De que modo mensuramos o sucesso de um festival ou de uma mostra de cinema? Há alguns parâmetros se pretendemos fazer esse diagnóstico. Mas, nenhum deles é tão eficiente quanto adesão/resposta de público. O Fantaspoa 2022 teve um gosto especial por marcar o reencontro presencial dos espectadores com o que de melhor vem se fazendo no cinema fantástico mundo afora. Nos anos de 2020 e 2021, o evento precisou acontecer online, assim como boa parte das outras programações de cinema. Os tempos eram outros. A pandemia da Covid-19 fazia centenas de vítimas fatais diariamente. Por sua vez, o nosso governo teimava em fazer vista grossa e beneficiar o vírus. Então, não eram seguras as aglomerações. O Fantaspoa firmou uma parceria com a plataforma Darkflix e fez essas edições online com números significativos de visualizações – 65 mil em 2020 e 85 mil em 2021. Felizmente, o panorama atual é diferente. Com cobertura vacinal adequada, o Brasil está com números epidemiológicos satisfatórios, o que permite o afrouxamento de algumas medidas mais restritivas. Portanto, quem esteve em Porto Alegre entre os dias 14 de abril e 01 de maio, pode conferir a seleção com quase 200 filmes e festejar a possibilidade de estar junto. De acordo com os organizadores, 11 mil espectadores prestigiaram as várias atividades presenciais.
Na conversa que tivemos com os criadores do Fantaspoa, João Pedro Fleck e Nicolas Tonsho, para o episódio especial do podcast Papo de Cinema sobre a edição 2022 do evento (que você pode conferir no fim deste artigo), estávamos na metade da programação e os resultados já eram animadores. O Fantaspoa começou como uma ação entre esses dois amigos apaixonados pelo cinema fantástico. Nos 18 anos de sua história, o Fantaspoa deixou de ser uma programação local e se tornou um evento de proporções globais, com nomes maiúsculos fazendo parte de sua história. Cineastas e produtores do mundo todo prestigiam esse palco que se tornou um dos mais privilegiados do planeta quando o assunto é o cinema fantástico. E isso ficou claro (como em outros anos) pela quantidade de premières mundiais que o Fantaspoa abrigou (quase duas dezenas, ao todo), com direito à presença in loco de artistas latino-americanos, europeus, orientais e norte-americanos. Mesmo para quem não estava vivendo tudo na capital gaúcha, bastava uma breve olhada nas redes sociais do Fantaspoa 2022 para conferir a intensa movimentação em torno das sessões especiais, dos debates e mesmo das atividades de formação. O Fantaspoa está longe de ser um festival dedicado ao horror de traços trash, pois enxerga o fantástico como um guarda-chuva amplo, um macro-gênero no qual cabem o horror, a ficção científica, o musical, a ação, o suspense sobrenatural, entre outros tantos.
A experiência online nos anos de 2020 e 2021 foi tão bem-sucedida que levou os organizadores a promover uma versão remota do Fantaspoa 2022. Novo recorde estabelecido. De acordo com a Darkflix, o evento atingiu 235 mil visualizações nessa versão online que aconteceu de 22 de abril a 01 de maio, ou seja, praticamente o triplo da edição 2021. Números de gente grande. O Papo de Cinema fez uma cobertura completa do evento e conversou com alguns realizadores que estavam lançado seus filmes. Todos eles demonstraram entusiasmo em estrear exatamente numa ocasião tão importante, cuja exigência do público é uma prova de fogo e tanto. E é interessante como esses quase 20 anos de Fantaspoa também marcam um movimento interessante quanto à realização de filmes de gênero no Brasil. Desde que o italiano Affonso Segretto inaugurou o cinema no Brasil com Uma Vista da Baia de Guanabara, em 1898, nem foram poucas as vezes em que nossos cineastas se embrenharam pelos mistérios do horror, utilizaram o suspense como motor de tensão e recorreram à ficção científica como moldura. No entanto, estamos diante de uma geração que cresceu assistindo a esse tipo de filme, ou seja, que incorpora mais essas tradições em seus processos.
Exemplo do alcance do evento, o Fantaspoa 2022 trouxe ao Brasil o cineasta japonês Yoshihiro Nishimura para que ele apresentasse (em primeiríssima mão) o seu mais novo filme, Holy Mother (2022). Assim, permitiu ao público gaúcho o contato direto com um dos mais importantes realizadores de cinema fantástico do Oriente. De novo: não é pouca coisa. E o que se viu nos corredores dos cinemas que abrigaram o festival foi a reafirmação de uma paixão cinéfila com ingredientes bastante claros e específicos: pessoas empolgadas, gente trajada como seus personagens favoritos, demais cosplays e demonstrações de fanatismo. E como foi bom testemunhar essa movimentação depois de dois anos muito aflitivos em que precisamos nos isolar do mundo em prol da nossa sobrevivência e daqueles que nos cercam. Especialmente num momento em que os streamings ganham relevância no cenário cinematográfico, o Fantaspoa 2022 mostrou duas coisas: 1) que é possível conciliar online e presencial, sem que um canibalize o outro, afinal de contas se tratam de demandas e públicos diferentes; 2) que, no fim das contas, estar numa sala escura, comungando com conhecidos e desconhecidos experiências projetadas numa telona, realmente não tem similares.
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