Foi preciso esperar até a última noite competitiva do 36º Festival de Cinema de Gramado, mas valeu à pena: na sexta-feira tivemos a oportunidade de conferir os dois melhores filmes exibidos nesta semana! E o momento mais comentado foi a exibição da produção nacional A Festa da Menina Morta, longa que marca a estreia de Matheus Nachtergaele como realizador. Reconhecido como um dos melhores atores da sua geração, Matheus mostra um vigor e uma personalidade bastante singular neste primeiro trabalho por trás das câmeras, trazendo à tona a pergunta: será que o seu maior talento só agora começa a ser revelado?
A Festa da Menina Morta definitivamente não é um filme fácil. Muitos o consideraram perturbador e intenso demais. Mas todos concordam: não é uma obra que possa passar despercebida. Apesar de ser uma produção carioca, foi todo filmado no interior do Amazonas, e conta a história de Santinho, um rapaz alçado à condição de líder espiritual de uma pequena comunidade ribeirinha após um “milagre” realizado por ele após o suicídio da própria mãe. A ação se passa no desenrolar de dois dias, a partir das vésperas do dia em que se comemora a ‘Festa da Menina Morta’, quando ele encontrou o vestido rasgado de uma menina que teria sido morta por urubus, 20 anos atrás. As relações familiares – Santinho tem uma relação incestuosa com o pai – os preparativos para a festa e como todo aquele momento está afetando os principais envolvidos compõem o centro dos acontecimentos do filme, que procura ser mais uma experiência sensorial do que uma narrativa linear.
Exibido no último Festival de Cannes sob fortes aplausos, A Festa da Menina Morta teve sua primeira exibição no Brasil aqui em Gramado. Isso explicava o nervosismo do diretor e da equipe presente, como o ator Paulo José e a atriz Cássia Kiss. As belas imagens, o tema provocador e o impressionante desempenho do elenco são os pontos fortes do filme. Daniel de Oliveira (acima), como protagonista, nos oferece uma performance arrebatadora, somente comparável à visto em sua estreia na tela grande, em Cazuza – O Tempo Não Pára (2004). Juliano Cazarré (visto também em Nome Próprio, 2007) e Cássia Kiss (numa pequena participação, como uma visão da mãe) também estão excelentes, captando a atenção do público a cada instante em cena. Se este filme não ganhar os principais kikitos, será uma das maiores injustiças da história deste festival!
Antes disso, uma decepção:o cineasta cubano Julio Garcia Espinosa, que iria receber o Kikito de Cristal, homenagem instituída no ano passado e oferecida em sua primeira edição à Eduardo Coutinho, e que visa reconhecer a carreira de grandes realizadores latino-americanos, enviou uma carta à organização do festival anunciando sua ausência. Por compromissos profissionais ele não pode vir a Gramado, mas agradeceu bastante a homenagem, numa redação singela, simples e bastante objetiva.
Mas estou quase esquecendo do início da noite, quando foi exibida a co-produção Portugal/Brasil O Mistério da Estrada de Sintra (acima), de Jorge Paixão da Costa. Bonito filme português, porém de difícil compreensão para os brasileiros (não havia legendas, a não ser quando os personagens falavam em espanhol ou em inglês). Ele combina elementos das tramas de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. Os dois escritores, aliás, são os protagonistas desta história que, aos moldes do francês As Aventuras de Molière (2007) e do inglês Shakespeare Apaixonado (1998), procura descobrir quais foram as inspirações destes grandes autores para algumas de suas obras mais conhecidas. Uma curiosidade é a presença de dois atores brasileiros, Fábio Galvão (presente aqui em Gramado, ao lado do protagonista, Ivo Canelas, que interpreta Eça) e Giselle Itiê, como uma cubana bastante estereotipada. O filme é um notório folhetim, um pouco extenso demais (cerca de 130 minutos) e com muitos rodeios no roteiro, mas mesmo assim é competente em sua missão de entreter e divertir, sem ignorar a inteligência do espectador. Uma boa surpresa!
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