Quem chega pela primeira vez ao Festival de Cinema de Três Passos logo se encanta. Os que retornam, inevitavelmente, demonstram alegria. Em 2018 o evento cresceu. Foram cinco dias reunindo cineastas, apreciadores da Sétima Arte, imprensa e o público da região da pequena, porém bastante calorosa, cidade de Três Passos, no interior do Rio Grande do Sul. É uma realização oriunda da soma de esforços da comunidade três-passense. Fruto do trabalho de um grupo de voluntários e cinéfilos, financiado por empresários da região. A seleção de títulos esteve de acordo com os temas que perpassam o momento atual da sociedade brasileira, com destaque à diversidade de vozes e olhares. A programação teve momentos bem distintos e, nas palavras da comissão organizadora, o objetivo foi claramente contribuir à valorização da arte/cultura como instrumento de emancipação e humanização.
Portanto, nada melhor que exibir e debater curtas-metragens. Em especial com a participação do público jovem, permitindo, assim, acesso à produção contemporânea. Temáticas como feminismo, questões indígenas, pertencimento, empoderamento da negritude, política atual e inclusão social compuseram o sólido painel dessa pungente maratona cultural.
Já na primeira noite, na terça-feira, 6, o festival homenageou o cineasta e professor Carlos Gerbase. Ele deu uma palestra com o tema “Produção Audiovisual: Desafios e Protagonismo”. Na sequência, o público conferiu curtas produzidos por estudantes do município, integrantes do projeto Cidade Cinematográfica, que dá conta de oficinas ministradas na rede pública de ensino (para alunos e professores), voltadas especificamente à produção. Essa mostra prosseguiu na quarta-feira, 7, com sessões matutinas, vespertinas e noturnas. Foram projetados filmes produzidos por estudantes de Três Passos e de Tiradentes do Sul, além das obras vindas do Festival Estudantil de Guaíba, do Festival 3 Margens, de Foz do Iguaçu/PR, e do Festival Oberá en Cortos, de Missiones, Argentina, totalizando 49 filmes fora de competição.
Um número e tanto. Não há outro festival em solo gaúcho que promova de tal maneira filmes realizados por estudantes. Outra característica inspiradora se deu durante as tardes. O cinema Globo (um charme à parte, pela resistência, conservação e qualidade de exibição e som) foi tomado por alunos das escolas locais. Fato que se repete em todas as edições. E por falar em cinema Globo, gostaria de recuperar um trecho publicado aqui no Papo de Cinema pelo crítico Marcelo Müller. Ele esteve no júri da terceira edição do evento, em 2016. “O cinema Globo é uma grande sala, inaugurada em 1955, que preserva boa parte de suas características originais sem estacionar no tempo – possui projeção em DCP (o formato digital predominante atualmente no mercado) e em 3D”, relatou o jornalista. Essa grande sala é tema do longa-metragem Cine Globo: Uma Vida de Cinema, dirigido pelo carioca Christian Jafas e por Carlos Roberto Grün, natural de Três Passos, projetado pela primeira vez na quinta-feira, 08, numa sessão emocionante. O filme é focado na determinação e na resistência da família Levy para manter a sala em atividade por 60 anos.
Justamente na quinta, o público e o júri técnico (composto de Márcia do Canto, João Luis Martinez e Christian Jafas) começaram a conhecer os 62 títulos que disputaram os troféus Levy, obra do artesão Mauro Ruckert, homenagem ao fundador do cinema, Alberto Abraão Levy. O Festival de Três Passos teve mais de 700 filmes inscritos, de quase todos os estados brasileiros, e mais de uma dezena de estrangeiros. A cada término de sessão, realizadores, membros da comissão e público protagonizavam os esperados debates, outra saudável tradição do evento. Alguns debates infelizmente se deram à tarde ou no final da noite, angariando pouco público.
