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É interessante o exercício de avaliar os curtas-metragens de uma mostra competitiva enquanto conjunto único de filmes. No 16º Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro, a mostra competitiva nacional se concentrou em obras de temática familiar, focadas no distanciamento e na saudade dos entes queridos — provavelmente, um reflexo dos tempos de pandemia e isolamento social.
No caso da seleção Sob o Céu Nordestino, focada especificamente na produção paraibana, o recorte ajuda a perceber as questões específicas deste Estado brasileiro. O amplo recorte dos curadores inclui documentários, ficções e animações; de drama, terror e suspense. As tramas se passam na cidade ou no campo, em amplos espaços abertos ou no interior das residências. Um tema ultrapassa, de modo geral, estas produções: a presença de uma ameaça invisível.

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Terra Vermelha

O exemplo mais claro vem de Noite no Sítio (2021), filme de terror dirigido por Lucas Machado. O exercício de gênero aposta no olhar infantil diante de acontecimentos assustadores na casa do avô. Para o criador, o foco jamais se encontra no roteiro em si, algo perceptível pela suspensão abrupta da trama. Em contrapartida, ele se dedica à ambientação, às luzes e à névoa sinistra, produzindo a impressão de um perigo iminente rondando as crianças sem a supervisão dos pais.
Em Terra Vermelha (2021), de Allan Marcus e Leonardo Gonçalves, o risco provém de uma fonte muito diferente. Nesta ficção de aparência documental, um trabalhador do campo vive isolado em suas terras, até se deslocar à cidade. No local, descobre a Covid-19: ele presencia os moradores usando máscaras, evitando a presença dos demais e, se possível, permanecendo fechados em suas casas. O belo curta-metragem, provavelmente o melhor desta mostra, aborda a diferença de informações entre os centros urbanos e as zonas afastadas, assim como a impressão de distopia gerada pela pandemia de coronavírus. Em alguns momentos, o protagonista sem nome aparenta se encontrar num faroeste, caminhando a esmo por uma cidade abandonada.

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O que os Machos Querem

Às vezes, o temor provém do sexo masculino. Dois filmes se reúnem na evocação da figura de um marido/pai agressor, cujo rosto permanece ausente nas imagens. O que os Machos Querem (2021), de Ana Dinniz, aborda a desigualdade de gênero pela perspectiva feminina: são as mulheres que dominam a cena, sobretudo com uma faca na mão, dilacerando pedaços de carne em forma simbólica de justiça ou vingança. A leitura de um conto, filmado através de sombras lúdicas, relembra as tradições opressoras que precisam ser desconstruídas.
Tamanha força se opõe à delicadeza de Incúria (2021). O diretor Tiago A. Neves imagina a história de uma mãe agredida pelo marido (a excelente Verônica Cavalcanti), porém ainda em fase de aceitar sua condição de vítima. É interessante que o roteiro narre este episódio pelo olhar da filha jovem, representando as novas gerações do feminismo e da luta pela igualdade. A ausência do homem durante 15 dias provoca uma sensação mista nas personagens e no espectador: seria um alívio, ou um perigo ainda maior, devido à possibilidade de retorno a qualquer instante? Intervenções em fotografias still, na cena final, encerram muito bem este drama.

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Boyzin

Em outros casos, o monstro constitui o preconceito social. Boyzin (2021), de R.B. Lima, imagina o relacionamento entre um jovem dançarino e o homem mais velho que o conhece numa casa noturna. O curta se delicia com a apresentação de dança na íntegra, além da troca de olhares, as luzes neon, a atmosfera sensual e lânguida — o que filia o projeto a longas-metragens LGBTQIA+ como Vento Seco (2020) e Tinta Bruta (2018). No entanto, a relação de forças (financeiras, de idade, de classe social) entre os personagens produz uma tragédia com ares teatrais. Trata-se de uma das direções mais maduras, e um dos projetos esteticamente mais ambiciosos da seleção Sob o Céu Nordestino.
Em chave mais ingênua e didática, a animação Flor no Quintal (2021) se atenta a outra minoria: os indivíduos que sofrem com a alopecia, ou seja, a perda de pêlos e cabelos no corpo. A diretora Mercicleide Ramos parte de uma garotinha traumatizada pela falta de cabelos, vivendo isolada numa fazenda assustadora — nem mesmo os pais da criança se encontram no local. O andamento do roteiro é simples até demais: parte considerável da trama se resume a letreiros explicando o que a garota pensa e decide fazer. O foco se volta ao ensinamento a respeito da tolerância e respeito às diferenças.

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Tecendo Histórias

Dois documentários completam a lista de filmes, ambos voltados na preservação cultural. O medo, neste caso, deriva da extinção de importantes manifestações artísticas. Tecendo Histórias (2021), de Diego Pontes, oferece um registro polido e bem fotografado à prática da tecelagem. Um experiente artista apresenta sua oficina, menciona a transmissão de conhecimentos entre gerações e a valorização insuficiente deste ofício. O curta-metragem segue um caminho seguro, sem ousadias de linguagem, porém competente em sua proposta.
Para Adarrum (2020), a atenção se volta ao valor deste ritmo e da dança para os orixás. O diretor Thomas de Freitas leva a coreografia e o estilo musical às ruas da cidade, em praça pública, unindo a religiosidade íntima à expressão em espaço urbano. A direção prioriza a clareza e o senso de homenagem em detrimento da estética arrojada. Este é o caso em que a direção se coloca numa posição humilde, cedendo o palco para seu tema brilhar por si próprio, com a mínima intervenção. Ironicamente, a necessidade de frisar a existência destas atividades sublinha, à revelia, o fato de não receberem o devido reconhecimento popular e institucional.

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Adarrum

A Mostra Sob o Céu Nordestino se encerra com uma lista variada de experiências e iniciativas. A maioria destes filmes poderia constar na seleção principal, competindo de igual para igual com os maiores projetos de outros Estados — reflexo da forte produção local, e da importância desta vitrine oferecida pelo Fest Aruanda, o maior festival paraibano do país. Os curtas-metragens estão atentos ao mundo, destacando questões que vão da fome à violência doméstica e a LGBTQfobia. Além disso, despertam a atenção a novos criadores que esperamos rever em breve, tanto em João Pessoa quanto em outros festivais pelo Brasil inteiro.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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