Que 2016 foi um ano horrível em muitos aspectos, disso ninguém duvida. Mas se olharmos para o universo cultural, os últimos doze meses foram especialmente tristes pelo número de vezes que fomos obrigados a nos despedir de talentos inesquecíveis que nunca serão substituídos. Tanto que, ao nos focarmos apenas no mundo do Cinema, nós aqui no Papo de Cinema percebemos que seria preciso organizar três listas diferentes de In Memoriam, reunindo as perdas mais marcantes do ano: Diretores, Artistas Brasileiros e Astros Internacionais! No primeiro da série, vamos enfocar a partir de agora dez grandes realizadores que deixaram suas marcas em trabalhos inesquecíveis, obras que ao menos servem para diminuir a falta que certamente deixarão daqui em diante. Uma singela homenagem a estes mestres que tanto nos ensinaram, e que em 2016 deram seu último adeus. Confira!
ETTORE SCOLA (10/05/1931 – 19/01/2016)
Provável último cineasta representante do neorrealismo italiano, Ettore Scola foi um dos grandes realizadores não apenas de seu país, mas está eternizado no panteão de autores obrigatórios para a formação de qualquer cinéfilo. Gênio da sátira e das comédias farsescas, Scola se valeu do cinema para criticar os regimes sociais que marcaram a Itália a partir da década de 1960 em filmes tantas vezes protagonizados pelos magníficos Marcello Mastroianni, Vittorio Gassman e Nino Manfredi. Os dois últimos estrelaram o primeiro êxito internacional do diretor, Nós Que Nos Amávamos Tanto (1974), que retrata as glórias e agruras de um grupo de amigos ao longo de três décadas desde que se conhecem durante a Segunda Guerra Mundial. Mastroianni e a eterna musa Sophia Loren foram mais prolíficos ao lado de Vittorio De Sica, mas talvez jamais tão inesquecíveis quanto em Um Dia Muito Especial (1977), indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Sua obra-prima é recorrentemente apontada como Feios, Sujos e Malvados (1976), mas Scola seguiu fazendo longas essenciais até seu último trabalho, o tributo onírico e semidocumental Que Estranho Chamar-se Federico (2013). Faleceu em Roma, aos 84 anos, deixando entre seu legado a esposa, Gigliola, suas duas filhas, Paola e Silvia, e 41 longas-metragens. – por Conrado Heoli
JACQUES RIVETTE (01/03/1928 – 29/01/2016)
A entrada de Jacques Rivette ao cinema se deu através da crítica com artigos publicados na Cahiers du Cinèma. Na publicação, da qual foi editor nos anos 1960, defendeu cineastas como Roberto Rossellini, Howard Hawks, Fritz Lang e F. W. Murnau. Através da revista e dos passeios pela Cinemateca Francesa conheceu seus comparsas Godard, Truffaut, Chabrol e Rohmer que trouxeram um frescor ao cinema francês e mundial com a Nouvelle Vague. Rivette talvez seja o mais tímido do grupo, mas nem por isso fraco na qualidade, profundidade e importância de seu material. Sua incursão à realização cinematográfica foi inicialmente com o curta-metragem Le Coup de Berger (1956), mas logo iniciou sua trajetória por longas-metragens com Paris nos Pertence (1961), A Religiosa (1966), Amor Louco (1969), Céline e Julie Vão de Barco (1974). Na virada dos anos 1980 para os 1990, continuou a impactar os espectadores com trabalhos como O Bando das Quatro (1989) e A Bela Intrigante (1991), este último vencedor do grande prêmio do júri em Cannes. Sem produzir nos últimos anos, devido ao avanço do Alzheimer, seu último filme foi 36 venues du Pic Saint Loup, lançado em 2009, uma cinebiografia sobre o escritor e pintor francês Raymond Roussel. – por Renato Cabral
ANDRZEJ ZULAWSKI (22/11/1940 – 17/02/2016)
Dono de um estilo visceral e não afeito a concessões, Andrzej Zulawski foi um dos mais controversos e influentes nomes do cinema polonês. Depois de iniciar a carreira como assistente de Andrzej Wajda, fez sua estreia como diretor com A Terça Parte da Noite (1971), seguido por Diabel (1972), cuja proibição na Polônia o levou a se exilar na França, onde realizou o excepcional O Importante é Amar (1975), com grande atuação de Romy Schneider. De volta a seu país, iniciou a ficção científica Globo de Prata, interrompida pelo governo e finalizada somente em 1988. Veio, então, seu trabalho mais emblemático, Possessão (1981), que causou furor em Cannes, rendendo o prêmio de atriz para Isabelle Adjani, e que sintetiza as principais marcas de seu cinema: o flerte com o terror, a forte carga de erotismo e violência, a obsessão pelos duplos e o exímio apuro estético. Nos anos seguintes, dirigiria outros sete longas, muitos estrelados por sua então parceira, Sophie Marceau, como A Revolta do Amor (1985) e A Fidelidade (2000). Após esse último, e o fim da relação com Marceau, o cineasta entraria num hiato de 15 anos até o lançamento de Cosmos (2015), finalizado pouco antes de sua morte. – por Leonardo Ribeiro
