Os olhos de Bette Davis. Hipnotizaram muitos, fitaram tantos outros com desprezo, foram até matéria-prima para música pop. Aqueles belos e grandes olhos eram a marca registrada de Ruth Elizabeth Davis, nascida em 25 de outubro de 1908, em Massachusetts, Estados Unidos. Com pais divorciados ainda criança, Davis e sua única irmã, Barbara, foram enviadas para um colégio interno bastante disciplinador, fato que mostrou à futura atriz, em tenra idade, o quanto a vida não é fácil. Ela soube disso e viveu intensamente. Tanto que, após sua morte, em 6 de outubro de 1989, seu epitáfio diz: “Ela viveu da maneira mais difícil”.
Ruth Elizabeth virou Bette Davis quando se mudou para Nova York com a irmã e passou a frequentar os teatros da cidade. Seu sonho de virar atriz não foi realizado de um dia para o outro. Fazendo peças e chamando a atenção por seu talento, ela não tinha o look esperado para a profissão. Reza a lenda que, quando fechou contrato com os estúdios Universal, a pessoa que iria buscá-la na estação de trem acabou não a encontrando, pois não tinha achado alguém que parecesse uma estrela. Seu primeiro filme foi realizado em 1931, Garota Rebelde, longa-metragem que marcava a estreia de outro futuro grande astro, Humphrey Bogart. O contrato com a Universal era curto e os papéis oferecidos para a jovem atriz não atraíam grande atenção. Tanto que logo o estúdio a liberou.
A virada de Davis viria em 1932, em O Homem Deus, primeiro dos diversos filmes que faria para a Warner Bros. Os executivos do estúdio ficaram tão impressionados com sua performance que fecharam um contrato de cinco anos com aquela promessa. E não se arrependeram. Ela trabalhava em diversas produções, numa época em que filmes eram produzidos à toque de caixa pela Meca do cinema mundial. Aceitava papéis de mulheres fortes, arrogantes e duronas, personagens que costumavam ser rejeitados pelas estrelas de então.
Dentre vários títulos desse período, destaque para Escravos do Desejo (1934), performance pela qual imprensa e indústria davam como certa a primeira indicação da atriz ao Oscar. Como essa não veio, aconteceu um grande estardalhaço à época, tanto que a Academia abriu um precedente e liberou que os votantes não se ativessem apenas aos indicados, escrevendo nas cédulas quem gostariam de ver premiados. Davis não levou o prêmio, mas isso não demoraria a acontecer.
Já no ano seguinte, em 1935, Bette Davis estrelou Perigosa, desempenho que lhe rendeu sua primeira estatueta, em disputa acirrada com Katharine Hepburn e Miriam Hopkins – um de seus tantos desafetos em Hollywood. A boa fase deu uma pausa nos dois anos seguintes, com personagens que pouco desafiavam a atriz. O problema era tamanho que ela tentou se desvencilhar do contrato com a Warner, colocando seus empregadores na justiça na tentativa de trabalhar em outras paragens. A atriz perdeu o processo, mas ganhou respeito. A partir daí, uma nova leva de bons filmes foram oferecidos à estrela.
Por Mulher Marcada (1937), venceu a Copa Volpi no Festival de Veneza. No ano seguinte, Jezebel (1938) lhe deu maior reconhecimento, seu segundo Oscar e o encontro com o homem que foi sua grande paixão: William Wyler. O detalhe é que, nessa época, já era casada, algo que não a impediu de consumar um caso extraconjugal com o diretor – que, também casado, não largou sua esposa para ficar com a estrela. Essa decepção, somada ao fato de perder o papel em …E o vento Levou (1939) para Vivien Leigh, marcou um final de década problemático para Bette Davis.
Nos anos 40, a atriz se tornaria a primeira mulher a presidir a Academia de Hollywood (e talvez a primeira a deixar o cargo poucos meses depois). Diversas indicações vieram também, mas o tão desejado terceiro Oscar, que a transformaria na primeira estrela a ganhar três prêmios como intérprete principal, acabaria não vindo. Durante a Segunda Guerra Mundial, ela se engajou vendendo títulos para ajudar as tropas norte-americanas e usou seu grande prestígio para montar, ao lado de John Garfield e Cary Grant, a Hollywood Canteen, local que tinha como objetivo entreter e alimentar soldados. O empreendimento rendeu um filme, Um sonho em Hollywood (1944), no qual Bette Davis fazia um raro número musical.
