Ainda que o termo “gênio” pareça estar sendo usado com muita frequência para rotular qualquer pessoa que faça algo minimamente extraordinário, poucos artistas podem ser intitulados desta forma de uma maneira indiscutível quanto Charles Chaplin. Ele foi uma das figuras mais importantes do cinema mudo, um profissional completo por ser, ao mesmo tempo, ator, diretor, roteirista, produtor e músico. Seus filmes levaram legiões às salas escuras e o colocaram no panteão dos grandes nomes do cinema. E o mais incrível é que o talento de Carlitos veio desde cedo.
Nascido em 16 de abril de 1889, na Inglaterra, Charles Spencer Chaplin teve uma infância difícil. Abandonado pelo pai e vivendo com a mãe, a artista de teatro Hannah, e seu irmão, Sydney, Chaplin desde cedo teve de se virar. Aos cinco anos, salvou uma apresentação da mãe, que viu sua voz sumir durante o ato. O chefe do lugar observou o pequeno no canto do palco e mandou que subisse e dançasse. O menininho conquistou a todos. Aos nove, com apoio da mãe, tentou investir seu tempo nos palcos. Pouco tempo depois, se associou a uma trupe de vaudeville e passou a esculpir sua técnica. Nesta época, sua mãe, mentalmente doente, havia sido internada.
Em 1906, começou a trabalhar na companhia cômica de Fred Karno, o que lhe deu impulso para uma das grandes mudanças em sua vida de jovem artista: a ida para os Estados Unidos. Como era um dos principais nomes da companhia, Karno o escolheu para viajar para a América. Lá, conseguiu mais sucesso e um contrato com o Keystone Studios, em 1913, sua primeira incursão no cinema. Não era uma vontade de Chaplin trabalhar com a sétima arte, pois acreditava muito mais no teatro. Mas como oportunidades não devem ser desperdiçadas, começou a trabalhar em frente às câmeras em um processo que lhe tornaria mundialmente famoso.
Seu primeiro filme pela Keystone, lançado em 1914, Carlitos Repórter (Making a Living), já trazia a bengala, o bigode e o chapéu para o figurino de Chaplin, mas diferentes do que estaríamos acostumados a partir do próximo filme, Kid Auto Races at Venice, primeira aparição do Vagabundo, personagem mais famoso do artista. Foram realizados onze filmes naquele ano até que ele ganhasse o direito de dirigir seu próprio trabalho. Esta estreia aconteceu em Caught in the Rain, um grande sucesso na época, fato que deu maior liberdade para o diretor de primeira viagem. Em 1914, estrelou 35 curtas-metragens para a Keystone e apareceu em seu primeiro longa, Carlitos: O Inesquecível (Tillie’s Punctured Romance), última vez em que não foi seu próprio diretor.
Em 1915, o sucesso de Charles Chaplin seria ainda maior. Depois de ter deixado a Keystone (que não o creditava em seus filmes), assinou com a Essanay Films, onde protagonizou 14 produções no período. Dentre elas, o clássico O Vagabundo (The Tramp), que cimentou a figura de Carlitos no imaginário popular. A cada novo contrato, Charles Chaplin ganhava maior controle e mais dinheiro. Em 1916, passou a trabalhar com a Mutual Films, que lhe pagou um salário astronômico na época. Ainda que tivesse de entregar filmes à toque de caixa no início do contrato, o cineasta conseguiu reverter isso em 1917, construindo seus primeiros trabalhos mais elaborados. São desta época clássicos como Rua da Paz (Easy Street) e O Imigrante (The Immigrant).
Ainda não era o suficiente. Era necessário mais tempo para conceber os filmes. Seu empresário e irmão, Sydney, conseguiu um belo contrato com a First National Exhibitor’s Circuit, que pagou US$ 1 milhão por oito produções. Vida de Cachorro (A Dog’s Life, 1918) foi o primeiro deste novo momento. Chaplin nunca foi um homem acomodado. Sempre procurou melhorar sua arte e buscar condições de trabalho que privilegiassem seus filmes. Por isso, em 1919, juntou-se ao cineasta D.W. Griffith, ao astro Douglas Fairbanks e à estrela Mary Pickford para montar a United Artists, estúdio presidido por quatro mentes criativas que tinham total controle sobre seus trabalhos. Era necessário, porém, que Chaplin terminasse seu contrato com a First National para que pudesse ter esta tão sonhada liberdade total e, por isso, correu na produção de alguns filmes menos memoráveis. Era como se ele soubesse que estes pequenos trabalhos rápidos não poderiam tirar sua atenção de sua obra maior, o longa-metragem O Garoto (The Kid, 1921), um de seus últimos filmes para a First National. Neste período, Chaplin já havia se casado pela primeira vez (seriam quatro esposas na sua vida) e perdido seu primeiro filme, que sobreviveu apenas três dias após o parto. Desiludido, e às vias da separação, colocou sua cabeça no trabalho e concebeu uma de suas primeiras obras-primas.