GUY HAMILTON (16/09/1922 – 20/04/2016)
Diretor que ficou bastante conhecido por executar filmes de James Bond, Guy Hamilton teve uma filmografia bastante prolífica, ao contrário do que normalmente se pensa. Além dos quatro 007 que fez – inclusive o inaugural da saga, 007 contra Goldfinger (1964) – o cineasta também conduziu O Melhor dos Inimigos (1961), com David Niven, e os interessantíssimo Funeral em Berlim (1966) e A Batalha da Grã-Bretanha (1969), que já envolviam temáticas como supremacia nacional e espionagem. Seu cinema era encarado como escapista por muitos – não à toa, ele era a opção pré-Richard Donner na realização de Superman: O Filme (1978), assim como (reza a lenda) seria seu também o Batman de 1989. De qualquer forma, é uma pena que esses projetos não tenham ocorrido sob suas mãos, afinal seus filmes com o espião britânico eram concisos e econômicos, sempre com um pé na realidade, bem menos fantasiosos do que seria após sua última contribuição em 007 contra o Homem com a Pistola de Ouro (1974). Seu último trabalho notável foi seu penúltimo longa, Remo: Desarmado e Perigoso (1985), um clássico da Sessão da Tarde, com um personagem carismático e inventivo, semelhante em muito à carreira de seu feitor. – por Filipe Pereira
MICHAEL CIMINO (03/02/1939 – 02/07/2016)
Formado em Arquitetura e Arte Dramática e perfeccionista por natureza, o diretor, roteirista e produtor nos deixou no dia 2 de julho e fez muitos cinéfilos pensarem sobre a falta que irá fazer. Com uma carreira iniciada na televisão, Cimino conheceu a fama e suas regalias depois do sucesso de público e crítica de O Franco-Atirador (1978), um dos melhores retratos já produzidos da geração marcada pela Guerra do Vietnã. Premiado e ostentando o título de um novo grande nome do cinema americano, o diretor embarcou na jornada de realizar O Portal do Paraíso (1980), uma produção marcada por problemas no set, mudanças no roteiro e muito dinheiro envolvido. Era hora de experimentar o fracasso. Porém, na sequência vieram filmes que faziam jus a ousadia e o talento para criar boas cenas de Cimino, como O Ano do Dragão (1985) e O Siciliano (1987). Para as novas gerações de cineastas e cinéfilos, fica a certeza que o estilo de Cimino está presente em novas produções que deixam o marasmo de lado e se aventuram a colocar as feridas humanas ao sol em forma de filme. – por Bianca Zasso
ABBAS KIAROSTAMI (22/06/1940 – 04/07/2016)
Abbas Kiarostami começou a filmar antes da Revolução Islâmica de 1979, tornando-se rapidamente um dos expoentes da segunda geração da chamada nova onda iraniana. Pessoas comuns diante de problemas aparentemente triviais, como o garoto de Onde Fica a Casa do Meu Amigo (1987), enfrentam, em seu cinema, boa parte dos infortúnios pelos quais o Irã passava e, infelizmente, ainda passa. Na obra de Kiarostami o movimento é constante, seja o físico, inclusive nas cenas de passeios automobilísticos, sua marca registrada, ou mesmo o de ideias que anunciam os conflitos de personagens geralmente oprimidos de alguma maneira pelo entorno. O próprio cinema muitas vezes foi matéria-prima de Kiarostami, como em Close-Up (1990), talvez sua obra-prima máxima, na qual se discute poeticamente conceitos volúveis como a verdade, inclusive no que tange à esfera da representação. O instante mais espontâneo pode advir de bastante “manipulação”, sendo filho inequívoco da encenação. Forma e conteúdo se coadunam de maneira singular nos filmes desse iraniano que garantiu espaço entre os mestres, deixando com sua morte uma lacuna irreparável. Vencedor da Palma de Outro de Cannes com Gosto de Cereja (1997), uma belíssima reflexão sobre vida e morte, Abbas Kiarostami tornou-se imortal por meio de sua arte. – por Marcelo Müller
HECTOR BABENCO (07/02/1946 – 13/07/2016)