A partir da segunda metade da década de 1940, veria uma de suas principais oponentes levar louros que poderiam ser seus. Joan Crawford ganharia o Oscar por Alma em Suplício (1945) e seria indicada por Fogueira de Paixões (1947), dois papéis oferecidos primeiramente para Davis e que foram recusados por motivos variados. Anos depois, as notórias inimigas dividiriam a tela em um dos filmes mais importantes da carreira de ambas: O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962). Por um lado, Davis levou a melhor por ter sido lembrada pelo Oscar. Por outro, Crawford combinou com as outras indicadas que subiria ao palco para buscar o prêmio caso sua companheira de tela não levasse. Anne Bancroft foi a vencedora e uma sorridente Crawford foi aceitar a estatueta em seu nome.
Voltando um pouco no tempo, não poderíamos de forma alguma esquecer de um dos papéis mais emblemáticos da carreira de Bette Davis, uma personagem que a fez retornar aos seus melhores momentos após o fim de seu contrato com a Warner. Em A Malvada (1950), a atriz dividia a tela com seu futuro marido, Gary Merrill, e com uma novata Marilyn Monroe, além de estrelas como Celeste Holm e Anne Baxter. Novamente indicada ao Oscar, Davis viu reascender sua carreira com este longa dirigido por Joseph L. Mankiewicz, vencedor de seis prêmios da Academia, incluindo Melhor Filme.
A carreira de Bette Davis a partir da década de 1950 se dividiria em produções para a televisão, tentativas infrutíferas de seriados, e algumas boas produções para o cinema. Dentre elas, Lágrimas Amargas (1962), Com a Maldade na Alma (1964), Morte sobre o Nilo (1978) e Baleias de Agosto (1987). Em 6 de outubro de 1989, aos 81 anos, Bette Davis fechava seus belos olhos pela última vez, após uma batalha contra o câncer de mama que ela pensava ter vencido em 1983, quando a doença foi diagnosticada, tendo passado por uma mastectomia. O legado deixado em mais de 100 filmes protagonizados pela estrela é mais do que suficiente para atestar a maestria de uma das atrizes mais completas que Hollywood já viu.
Filme imprescindível: A Malvada (1950), trabalho pelo qual foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz, vencedor em seis categorias, incluindo Melhor Filme.
Filme esquecível: Poderia se dizer que os primeiros trabalhos da atriz para a Universal não exigiam todo o seu potencial, com destaque para A Casa Infernal (1932), que determinou o final do seu contrato com o estúdio.
Filme favorito de sua filmografia: Vitória Amarga (1939), por ela ter conseguido canalizar todo o momento conturbado pelo qual vivia em uma performance indicada ao Oscar.
Maior sucesso de bilheteria: Vaidosa (1942), tendo arrecadado em valores atualizados U$ 163 milhões.
Maior fracasso de bilheteria: Baleias de Agosto (1987), ainda que tenha sido vendido como uma reunião de duas talentosas e idosas atrizes, Bette Davis e Lillian Gish, o público acabou não comprando a ideia. Em VHS, o filme teve melhor sorte.
Primeiro filme: Garota Rebelde (1931).
Último filme: A Madrasta (1989), produção abandonada por Davis por causa do roteiro. Em vez de substituir a atriz, os produtores resolveram transformá-la em um gato, preservando as cenas rodadas pela veterana estrela.
Guilty pleasure: A Volta da Montanha Enfeitiçada (1978), filme infanto-juvenil da Disney.
Papel perdido: Era vontade de Bette Davis interpretar Scarlett O’Hara em …E o vento Levou (1939), mas a Warner não liberou a atriz para a produção;
Oscar: Venceu duas vezes, em Perigosa (1935) e Jezebel (1938). Foi indicada outras oito vezes, sempre como atriz principal. Alguns contam uma nona indicação por Escravos do Desejo (1934), por causa dos votos escritos nas cédulas, mas essa nominação é discutível. Tem o recorde até hoje, ao lado de Greer Garson, como maior número de indicações seguidas: cinco, entre 1938 e 1942.
Frase inesquecível: De língua ferina, Bette Davis cunhou frases impagáveis. Geralmente com Joan Crawford como alvo. “Ela dormiu com todos os astros da MGM, menos com Lassie”, dizia sobre sua rival. Declaração das mais impressionantes (pela frieza) foi dita quando Crawford faleceu. “Não devemos falar coisas ruins quando alguém morre, só boas. Por exemplo: Joan Crawford morreu. Que bom.”