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Geração Frances Ha

Publicado por
Dimas Tadeu
Frances Ha papo de cinema
Frances Ha

O cinema e a cultura pop recente têm abusado de um certo tipo de personagem, de arquétipo: o jovem adulto. Com quase 30 anos, ele geralmente está perdido entre a adolescência e a maturidade e, de acordo com os filmes, dança desajeitadamente, embora abençoado pela inocência, pela vida afora.

Transbordando empatia, os tipos podem ser rastreados desde séries como Friends (1994) e Sex and the City (1998) – em seus primórdios – até a atual Girls (2012), que hipsteriza a ideia de forma deliciosa. Mas se o papo é de cinema, talvez valha a pena começar por um (ótimo) exemplo literal: Jovens Adultos (2011), de Jason Reitman, tem na sua protagonista, vivida por Charlize Theron, o exemplo perfeito de “adorkable” (trocadilho em inglês que reúne as palavras “dork”, algo como babaca, e “adorable”, adorável). Após o divórcio, a escritora – e a profissão não poderia ser outra – decide voltar para sua cidadezinha de origem e reconquistar um ex-namorado, agora casado. Uma ideia de jerico, está óbvio. Mas para a roteirista (Diablo Cody, quem mais?), assim como para o público, ela não é apenas plausível: é digna de torcida! De repente, o absurdo passa a ser a única situação lógica possível.

Jovens Adultos

É mais ou menos o que Noah Baumbach cria com seu sucesso recente, já quase um clássico cult: Frances Ha (2012). Frances Halladay é a adorkable por excelência, fazendo a Mavis Gray, de Theron, parecer uma bem resolvida mulher madura. Sua vida é uma bagunça: ela quer ser dançarina (tinha que ser dançarina…), mas parece ainda estar longe de conseguir uma carreira na área. Ela procura um apartamento para dividir e escolhe morar com as pessoas mais tresloucadas possíveis. Ela, em suma, é uma idiota. No entanto, uma idiota lindamente fotografada e bem vestida, numa Nova Iorque em tons de cinza pra deixar qualquer Woody Allen com ciúmes. Uma idiotice recheada com frases e situações que todos desejariam dizer e viver.

E aí chega-se a um ponto interessantíssimo, daqueles em que o cinema, arte que é, parece começar a nos contar coisas sobre quem está do lado de cá da tela. Afinal, por que nossa geração gosta tanto de Frances Ha se ela, basicamente, não faz nada direito?

Frances Ha

A resposta, em primeiro lugar, é a empatia. Somos todos Frances Ha. A geração atual é a primeira a contar com a condescendência da sociedade para, à beira dos 30 (quando a maioria dos nossos pais já nos tinham e nos criavam muito bem, obrigado), ainda não ter virado “alguém na vida”. Parece normal, hoje em dia, só entrar na vida adulta por volta dessa idade.

E mais: realização profissional completa e absoluta virou regra. A gente não trabalha mais para realizar-se. Já tem que começar realizado, senão nem começa. E, dado que todo mundo cresceu num ambiente um tanto aberto, flexível, com referências múltiplas e complexas (lembra das sessões de terapia de A Lula e a Baleia, 2005, do próprio Baumbach?), a realização só pode vir por um tipo de profissão: artista.

A geração Frances Ha quer ser pintora, designer, jornalista, publicitária, estilista, personal stylist, escritora. Profissões “comuns”, como engenheiros, médicos ou farmacêuticos, são obviamente chatas, retrógradas, idiotas e incapazes de compreender a imensa complexidade que vai na cabeça de Frances Halladay, portanto são retratadas nos filmes e séries como fonte da maioria dos conflitos, além de dignas apenas de seres sem um décimo da empatia dos “adorkables”.

Inside Llewyn Davies

Isso tudo talvez tenha um pouco a ver com este texto aqui, que especula por que os jovens da geração Y são infelizes. Mas também pode ter a ver com as escolhas que fazemos todos os dias: escolhemos gostar de Frances Ha porque desejamos que nossa vida, eventualmente tão zoada quanto a dela, fosse preenchida por um décimo de toda aquela poesia que transborda da tela. Só que, pra nossa desgraça, não somos dirigidos por Noah Baumbach. Ou os Coen: seu novo filme, Inside Llewyn Davis (2013), mostra que Frances Halladay também vem em forma de homem, desde os anos 1970. E esse, talvez pela época, termina tão ferrado quanto começa. A Frances, pelo menos parece, dá um jeito na vida e percebe que crescer é necessário, inevitável e não vai tirar a textura de película da vida dela, muito pelo contrário.

E tem mais: é interessante notar como a tendência, até então endêmica de países desenvolvidos, começa a respingar no nosso emergente Brasil. Daqui a pouco chega às telonas o novo filme de Matheus Souza. Estrelado por Clarice Falcão (essa musa hipster tão bem inventadinha), conta a história de Clara (Clara, Clarice…), uma estudante de medicina (!!!) que percebe que não está dando o rumo adequado pra própria vida. Claro que esse rumo vai estar em qualquer coisa mais emocionante, poética e irresponsável, que ela vai descobrir no horário das aulas que começa a matar.

Eu Não Faço a Menor Ideia do que eu To Fazendo com a Minha Vida

O nome do filme? Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo com a minha vida (2011). E é exatamente por isso que ela vai desandar, ainda que o filme termine antes. Mas os créditos sempre vão subir antes das consequências, enchendo o coração de suspiros e a cabeça de cupcakes.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é jornalista, mestre em Estética, Redes e Tecnocultura e otaku de cinema. Deu um jeito de levar o audiovisual para a Comunicação Interna, sua ocupação principal, e se diverte enquanto apresenta a linguagem das telonas para o mundo corporativo. Adora tudo quanto é tipo de filme, mas nem todo tipo de diretor.

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