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Heleno: faltou futebol

Publicado por
Tanira Lebedeff

Qualquer empenho em fazer cinema, eu creio, é louvável e merece aplausos – exceto no caso de Adam Sandler e suas tristes comédias como “a da gêmea”. Portanto, dói sair do cinema não muito entusiasmada…

Assim que Heleno estreou, corri para ver. Minha impressão, enquanto os créditos subiam sobrepostos a fotografias do jogador da “vida real” (e não o criado por Rodrigo Santoro), era que eu tinha perdido metade do filme.

heleno 5

Heleno tem vários acertos. A decisão do diretor José Henrique Fonseca de retratar o Rio de Janeiro dos anos 40 em preto e branco, por exemplo. É de extremo bom gosto e, quem diria, pode ser considerada inovadora e até uma ousadia, sob o risco de afastar um público mais preguiçoso. Na entrevista coletiva para promover o filme Fonseca revelou: “Eu sonho em fazer cinema desde os 12 anos de idade, e a minha formação são os filmes preto e branco, europeus ou americanos. Acho que isso é um fetiche de qualquer cineasta: fazer um filme P&B!”.

Heleno de Freitas

Para contar a história do “príncipe maldito” ele contou com um elenco bacana. Alinne Moraes desce do encantamento à angústia como a esposa Silvia (que na vida real chamava-se Ilma). A colombiana Angie Cepeda seduz como a cantora Diamantina (um personagem fictício). Mas quem dá um show de bola é o ator e músico mineiro Maurício Tizumba, um cativante e relutante sidekick, o enfermeiro que cuida do craque botafoguense no hospital em Barbacena.

Quanto a Rodrigo Santoro… É bem provável que ele já tenha recebido todos os elogios que existem num dicionário. Talvez nem precisasse perder os famosos 12 quilos, nem de maquiagem para convencer como um ídolo decadente. Sua atuação me fez lembrar de um Santoro garoto, o Neto de Bicho de Sete Cabeças (2001). E me fez esquecer um pouco do Heleno que eu queria ver.

As glórias de Heleno de Freitas são lembradas através de notícias e manchetes de jornal – um recurso de roteiro muito eficiente. São recortes que o jogador, já consumido pela sífilis, literalmente consome. A partir daí o espectador tem a medida de quão fundo é o poço. O filme faz esse jogo, entre o passado glamouroso e a doença. Mas o passado é mais – muito mais – retratado nos salões e coxias do Copacabana Palace do que nos gramados.

Heleno era famoso por seu destempero dentro e fora deles. Era considerado a estrela máxima do Botafogo e lá “mandava e desmandava”, como lembra uma reportagem do site mineiro Super Esportes: “Irritava-se ao receber um passe errado, maltratava companheiros e derrubava técnicos. Nunca se sabia se Heleno resolveria um jogo com gol no último minuto ou brigaria com o árbitro logo no primeiro”.

Essa fúria é lembrada. E também a arrogância do craque que acha que não precisa treinar, que está acima dos companheiros de equipe. (Os tempos são outros, mas o retrato é um péssimo endosso para algumas pseudo-celebridades do futebol contemporâneo.)

Acho que faltou futebol no filme. Faltaram gols.

Faltou a torcida, reforçada por admiradores como o escritor Gabriel Garcia Márquez, que cobriu alguns dos últimos capítulos de Heleno como jogador, na Colômbia. “Em nenhum caso uma partida da qual participe Heleno tem probabilidade de se transformar num logro, porque vaiar, da mesma maneira como aplaudir, é uma forma coletiva de reconhecer publicamente um fato”, escreveu  Garcia Márquez.

É como se a a doença e a decadência fossem uma punição para o “maldito” e seus excessos, e o filme bate muito nessa tecla. O ídolo que Heleno foi em campo, que lhe conferiu o título de “príncipe” e que justificaria o empenho de levar sua vida para as telas, merecia mais.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é jornalista. Morou durante mais de uma década em Los Angeles, onde foi correspondente para TV e revistas especializadas em cinema. Atualmente faz Mestrado em Relações Internacionais, em Porto Alegre. Escreveu roteiros para documentário e curtas, um deles premiado com o Candango do Festival de Brasília.

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