Arthur Christopher Orme Plummer nasceu em Toronto, Ontario, em 13 de dezembro de 1929. Filho único de Isabella Mary Abbott e John Plummer, era bisneto de John Abbott, primeiro-ministro do Canadá entre 1891 e 1892. Criado em Quebec apenas pela mãe, após a separação dos pais logo após seu nascimento, começou a se interessar pela atuação nos palcos ainda criança. Na escola, aprendeu a falar inglês e francês fluentemente, e foi na High School of Montreal que deu seus primeiros passos como ator, segundo ele, motivado após ter assistido ao clássico Henrique V (1944), de e com Laurence Olivier. Não chegou a frequentar a faculdade – algo que se arrependeu por toda a vida – pois estava ocupado demais em atuar. Pela performance como Sr. Darcy em Orgulho e Preconceito, em 1946, foi elogiado pelo crítico de teatro do Montreal Gazette, e com 18 anos foi escalado para o papel de Édipo em La Machine Infernale, de Jean Cocteau. Era o que precisava para bater asas e se arriscar em voos mais longos.
“Você é apenas dois anos mais velha do que eu, por onde se escondeu por todo esse tempo?”, declarou ao receber a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante pelo trabalho como Hal, um senhor que decide se assumir como gay após a morte da esposa de tantos anos, na comédia dramática Toda Forma de Amor (2010). Esta foi a segunda das três indicações que recebeu ao prêmio máximo da Academia de Hollywood, todas vindas quando já era octogenário. O que deixa claro que seus primeiros anos na meca do cinema não foram dos mais fáceis – e foi preciso muita dedicação e esforço para conquistar a admiração do público e da crítica. De natureza shakespeareana, interpretou grandes peças do bardo inglês, como Hamlet, Othelo, Ricardo III e Henrique V. Nenhuma delas, no entanto, chegou a interpretar na tela grande, o que costumava apontar como um dos seus maiores lamentos. A rara exceção foi a aparição como Prospero em A Tempestade (2010).
Não lhe faltaram, no entanto, grandes personagens nos filmes. Se é provável que será eternamente lembrado como o Capitão Von Trapp de A Noviça Rebelde (1965), filme que desprezou por décadas até, enfim, fazer as pazes poucos anos antes de sua morte, outras figuras por ele personificadas se tornaram ícones da sétima arte. Do heroico Commodus de A Queda do Império Romano (1964) ao Duque de Wellington de Waterloo (1970), do vilão de A Volta da Pantera Cor-de-Rosa (1975) ao escritor Rudyard Kipling de O Homem que Queria ser Rei (1975), do mítico Sherlock Holmes de Assassinato por Decreto (1979) ao racista Chaplain Gill em Malcolm X (1992), manteve um ritmo de trabalho constante, alternando produções de maior visibilidade com outras de menor expressão, mas que ao menos cumpriam o objetivo de mantê-lo em atividade.
Apesar do rosto de traços fortes e expressão sisuda – que tão bem lhe caiu no oscarizado A Noviça Rebelde – também esteve presente em dramas românticos, como o açucarado Em Algum Lugar do Passado (1980), que foi sucesso na televisão aberta brasileira nos anos 1980/1990, ou comédias, como Dragnet: Desafiando o Perigo (1987), ao lado de Tom Hanks e Dan Aykroyd. A lista de títulos marcantes não parou, e emprestou sua voz à animação Um Conto Americano (1986), produzida por Steven Spielberg, enfrentou o lobisomem de Jack Nicholson em Lobo (1994), foi um detetive criado por Stephen King em Eclipse Total (1995) e lidou com uma epidemia mortal em Os 12 Macacos (1995), de Terry Gilliam. A virada do século veio um pouco antes para ele, no entanto, quando aceitou dar vida ao repórter Mike Wallace em O Informante (1999), drama biográfico de Michael Mann indicado a 7 Oscars: “após esse filme, tudo mudou para mim”, afirmou anos depois.
