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In Memoriam :: Burt Reynolds (1936 – 2018)

Publicado por
Marcelo Müller

Burt Reynolds sempre foi uma espécie de símbolo maiúsculo de Hollywood. Uma sequência de papeis celebrados fez dele um dos astros mais requisitados nos anos 70 e 80. Corajoso, posou nu para a revista Cosmopolitan quando a atitude ainda era tabu. Entre 1978 e 1982, foi considerado o ator mais rentável da indústria cinematográfica norte-americana. Com isso, se tornou uma verdadeira estrela, nome incontornável quando o assunto é a produção audiovisual estadunidense no período em que, na terra do Tio Sam, a televisão se esforçava para consolidar-se como instância de conteúdos relevantes, enquanto o cinema tateava as suas possibilidades em busca de identidade. Nascido em 11 de fevereiro de 1936, em Lansing, no estado de Michigan, Burton Leon Reynolds Jr foi fruto da união entre Burton, de ascendência indígena Cherokee e irlandesa, coronel do exército – que mais tarde seria chefe de polícia –, e Fern, enfermeira-chefe que, conforme consta, instigou o filho desde cedo a tomar gosto pela literatura e, por conseguinte, gostar de arte. Foi sua primeira incentivadora.

Na juventude, Burt Reynolds estudou na Florida State University, onde se destacou como atleta de futebol americano. Estava se desenhando uma carreira esportiva brilhante para o garoto que atuava como halfback (posição ofensiva), especialmente depois de sua entrada no Baltimore Colts. Todavia, uma séria lesão no joelho e o sequente acidente de carro colocaram ponto final nas aspirações atléticas do ainda garoto. Primeiro, considerou seguir os passos do pai e se tornar policial. Aconselhado a finalizar a faculdade, queria ser, mais adiante, responsável por prisioneiros recém-libertados. Porém, durante as aulas na Palm Beach Junior College, na Flórida, foi incentivado por um professor a tentar um papel na peça em produção na instituição. Reynolds não apenas foi designado protagonista, como venceu um prêmio de arte dramática em 1956, o que encaminhou a nova possibilidade de futuro. A distinção incluía uma bolsa de estudos na Hyde Park Playhouse, de Nova York. Embora ainda não visse a atuação como carreira, era uma forma menos extenuante de trabalhar na época do verão.

De volta a Nova York após uma turnê que começou a abrir seus horizontes como ator, Burt Reynolds se matriculou numa outra escola de teatro e, depois de alguns percalços, conseguiu um papel na montagem de Mister Roberts, que contava com Charlton Heston no protagonismo. Logo o cinema começou a olhar com cobiça àquele jovem talento que surgia. Diz-se que sua barreira inicial foi supostamente parecer-se demais com Marlon Brando. Enquanto esperava decolar como intérprete, trabalhou em empregos tais como garçom, lavador de pratos, motorista de caminhão de entregas e segurança. Logo veio Look, We’ve Come Through, sua estreia na Broadway. Então, a TV se enamorou perdidamente por ele. Reynolds apareceu pela primeira vez na telinha na série Flight (1958). Entre outros programas, figurou em Riverboat (1959-1961), The Blue Angels (1960-1961), Gunsmoke (1962-1965). Curiosamente, participou de um episódio de Além da Imaginação satirizando Marlon Brando e a semelhança entre eles. Sua popularidade aumentou consideravelmente após várias aparições no Tonight Show, programa de Johnny Carson.

A semelhança com Marlon Brando

A estreia de Burt Reynolds no cinema se deu em 1961, no filme O Diabo da Carne. Estimulado pelo amigo Clint Eastwood, utilizou a considerável fama na televisão para garantir o protagonismo em filmes estrangeiros de baixo orçamento – algo que o próprio Eastwood, também uma estrela da TV, acabou fazendo. A primeira dessas incursões internacionais de Reynolds foi em Joe, o Pistoleiro Implacável  (1966), dirigido pelo hoje cultuado Sergio Corbucci, com trilha sonora de Ennio Morricone. Essas produções o recolocaram no jogo em Hollywood e na televisão norte-americana, no qual chegou a interpretar personagens que, segundo ele mesmo, tinham apenas duas expressões: “bravo e muito bravo”. Na época, por seu desempenho na série The Longest Yard (1974), recebeu a primeira de suas sete indicações ao Globo de Ouro. Mas foi como o durão Lewis Medlock, de Amargo Pesadelo (1972), do cineasta John Boorman, que realmente ascendeu ao panteão dos astros de primeira grandeza. Sua popularidade apenas aumentou depois disso, levando-o a integrar a comédia de Woody Allen Tudo o que Você Sempre quis Saber Sobre Sexo, Mas Tinha Medo de Perguntar (1972), e Paixão pelo Perigo (1973).