Já divorciado e com o contrato finalizado com a First National, veio um período de maturidade para o cineasta. Para seu primeiro filme na recém criada United Artists, Charles Chaplin resolveu filmar um drama, sem sua presença no elenco. Casamento ou Luxo (A Woman of Paris, 1923) era estrelado por Edna Purviance, que já havia trabalhado anteriormente com o cineasta em O Garoto, e foi um grande fracasso de público. Como tantos grandes nomes da comédia, Chaplin não teve facilidade na hora de tentar diversificar sua carreira e recebeu esta recepção fria da audiência. Para aplacar isso, seus próximos trabalhos foram comédias e de grande sucesso: Em Busca do Ouro (The Gold Rush, 1925) e O Circo (The Circus, 1928). O primeiro foi considerado pelo próprio Chaplin como seu melhor filme até então, o trabalho pelo qual ele gostaria de ser lembrado. O segundo veio na esteira de seu (infeliz) segundo casamento, período no qual ele passava mais tempo nos sets do que em casa. Em 1929, ganhou o Oscar honorário pelo seu trabalho. Foi o último filme de Chaplin durante a era do cinema mudo, ainda que ele tenha assinado dois filmes depois do início dos talkies, dois de seus maiores clássicos, inclusive: Luzes da Cidade (City Lights, 1931) e Tempos Modernos (Modern Times, 1936).
Este último, na verdade, era para ser o seu primeiro filme falado, mas o autor se recusou a fazê-lo desta forma, incluindo alguns sons, mas nada que não fosse universalmente conhecido. Era vontade dele não limitar o alcance do longa-metragem. Tempos Modernos aparece em listas de melhores filmes do século até hoje, dado o seu roteiro interessante, crítico e, ao mesmo tempo, bem humorado. Foi nesta época que o artista casou-se pela terceira vez, com a estrela de seus filmes, a beldade Paulette Godard. Até então havia sido sua união mais duradoura, com os dois se separando em 1942, dois anos depois de uma das obras mais representativas da carreira do autor: O Grande Ditador (The Great Dictator, 1940). Primeiro longa-metragem falado de Chaplin, recebeu cinco indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme e Ator, e foi o maior sucesso que o autor teve nas bilheterias.
O sucesso junto ao público não o poupou de controvérsias perante o governo dos Estados Unidos. Considerado comunista pelas suas ideias políticas, Chaplin viveu maus momentos na América, sendo investigado pelo FBI. Para piorar, seu envolvimento com uma atriz de seus filmes acabou por jogá-lo em meio a um escândalo midiático que afetou sua imagem. Seu quarto casamento, aos 54 anos, com a jovem atriz de 18 Oona O’Neill jogou mais lenha na fogueira. Quando lançou Monsieur Verdoux (1947), uma comédia com pesada levada política, Chaplin teve mais problemas por ser considerado comunista, ainda que ele sempre negasse tais afirmações. O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro e foi um grande fracasso de público.
Seu último filme em solo americano seria o autobiográfico Luzes da Ribalta (1952). Conhecido por ser uma rara parceria entre Charles Chaplin e o astro Buster Keaton, o longa-metragem foi o primeiro e único Oscar competitivo que Chaplin ganhou na vida – e vinte anos depois do filme ter sido lançado, já que ele ficou no baú nos Estados Unidos até 1972. Este atraso aconteceu pelos citados problemas do artista com o governo americano. Quando Chaplin saiu da América para o lançamento do filme no Reino Unido, seu visto de permanência nos Estados Unidos foi revogado. Sentindo-se persona non grata naquele país, resolveu cortar relações, mudando-se para a Suíça, onde viveu durante mais de vinte anos. Seu primeiro trabalho após este período triste foi Um Rei em Nova York (A King in New York, 1957), um de seus filmes mais autobiográficos, no qual vive um monarca europeu acusado de comunismo em busca de abrigo. Foi o último filme protagonizado por ele.
Depois disso, o autor dedicou tempo reeditando seus filmes antigos, incluindo novas trilhas sonoras e efeitos. A década de 1960 viu os ares americanos se abrindo para Chaplin, mas nem o lançamento de A Condessa de Hong Kong (1967), primeiro e único filme colorido do diretor, estrelado por Marlon Brando e Sophia Loren, fez com que o cineasta fosse convidado a retornar. A produção foi um fracasso de público e seria o último lançado por Chaplin.
Seu retorno aos Estados Unidos se daria em 1972, vinte anos depois de sua saída, quando recebeu um Oscar pelo conjunto da Obra. Foi aplaudido de pé pelos seus colegas. Em 1975, foi condecorado como Sir pela rainha Elizabeth II. Infelizmente, sua saúde já não era mais a mesma. Passou seus últimos anos sendo cuidado de perto até que no dia 25 de dezembro de 1977, na manhã de Natal, foi encontrado morto em sua cama, aos 88 anos de idade. Durante o sono, sofreu um derrame fatal. Deixou sua viúva, Oona Chaplin, e onze filhos, dentre eles a atriz Geraldine Chaplin. Um Natal triste para aquela família e especialmente para o cinema, que perdia seu grande gênio.
Filmes imprescindíveis: Tempos Modernos (mudo, 1938) e O Grande Ditador (falado, 1940);
Filme esquecível: A Day’s Pleasure (1919), feito às pressas para cumprir o contrato com a First National.
Primeiro filme: Carlitos Repórter (1914), como ator; Caught in the Rain (1914), como diretor;
Último filme: A Condessa de Hong Kong (1967);
Seu filme favorito: Em Busca do Ouro (1925);
Filme perdido: Bali, manuscrito encontrado pela família com 15 páginas, deveria ser o primeiro filme falado de Chaplin, a ser lançado antes de Luzes da Cidade (1931). Uma sátira ao colonialismo, foi baseada em uma visita do artista a Indonésia, mas nunca saiu do papel;
Oscar: Ganhou dois Oscars honorários, um pelo seu trabalho em O Circo (1928), em 1929, e outro pelo conjunto da obra em 1972, quando retornou aos Estados Unidos; Em 1973, recebeu a estatueta por Melhor Música, pelo filme Luzes da Ribalta (1952), lançado vinte anos anos, mas inédito nos Estados Unidos até então;
Frase inesquecível: “Meu único inimigo é o tempo”.