Esse ‘renascimento’ dos anos 2000 não foi desperdiçado. Um ano depois já aparecia em outra produção vencedora do Oscar – Uma Mente Brilhante (2001), de Ron Howard – assim como seguia se divertindo em sucessos voltados para o grande público, como A Lenda do Tesouro Perdido (2004), da Disney. O oscarizado Syriana: A Indústria do Petróleo (2005), o épico O Novo Mundo (2005), de Terrence Malick, o policial O Plano Perfeito (2006), de Spike Lee, a animação Up: Altas Aventuras (2009) e o lírico O Mundo Imaginário de Dr. Parnassus (2009) – último filme de Heath Ledger – pavimentaram o caminho para sua primeira indicação ao Oscar, vinda como o escritor Leon Tolstoy em A Última Estação (2009), em que aparecia ao lado de Helen Mirren e James McAvoy. Por este trabalho foi indicado ainda ao Globo de Ouro, SAG e Independent Spirit. Os prêmios, no entanto, viriam apenas no ano seguinte, com Toda Forma de Amor (2010).
Se Barrymore (2011), adaptação da peça de mesmo nome que lhe valeu o Tony, passou desapercebida pelas telas, o mesmo não pode ser dito de Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2011), de David Fincher, baseado no romance de Stieg Larsson. Após a incrível performance como o protagonista de Memórias Secretas (2015) – que lhe valeu uma ovação de 10 minutos no Festival de Veneza e indicações ao Canadian Screen Awards e na premiação dos críticos de Vancouver, protagonizou um dos episódios mais insólitos de toda a sua carreira, quando foi chamado de última hora para substituir Kevin Spacey – em desgraça após as denúncias de assédio sexual que sofreu – no thriller Todo o Dinheiro do Mundo (2017), que já estava completamente filmado. Com o apoio do diretor Ridley Scott, fez todas as cenas do outro ator em tempo recorde – agradeceu aos seus muitos anos no teatro por ter conseguido decorar tantas falas em tão pouco tempo – e pelo feito conquistou sua terceira indicação ao Oscar – aos 88 anos, tornou-se o concorrente mais velho de toda a história da premiação nas categorias de atuação.
Sua grande despedida das telas se deu com o divertido Entre Facas e Segredos (2019), em que aparecia como o patriarca de uma estranha família que, após sua morte, dá início a um curioso jogo de mostra e esconde. Durante todos esses anos, casou-se três vezes, e teve apenas uma filha – a atriz Amanda Plummer (Ratched, 2020), nascida em 1957, filha da também atriz Tammy Grimes, primeira esposa dele. Ele mesmo assumiu, em sua autobiografia, que não foi muito próximo da filha durante a juventude e adolescência dela, por causa das restrições impostas pela mãe após a separação dos dois, e só voltou a se relacionar com a garota quando já era adulta. Sua última esposa foi a atriz Elaine Taylor, com quem esteve de 1970 até sua morte. O adeus se deu em 05 de fevereiro de 2021, aos 91 anos, em sua casa em Weston, Connecticut, após sofrer complicações de uma queda. Segundo a família, Plummer “morreu pacificamente, em sua cama, com a esposa ao lado”.
Julie Andrews, sua colega de A Noviça Rebelde, declarou na ocasião: “O mundo perdeu um ator consumado hoje e eu perdi um amigo querido”. Diversos artistas se manifestaram a respeito de sua partida, como Ana de Armas, Jamie Lee Curtis, Chris Evans, Anne Hathaway, Elijah Wood, Vera Farmiga, Antonio Banderas, Russell Crowe e Joseph Gordon-Levitt. Seu empresário e amigo de longa data, Lou Pitt, escreveu: “Chris era um homem extraordinário que amava profundamente e respeitava sua profissão. Era um tesouro nacional que apreciava suas raízes canadenses. Por meio de sua arte e humanidade, tocou todos os nossos corações e sua vida lendária durará por todas as gerações vindouras. Ele estará conosco para sempre”.
