Categorias: EspeciaisIn Memoriam

In Memoriam :: Albert Finney (1936-2019)

Publicado por
Marcelo Müller

Como boa parte dos intérpretes conterrâneos de sua geração, Albert Terence Finney chegou aos cinemas como consequência de sua experiência teatral. O palco o chamava, antes de qualquer coisa, desde a mais tenra idade. Nascido em Salford, Manchester, Inglaterra, em 9 de maio de 1936, o futuro ator despontou diante de uma plateia em Birmingham, aos 19 anos, interpretando o papel de Brutus, em Júlio César, de William Shakespeare. Ainda na década de 50, o filho da classe trabalhadora entrou na renomada Royal Academy of Dramatic Arts, mais tarde tornando-se membro da Royal Shakespeare Company, onde se destacou em diversos papeis escritos pelo Bardo, sendo colega de próceres como Peter O’Toole e Alan Bates. A imprensa da época, ávida por encontrar talentos emergentes, chegou a apelida-lo de “novo Olivier”, referência à lenda, então ainda viva, Laurence Olivier, que marcou época nos palcos, sobretudo, encarnando figuras shakespearianas, algumas levadas com semelhante sucesso aos cinemas. Aliás, de maneira similar, a Sétima Arte cooptou o imenso talento de Olivier, bem como o de Finney.

Em “As Aventuras de Tom Jones”

Identificado artisticamente apenas como Albert Finney – aparentemente uma alcunha mais marcante sem o nome do meio –, ele estreou nas telonas após alguns papeis menores em telefilmes e produções serializadas para a televisão britânica. Foi Tony Richardson, com quem havia trabalhado no teatro, que o levou, de fato, ao cinema, com Vida de Solteiro (1960). O longa-metragem, que também marcou o debut cinematográfico de Alan Bates, era estrelado por Laurence Olivier e Brenda de Banzie. Já pelo filme seguinte, Tudo Começou num Sábado (1960), Finney chamou ainda mais atenção, chegando a ganhar o primeiro de seus três Bafta. Os burburinhos da imprensa aumentaram e ele foi considerado pelo New York Times como “uma nova sensação dos palcos e das telas britânicos”. Importante salientar que o próprio cinema britânico passava por uma transformação no período, voltando-se mais corajosamente à realidade, especialmente a da classe trabalhadora da qual Finney era genuinamente um filho pródigo. Ele, então, se tornou um rosto associado ao cidadão comum que as lentes queriam.

Todavia, o papel que redefiniria sua trajetória veio em 1963, em As Aventuras de Tom Jones, vencedor do Oscar de Melhor Filme. Finney recebeu sua primeira indicação à estatueta de Melhor Ator na festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, além de ter ganhado a Taça Volpi (Melhor Ator) no Festival de Veneza de 1963. Também levou o Globo de Ouro de Novato Mais Promissor. O britânico deixara de ser promessa, se impondo como astro de primeira grandeza, cujo talento estava à altura dos desafios que viriam a seguir. Ainda nos anos 60, se destaca seu desempenho em Um Caminho para Dois (1967), ao lado de Audrey Hepburn. Nesse ponto, estava separado da também atriz Jane Wenham, com quem se casou em 1957 e de quem se divorciou em 1961. No ano de 1968, estreou na direção com Charlie Bubbles, comédia dramática na qual contracenou com Liza Minnelli. O começo da década de 70 foi marcado pelo enlace com a estrela francesa Anouk Aimée, com que ficaria até 1978. Em 1974 encarnou o icônico Hercule Poirot em Assassinato no Expresso Oriente (1974), conquistando a segunda indicação ao Oscar de Melhor Ator, afirmando-se ao conferir consistência a um dos personagens mais famosos de Agatha Christie.

