o túmulo de algum astro do passado despertar a curiosidade por sua filmografia, isso já vale a visita. Os da rede Forest Lawn (em Glendale e em Hollywood Hill) são vizinhos a muitos estúdios e, por isso, abrigam o descanso eterno de muitas estrelas. Geralmente esses cemitérios-museus oferecem visitas guiadas, e nos sites tem como localizar o túmulo dos ídolos (em “find a grave“). Quem me visitou enquanto eu morava em Los Angeles levei no Westwood Village Memorial Park. Escondido entre os arranha-céus de Westwood, é lá que fica o modesto e discreto sepulcro de Marilyn Monroe. (Esse tour particular incluía a casa em que ela morava e onde foi encontrada morta, em Pacific Palisades, perto de Malibu.) Um programa imperdível, sobretudo durante o verão angeleno, é ir no Hollywood Forever Cemetery. Além da aula de história contada através de túmulos, nele tem exibição de filmes ao ar livre, com DJ e piquenique. Fica na Santa Monica Blvd, perto da Paramount. Depois de celebrar o passado, vale olhar para o futuro do cinema num tour pelo estúdio. Foi o primeiro que visitei quando cheguei a La La Land – e onde vi um Oscar pela primeira vez.