A mostra prosseguiu na sexta-feira, 09, intensificando a aproximação e o intercâmbio entre cineastas, público, organizadores, jurados e funcionários. A calorosa receptividade, o carinho e acolhimento aos convidados criaram um clima ideal para confraternizações e boas conversas se prolongarem em lugares comuns. Principalmente durante os jantares e nos bares da cidade. Esse espírito de proximidade é um dos diferenciais do festival. “Nossa, estou encantada. Parece que estou na casa dos meus familiares”, destacou Tatiana Goldberg, representante da equipe de Pelos Velhos Tempos, de Ulisses da Mota Costa.
Na tarde do sábado, 10, o festival exibiu A Cabeça de Gumercindo Saraiva (2018), longa-metragem de Tabajara Ruas, numa sessão de homenagem ao ator Leonardo Machado, que morreu recentemente. Léo esteve em Três Passos em duas edições do festival (2015 e 2016). E, como de hábito, conquistou amizades e fez parcerias. Algo frequente em sua exitosa carreira. Sua passagem foi lembrada em diversos momentos, como no anúncio da Menção Honrosa a Grito, quando o cineasta Luiz Alberto Cassol dedicou a conquista a ele, que preparou o elenco ao seu lado.
A noite de premiação reservou outras homenagens, doses de alta vibração com os prêmios e muita festa no encerramento. Em cerimônia bastante musical, embalada pela banda local EMG, foram entregues os troféus Amigos do Festival a Christian Jafas, Henrique Lahude, Márcia do Canto, Jonatas Rubert, Alexandre Derlam, João Luiz Martinez e Daniel Feix. Os anúncios dos prêmios foram todos feitos por alunos/as de escolas públicas participantes das oficinas e autoridades educacionais presentes na cerimônia. Um golaço à parte.
Para fechar a programação com chave de ouro, a festa oficial, muita gente alegre e descontraída na pista. Foi assim em Três Passos. Isso precisa de verba considerável para ser feito, como afirmado num grande festival do Rio Grande do Sul, que inesperadamente não realizou confraternização para a Mostra Gaúcha de Curtas? Certamente que não. São necessários iniciativa e alto astral. Isso o Festival de Três Passos tem de sobra. Teve coquetel e show das bandas D’Olho no Molho e Empecilhos, com participação inesquecível de Maiuze Dobler e de Rogério Castro (o realizador mais querido e simpático desta edição), que assumiu o vocal e colocou todo mundo para cantar e dançar.
A comissão organizadora espera poder dar continuidade ao Festival de Cinema de Três Passos, mantendo suas características e ressignificando-o a cada edição. Que assim seja. Este país precisa de inciativas com tal espírito e dedicação. Precisa de calor humano e arte. Nada melhor que o cinema para promover o cultivo da diversidade cultural formando novas plateias e produtores. Longa vida ao Festival de Cinema de Três Passos. Ele merece. Confira os premiados:
MELHOR DESENHO DE SOM
Inatingível
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE
Minha Mãe, Minha Filha
MELHOR EDIÇÃO
Abismo
MELHOR TRILHA MUSICAL
Railander
MELHOR FOTOGRAFIA
Sem Abrigo
MELHOR ROTEIRO
O Ilusionista Sonoro
MELHOR ATRIZ
Rejane Arruda, por Sem Abrigo
MELHOR ATOR
Jurandir de Oliveira, por Abismo
MELHOR DIREÇÃO
Henrique Lahude e Alix Georges, por Fè me Talè (Tudo Vai Ficar Bem, Logo)
MELHOR CURTA ESTRANGEIRO
From on Hight
MELHOR CURTA TEMÁTICA AMBIENTAL
Fantasia de Índio
MELHOR CURTA EXPERIMENTAL
ProfanAÇÃO
MELHOR CURTA DE ANIMAÇÃO
O Malabarista
MELHOR CURTA DOCUMENTÁRIO
A Gis
MELHOR CURTA DE FICÇÃO
Sem Abrigo
MELHOR CURTA JÚRI POPULAR
Minha Mãe, Minha Filha
MELHOR CURTA DE FESTIVAL
Sem Abrigo
MENÇÕES HONROSAS
Pele Suja, Minha Carne
Grito
Antes que o Tempo Me Esqueça
Meninas Formicida
(O autor viajou a Três Passos a convite do evento)