Como Hercule Poirot em “Assassinato no Expresso Oriente”

Uma curiosidade quanto à relação curiosa de Albert Finney com o Oscar. Ele nunca compareceu à cerimônia em Los Angeles, embora tenha sido indicado, ao todo, em cinco oportunidades distintas – além das já citadas, foi lembrado como Melhor Ator por O Fiel Camareiro (1983), À Sombra do Vulcão (1984), e uma vez enquanto Melhor Ator Coadjuvante, por Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento (2000). Certa feita, ao ser perguntado sobre a peculiaridade, disse: “Não é minha praia. Você não tem permissão para fumar ou beber durante o Oscar, uma festa que pode durar seis horas, e isso não me agradaria nem um pouco”. Sua forte personalidade também determinou a recusa (em duas ocasiões) do título de Cavaleiro oferecido pela rainha Elizabeth II. Ele se justificava dizendo que “essa coisa de cavaleiro perpetua, ligeiramente, uma das nossas maiores doenças na Inglaterra: o esnobismo”. Depois de, aos 34 anos, exigir várias camadas de maquiagem para viver Ebenezer Scrooge em O Adorável Avarento (1970), Finney foi elogiado pela crítica, inclusive, em virtude dos números musicais. Mesmo com tantos êxitos nas telonas, o astro nunca deixou de lado os palcos, onde era visto constantemente em papeis variados.

Após viver Fouché em Os Duelistas (1977), de Ridley Scott, integrou o elenco de Annie (1982) e nos dois anos subsequentes foi indicado ao Oscar de Melhor Ator, respectivamente por O Fiel Camareiro e À Sombra do Vulcão, passando, a partir daí, a alternar personagens cinematográficos e teatrais, portanto, não deixando de lado sua grande paixão pelos palcos em função do destaque e do prestígio que possuía, inclusive, nos corredores de Hollywood. Finney fez várias produções de televisão para a BBC na década de 1990, incluindo The Green Man (1990), A Rather English Marriage (1998), e o papel principal em duas peças, Karaoke e Cold Lazarus, em 1996 e 1997. Em 2000, se destacou em Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento (2000), pelo qual recebeu sua quinta e última indicação ao Oscar, desta vez de Melhor Ator Coadjuvante. Em 2006, ele se casou com sua terceira esposa, Penelope Delmage. De 2007 a 2012, sua presença na tela grande foi limitada pelas sucessivas batalhas contra um câncer de próstata.

Vivendo Winston Churchill no aclamado telefilme O Homem que Mudou o Mundo (2002), Finney ganhou o Emmy e o Bafta. Nos últimos anos,  teve destaque em filmes de espionagem, tais como Doze Homens e Outro Segredo (2004), O Ultimato Bourne (2007), O Legado Bourne (2012) e 007: Operação Skyfall (2012), seu último longa-metragem. Além disso, chamou atenção em Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas (2003), encarnando a versão mais velha do carismático personagem de Ewan McGregor, e, especialmente, o patriarca no excelente Antes que o Diabo saiba que Você Está Morto (2007). Ele morreu no dia 08 de fevereiro, segundo o porta-voz da família, após “uma breve doença”, deixando um legado impressionante e uma carreira ímpar que merece a nossa reverência.

Em “Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto”

 

Filmes Imprescindíveis:  As Aventuras de Tom Jones (1963), Assassinato no Expresso Oriente (1974), O Fiel Camareiro (1983), À Sombra do Vulcão (1984) e Antes que o Diabo saiba que Você Está Morto (2007).

Primeiro Filme: Vida de Solteiro (1960), interpretando Mick Rice.

Último Filme: 007: Operação Skyfall , interpretando Kincade.

Oscar: Indicado em cinco oportunidades – quatro delas à estatueta de Melhor Ator, pelos filmes As Aventuras de Tom Jones (1963), Assassinato no Expresso Oriente (1974), O Fiel Camareiro (1983), À Sombra do Vulcão (1984), e uma vez à de Melhor Ator Coadjuvante, por Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento (2000). Curiosamente, nunca esteve na festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

Grande Papel recusado: O protagonista de Lawrence da Arábia (1962). O cineasta David Lean conseguiu que o ator fizesse um elaborado teste de tela, mas Finney, escolhido para o papel, não gostou dos termos do contrato e acabou recusando o trabalho que, então, foi oferecido a Peter O’Toole, ex-colega do ator na Royal Academy of Dramatic Arts.

Frase:  “O esnobismo é uma das maiores doenças da Inglaterra”.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.