Segundo Reynolds, os produtores da franquia James Bond chegaram a oferecer-lhe o papel de 007, tão logo Sean Connery decidiu não mais viver o agente secreto a serviço da rainha. “Um norte-americano não pode interpretar James Bond. Isso simplesmente não pode ser feito”, disse mais adiante, justificando a recusa. Em 1977, teve um sucesso estrondoso de bilheteria que ultrapassou a casa dos US$ 100 milhões de arrecadação: Agarra-me se Puderes, no qual contracenou com Sally Field e Jerry Reed. A popularidade do artista decaiu sensivelmente da metade dos anos 80 em diante. Se no começo da década, ele teve alguns êxitos esparsos, como Caçada em Atlanta (1981), que também dirigiu, e A Melhor Casa Suspeita do Texas (1982), gradativamente seu nome perdeu força. Mais uma vez, a televisão veio em seu socorro. Em 1991, venceu o Emmy por seu personagem na série Evening Shade – que também lhe rendeu um Globo de Ouro. Em 1992, foi novamente indicado ao Emmy pelo papel. Apesar de aparentemente ter voltado aos trilhos, sua vida era atribulada por dificuldades financeiras oriundas de gastos extravagantes e divórcios dispendiosos. Em 1996, chegou a pedir falência.

Com o elenco de “Evening Shade”

Seu retorno aos holofotes se deu ainda em 1996, com Striptease, pelo qual recebeu o Framboesa de Ouro de Pior Dupla, ao lado de Demi Moore. Mas, Boogie Nights: Prazer Sem Limites (1997) demarcou seu retorno triunfal à ribalta. Pelo filme de Paul Thomas Anderson, Reynolds foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e venceu o Globo de Ouro na categoria. Muitos acham totalmente injusta a derrota dele no prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para Robin Williams, por Gênio Indomável (1997). Curiosamente, Reynolds não gostava do filme que o consagrou. Tanto que, após assisti-lo pela primeira vez, demitiu o seu agente, reconsiderando a própria posição apenas quando a temporada de premiações o marcou como franco favorito em várias associações. Depois disso, participou de outros longas-metragens, surfando no revival, vendo novas gerações se interessando por seu trabalho. Em 2005, estrelou Golpe Baixo, versão cinematográfica da série The Longest Yard, em que Adam Sandler interpretou o seu personagem do passado. O resultado: outra indicação ao Framboesa de Ouro, agora na categoria Pior Ator Coadjuvante.

Em 2015, Burt Reynolds lançou a sua biografia But Enough About Me. Desde 2010, no entanto, vinha lutando contra problemas de saúde, especialmente relacionados ao coração. Há três anos, preocupou os fãs ao aparecer bem mais magro e de bengala numa convenção. Nesta quinta-feira, 6 de setembro, morreu, aos 82 anos, em virtude de uma parada cardíaca. Foi-se o mito, o artista que tem sua estrela na calçada da fama de Hollywood desde 1978. Com quase 200 créditos, possuiu uma carreira prolífica, nem sempre valorizada como deveria, mas vasta e suficientemente consistente para coloca-lo em posição de destaque no firmamento do cinema.

Em “Boogie Nights”

Filme imprescindível: Amargo Pesadelo (1972), no qual vive um dos quatro amigos que resolvem descer as perigosas corredeiras de um rio antes do represamento.

Primeiro filme: O Diabo de Carne (1961), interpretando um homem violento.

Último filme: Estava rodando Era uma Vez em Hollywood, de Quentin Tarantino.

Guilty pleasure: 100 Rifles (1969), no qual encarna um nativo que rouba um banco.

Oscar: Indicado a Melhor Ator Coadjuvante por com Boogie Nights: Prazer Sem Limites (1997).

Frase inesquecível: “Você não joga as cartas, você joga o jogador”, de Tommy, personagem de Reynolds em A Arte do Jogo (2007)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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