Dez anos. Antigamente, filmes que faziam muito sucesso ganhavam continuações, não refilmagens. Isso até acontecia, porém muito, mas muito tempo depois. Tipo Ben-Hur, que foi lançado em 1925 e refilmado em 1959, ou King Kong, cuja primeira versão é de 1933 e a segunda de 1976 (e a terceira, de 2005). Eram décadas de intervalo, no plural. Não apenas uma! Este, no entanto, é o caso que separa Homem-Aranha, lançado em 2002, e O Espetacular Homem-Aranha, que chega agora aos cinemas. E a grande pergunta: a nova obra se justifica?
Antes de mais nada, é importante ter algo em mente: todo longa que se preocupa em narrar a “origem” de um super-herói é meio que “dois em um”. Ou seja, precisa contar como aquele ser comum se tornou extraordinário e ainda mostrá-lo em ação, enfrentando ao menos um dos seus eternos inimigos. E como O Espetacular Homem-Aranha se sai nessa dupla tarefa? Fica no meio do caminho. O processo sobre como o adolescente Peter Parker se transformou em Homem-Aranha já havia sido muito bem explorado por Sam Raimi (diretor da primeira trilogia), que agregou ideias inteligentes (as teias orgânicas são perfeitamente lógicas) com outras fieis aos quadrinhos (a morte do tio Ben, o trabalho no Clarim Diário). Marc Webb, o novo diretor, fica sem coragem de propor algo realmente novo, vacilando no que não poderia ser alterado (onde está o conselho final do tio Ben? Onde está J. Jonah Jameson?).
Se a vinda de Gwen Stacy (a primeira namorada do herói) foi bem recebida, isso criou também um problema – afinal, todo mundo sabe que ela precisa morrer para abrir caminho para Mary Jane – essa, sim, o verdadeiro amor dele. Mas se todo mundo se apaixonou por ela agora, como eliminá-la? E vamos falar em vilões… tudo bem, o Lagarto (o inimigo da vez) é até assustador, mas está longe de ser um dos mais importantes. Há opções bem interessantes, como as já aproveitadas na trilogia inicial (Duende Verde, Dr. Octopus, Homem de Areia) e outras mais merecedoras de uma chance, como a Gata Negra, o Abutre, o Electro ou Kraven, o caçador. E se Rhys Ifans (Um Lugar Chamado Notting Hill, 1999) é uma ótima opção para o papel, ele praticamente desaparece em sua versão monstruosa, quando assumem os efeitos especiais. E se o carisma de atores como Alfred Molina e Willen Dafoe fizeram toda a diferença antes, agora essa possibilidade se desfaz.
Por outro lado o elenco é um elemento fundamental, e no todo a versão atual faz muito mais sentido. Andrew Garfield, apesar de ter 28 anos e estar interpretando um rapaz de 18, está muito mais à vontade como Homem-Aranha e, principalmente, como Peter Parker, do que Tobey Maguire. Ele é jovial, é atrapalhado, é simpático, é bravo, é valente, é ciente de suas obrigações. Nunca aparece como um bobo perdido, o que muito aconteceu com seu antecessor. E a química entre ele e Emma Stone (Gwen Stacey) é tão forte que acabou ultrapassando os limites da tela – os dois, hoje, são namorados de fato. O casal é simplesmente perfeito, um dos melhores do gênero. Isso é ótimo, mas como já disse no parágrafo anterior, também é péssimo. Afinal ela precisa partir “dessa para uma melhor”.
Sally Field e Martin Sheen, como os tios May e Ben, que criaram Peter após a morte dos pais dele, são mais ativos do que Rosemary Harris e Cliff Robertson, mas isso não quer dizer que sejam melhores. Ambas as duplas estão em desequilíbrio: se Harris é muito mais convincente no papel, Sheen se mostra mais presente e de acordo com o que se espera deste simbólico personagem. Há ainda outros coadjuvantes, como Denis Leary (coronel Stacy), que é eficiente ao criar com o herói uma relação similar à do comissário Gordon com Batman, muito melhor aproveitado do que James Franco, que na trilogia original fazia o melhor amigo, num papel que acabava não se validando.
Quando um diretor de perfil autoral, como Christopher Nolan, assume uma franquia milionária como a do Batman, é compreensível que ele queira oferecer sua visão do início ao fim – e como resultado temo a trilogia Batman Begins (2005), Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) e Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012). Mas este, ao menos ainda, não é o caso de Marc Webb, um bom artesão que está recém em seu segundo filme e possui muito a desenvolver. Seu O Espetacular Homem-Aranha impressiona mais pelo bom uso dos efeitos, do emprego adequado do humor pelo protagonista e pela habilidade, acima de tudo, em aproveitar os elementos que dispunha. Mas lhe faltou compreender o que o próprio herói sabe desde o princípio: grandes poderes trazem grandes responsabilidades. O filme é bom, mas não faz sombra ao original de uma década atrás. Teria sido melhor se tivesse seguido em frente, sem querer partir do zero. Foram muitos poderes envolvidos – fãs, produtores, expectativas – e uma responsabilidade que não foi atendida à altura. Quem sabe no próximo episódio, quando sua concentração estiver voltada apenas em contar uma boa história, o saldo final não será mais positivo?
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