Fazer o balanço de um evento tão amplo quanto o Festival Varilux de Cinema Francês 2024 é tarefa árdua. Sim, pois diante de filmes com propostas estéticas e narrativas tão diferentes, como chegar a uma ideia geral a respeito da programação? Contudo, é justamente o desafio imposto por essa interrogação que mobiliza o presente artigo de opinião. Parcial? Provavelmente. Incompleto? Sem dúvida. No entanto, é necessário pensar o conjunto de longas-metragens que a curadoria do 15º Festival Varilux nos apresentou. Como frequentemente frisamos em críticas e artigos de opinião, filmes são documentos de suas respectivas épocas. Neste ano, boa parte dos exemplares escolhidos para integrar o Festival Varilux parece atentar a uma coisa bastante em voga: o preço a ser pago para existir em sociedades nem sempre acolhedoras. Por exemplo, em Apenas Alguns Dias (2024) o principal tema é a imigração. O protagonista é um jornalista obrigado pelas circunstâncias a mergulhar nas dificuldades de homens e mulheres que estão buscando asilo numa nação nem sempre de braços abertos para os receber. Ainda que o foco seja sempre o indivíduo branco, europeu e de classe média, é fundamental o drama do desterro.
Já em A História de Souleymane (2024) o mesmo assunto é expandido e mais bem trabalhado. Primeiro, porque o protagonista é um dos imigrantes à procura de autorização para permanecer na França, país que durante séculos exerceu seu poder colonialista sobre nações africanas. Esse personagem principal é obrigado a pagar preços salgados diariamente para existir, mais precisamente para se reinventar numa realidade em que será mais bem-vindo caso tenha uma história política por trás do êxodo. Já o brasileiro Madame Durocher (2024) volta ao século 18 para falar sobre machismo. Nele, uma francesa de nascimento come o pão que o diabo amassou para se tornar a primeira parteira do Rio de Janeiro. Sacrificando muitas coisas por seu ideal de vida, mas também pelo direito de exercer a sua vocação, a protagonista espelha o sexismo da sociedade de então com seu sofrimento individual. Infelizmente o problema continua vivo em nossa sociedade, mesmo que já estejamos no século 20. Não credita? Basta clicar em qualquer vídeo de teor machista no YouTube para se desanimar com o alcance e o engajamento de ideias criminosas que visam manter uma subalternidade feminina à suposta superioridade masculina.
Ainda dentro da ideia de “o preço a pagar pelo direito de existir”, há o gênio artístico de Bolero: A Melodia Eterna (2024), sujeito absolutamente reprimido que sublima a sua sexualidade na composição de peças inesquecíveis. Que preço alto a se pagar pela proeminência. Existe também a sonhadora de Diamante Bruto (2024), os dilemas morais do herdeiro angustiado de O Sucessor (2024) e a sensação de estar ilhado, que marca o personagem principal de O Último Judeu (2024). No Festival Varilux de Cinema Francês 2024, outro tópico que apareceu com frequência foi o pertencimento. Em A Favorita do Rei (2023), suntuosa trama de época, a protagonista parecia fadada à servidão por conta de sua árvore genealógica, mas encontrou um espaço improvável na nobreza francesa. Podemos pensar também em pertencimento diante de O Roteiro da Minha Vida: François Truffaut (2024), documentário que mostra alguém cuja vida e obra são indiscerníveis, que encontrou no cinema a família a ele negada. E como continuar vivendo em sociedade quando a mentira e intolerância viram imperativos de convivência? Esse é um dos questionamentos implícitos de O Bom Professor (2024), filme que aborda o muito atual tema das verdades líquidas e da disposição da coletividade pelo linchamento que a purificaria de tudo.
Mais um ano trazendo ao Brasil o que de melhor o cinema francês produziu em termos cinematográficos, o Festival Varilux de Cinema Francês também nos permitiu essas sucessivas reflexões acerca dos preços cobrados de determinados grupos pela existência. Com a ascensão de extremistas e supremacistas que pareciam controlados como perigos sociais, é normal que a arte não apenas pondere sobre tempos sombrios, como também busque respostas e forneça exemplos inspiradores. Os filmes não devem carregar a responsabilidade de corrigir o mundo. Nem ao menos de tentar fazer tal coisa. A arte existe para ampliar os limites da percepção humana, para nos sensibilizar e, em último caso, nos tornar pessoas melhores. E a seleção da 15ª edição do Festival Varilux cumpriu o papel de nos chacoalhar com obras de valor artístico.
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