Nascido na Argentina, mas tendo vivido a maior parte de seus 70 anos no Brasil, Hector Babenco construiu um cinema fortemente identificado com o país que o acolheu. Alguns de seus filmes mais emblemáticos, como Lúcio Flávio: Passageiro da Agonia (1978), Pixote: A Lei do Mais Fraco (1981) e Carandiru (2003) tratam de temas candentes da realidade brasileira, a partir de um olhar vigoroso e visceral, que em nenhum momento soa como estrangeiro. Não há espaço para exotismos à lá Orfeu Negro (1959) – outro exemplo de filme sobre o Brasil dirigido por um cineasta de outro país – no cinema de Babenco. Não à toa, a cinebiografia do criminoso Lúcio Flávio Vilar Lírio e o mosaico de histórias passadas naquele que era o maior presídio da América Latina continuam, hoje, entre as maiores bilheterias nacionais. Mas foi mesmo com Pixote, talvez a síntese perfeita dessa propensão de Babenco às figuras marginais da sociedade, que o diretor viveu seu melhor momento. Comovente e devastador, o filme lhe abriu as portas de Hollywood. E, lá, fez dois outros trabalhos poderosos, continuadores diretos de Pixote: O Beijo da Mulher-Aranha (1985), pelo qual foi indicado ao Oscar, e Ironweed (1987). – por Wallace Andrioli
GARRY MARSHALL (13/11/1934 – 19/07/2016)
Embora não estivesse com carreira muito sólida em seus últimos anos de vida, com títulos de qualidade duvidosa como Idas e Vindas do Amor (2010), Noite de Ano Novo (2011) e O Maior Amor do Mundo (2016), Garry Marshall terá sempre um lugar reservado no coração dos cinéfilos do mundo todo com seu conto de fadas moderno lançado no início dos anos 1990: Uma Linda Mulher. Com uma belíssima Julia Roberts como protagonista, fazendo par com um charmoso Richard Gere, o cineasta comandou uma das tramas de amor mais bem-sucedidas da história do cinema, sendo um fenômeno de bilheteria. Esse foi seu primeiro estouro na telona, mas não sua estreia no clube dos artistas afortunados. Antes do cinema, Marshall tinha uma carreira consolidada na televisão, tendo sido o criador de hits como as séries Happy Days (1974-1984) e Mork & Mindy (1978-1982). Chamá-lo de mestre pode parecer um exagero, mas quando relembramos dessas deliciosas comédias para a TV e como seu estilo divertido se encaixou bem no cinema, com filmes família como Nada em Comum (1986) e O Diário da Princesa (2001), podemos ter certeza de que perdemos um profissional que fez do seu ofício uma arte apaixonante. – por Rodrigo de Oliveira
CURTIS HANSON (24/03/1945 – 20/09/2016)
O nome do cineasta norte-americano pode até não ser dos mais conhecidos pelo grande público, mas Curtis Hanson dirigiu belas obras durante sua trajetória atrás das câmeras. Com 18 filmes no currículo, entre longas e curtas-metragens, o diretor entregou para o espectador títulos de sucesso como o suspense A Mão que Balança o Berço (1992), um sucesso de bilheteria na época do seu lançamento, O Rio Selvagem (1994), com Meryl Streep, 8 Mile: Rua das Ilusões (2002), protagonizado pelo rapper Eminem, e, claro, o auge de sua carreira, Los Angeles: Cidade Proibida (1997), com o qual concorreu a três Oscar diretamente (Filme, Direção e Roteiro Adaptado – este, inclusive, levou pra casa) e colocou o cinema noir de volta ao circuito hollywoodiano, além de ter lançado Russell Crowe para grandes patamares e ter reacendido a carreira de Kim Basinger, que levou a estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante por sua femme fatale. Entre outros pequenas, mas belas, produções, como Garotos Incríveis (2000) e Em Seu Lugar (2005), Hanson concorreu a 76 prêmios, levando 49 deles. O cineasta acabou falecendo de causas naturais em setembro deste ano, deixando a lacuna de uma carreira de sucesso e linear de qualidade que conquistou público e crítica. – por Matheus Bonez
ANDRZEJ WAJDA (06/03/1926 – 09/10/2016)
Andrzej Wajda foi, seguramente, o maior dos cineastas poloneses. Mestre de compatriotas como Andrzej Zulawski, construiu sua biografia sob a repressão do governo comunista, atraindo um público que almejava liberdade de expressão e fomento da cultura. Formou-se na Academia de Belas-Artes de Cracóvia e na Escola Nacional de Cinema e Teatro de Lodz. Começou a se dedicar ao Cinema após fracassar no plano de ser militar. Seus trabalhos mais notáveis sempre buscaram retratar a sociedade e a briga entre classes, de maneira que atuasse como um espelho de sua própria vida. Entre essas obras, destacam-se Cinzas e Diamantes (1958), premiado com o Troféu FIPRESCI no Festival de Veneza, Terra Prometida (1975), indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Danton: O Processo da Revolução (1983), premiado com o César de Melhor Direção, e Katyn (2007), também indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Em 2000, recebeu o Oscar Honorário da Academia por sua contribuição ao mundo do cinema. Além da sétima arte, Wajda também se dedicou à politica, tornando-se senador, entre 1989 e 1991, e da Secretaria Nacional de Cultura, entre 1992 e 1994. Ao todo, fez mais de 40 filmes. – por Victor Hugo Furtado
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