FILME IMPRESCINDÍVEL: Apesar dos diversos prêmios conquistados e dos diretores de prestígio com quem trabalhou, será para sempre lembrado como o Capitão Von Trapp de A Noviça Rebelde (1965), musical de Robert Wise vencedor de 5 Oscars, inclusive o de Melhor Filme. Isso, é claro, a despeito da própria opinião do ator, que não gostava do filme e nem do personagem, e chegou a declarar em mais de uma ocasião não entender o imenso sucesso da produção e o apelo que a história tinha junto ao público mesmo após tantos anos
PRIMEIRO FILME: Quando o Espetáculo Termina (1958), de Sidney Lumet, no qual já aparecia com o nome em destaque no cartaz, pois só estreou no cinema após mais de uma dezena de créditos na televisão, que lhe deram certa popularidade
ÚLTIMO FILME: Verdade e Honra (2019) foi o último a ser lançado, direto em streaming, enquanto que Entre Facas e Segredos (2019) foi o último a ser exibido nos cinemas. Participou ainda, como dublador, da animação Heroes of the Golden Maks (2021), ainda inédita
FILMES ESQUECÍVEIS: O filme com menor cotação no Rotten Tomatoes é O Impostor (2014), thriller em que aparece ao lado de John Travolta e conta com apenas 9% de aprovação por parte da crítica especializada. Também desnecessárias foram a refilmagem hollywoodiana Elsa & Fred (2014), a releitura Dracula 2000 (2000), no qual aparecia como o caça-vampiro Van Helsing, ou a fantasia espacial Starcrash (1978), feita às pressas para aproveitar o sucesso do gênero iniciado com Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977).
GUILTY PLEASURE: Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida (1991), no qual apareceu como o vilão Chang, um general Klingon de bigode e tapa-olho, que tinha como hábito citar Shakespeare, em meio a uma forte maquiagem que lhe ofereceu uma das mais divertidas – e bizarras – caracterizações de toda a sua carreira
FILMES PERDIDOS: Assim como Sean Connery, seu colega em O Homem que Queria ser Rei (1975), Plummer também recusou o convite para viver Gandalf na trilogia O Senhor dos Anéis (2001-2003), o que lhe representou um prejuízo de aproximadamente US$ 450 milhões. Posteriormente, declarou se lamentar da decisão. Também recusou o papel de protagonista de Ipcress: Arquivo Confidencial (1965) – Michael Caine foi chamado para substituí-lo – para estrelar A Noviça Rebelde (1965) no lugar
PAPEL FAVORITO: Apesar da longa carreira no cinema, que durou quase sete décadas, a performance dele mesmo que mais lhe emocionava havia sido nos palcos: como o protagonista de Henrique V, que interpretou em 1956. “Acho que foi a mais excitante experiência teatral que já tive, e significou muito para mim enquanto canadense, pela oportunidade de ter unido no mesmo palco nossas duas culturas, inglesa e francesa, tudo ao mesmo tempo e em ambas as línguas”, declarou em 2017. No cinema, costumava apontar sua performance como Mike Wallace em O Informante (1999) como a responsável pelo seu renascimento como ator: “a partir do momento em que esse filme foi lançado, novos roteiros começaram a ser enviados para mim, mais bem escritos e num nível acima de produção. Tudo mudou a partir daí”.
PREMIAÇÕES: Recebeu três indicações o Oscar, todas como Melhor Ator Coadjuvante, tendo ganho por Toda Forma de Amor (2010) – sendo que, aos 82 anos, se tornou o mais velho vencedor do prêmio. Pelo mesmo filme ganhou o Globo de Ouro, o Bafta, o Critics Choice Award, o Independent Spirit, o National Board of Review, o Screen Actors Guild Award e mais de uma dezena de troféus de associações regionais de críticos de todo os Estados Unidos. Recebeu ainda, ao longo de sua vida, dois Emmys (o ‘Oscar’ da televisão) e dois Tonys (o ‘Oscar’ do teatro). Foi indicado uma vez ao Grammy (em 1986, como “Melhor Gravação para Crianças”, por sua interpretação vocal na versão de O Quebra-Nozes, de Tchaikovsky). Foi o único reconhecimento que lhe faltou para ser considerado um EGOT Winner, vencedor das quatro maiores premiações do cenário artístico norte-americano (Emmy – Grammy – Oscar – Tony)
FRASE INESQUECÍVEL: “O Diabo é mais interessante do que Deus” (ao explicar porque preferia interpretar personagens vilanescos)