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Eva Wilma Riefle Buckup Zarattini. Ou apenas Eva Wilma, como se tornou conhecida por milhões de brasileiros ao longo de uma carreira de mais de sete décadas. Reconhecida por sua excelência tanto nos palcos como nas telas, pequenas ou grandes, a atriz que começou como dançarina se consagrou pela presença constante em telenovelas que invadiam as casas de todo o país, pela postura envolvente que demonstrava a cada nova produção teatral e também pelos papéis discretos, porém marcantes, que deixou impressos em película. Foi destaque, ao todo, em mais de 80 produções para o cinema e televisão, além de diversas peças, fotonovelas e teleteatros. Foi indicada a mais de uma centena de prêmios ao longo de sua trajetória (ganhou dezenas deles) e ainda teve tempo de ter uma vida plena também no âmbito familiar, tendo casado duas vezes e tido dois filhos e cinco netos. Ao falecer, em 15 de maio de 2021, em decorrência de um câncer de ovário que a levou a permanecer internada por exatamente um mês no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, encerra consigo uma das jornadas mais bem-sucedidas do cenário cultural brasileiro.

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Filha de Otto Riefle Jr., metalúrgico alemão nascido em Pforzheim, pequena cidade próxima de Stuttgart, no sul da Alemanha, que havia chegado ao Brasil em 1929, aos 19 anos, para trabalhar na metalúrgica Levy-Frank, no Rio de Janeiro, e de Luiza Carp, uma portenha judia de ascendência russa, era considerada fruto da folia nacional – os pais haviam se conhecido durante uma festa de carnaval! Estudou em colégios tradicionais da capital paulista: Elvira Brandão, Ofélia Fonseca e Rio Branco. Desde pequena demonstrava interesse pelo mundo artístico, tendo tido de aulas particulares de canto, piano e violão – essas com a mestra musical Inezita Barroso! Aos 14 anos iniciou sua carreira profissional como bailarina clássica, quando, ao lado de uma amiga, passou a dar aulas de balé. Na mesma ocasião, chegou a ser contratada pelo Holliday On Ice, um dos maiores festivais de patinação no gelo do mundo, mas teve sua participação proibida pelos pais, que almejavam outro futuro para a filha – algo mais clássico, e menos showbiz.

Mas a afeição pelos holofotes acabou falando mais alto. Em 1953, se apresentou durante as comemorações do IV Centenário de São Paulo, como parte da companhia São Paulo Ballet, de Maria Oleneva. No terceiro mês de atividades já chamava atenção, e foi quando começaram a chegar convites para atuar. O produtor e diretor José Renato, do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), a chamou para formar a primeira turma do que se tornaria conhecido como Teatro de Arena – um dos mais importantes movimentos do gênero no país. Durante sua estada com o grupo interpretou textos referenciais, como A Megera Domada, Um Bonde Chamado Desejo, Esperando Godot e outros. Na mesma época foi chamada para a primeira participação no cinema. Sua estreia se deu como figurante na comédia Uma Pulga na Balança (1953), do diretor italiano Luciano Salce, produzido pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz.

O cineasta logo deve ter se arrependido de ter lhe dado um papel tão pequeno, pois no mesmo ano Eva Wilma estrearia na televisão com o seriado Alô, Doçura (1953), que se tornaria uma comoção nacional e permaneceria no ar durante uma década. Nele, já como protagonista, fazia par romântico com o ator John Herbert, com quem se casaria dois anos depois e permaneceria junto por 21 anos. O casal teve dois filhos, a diretora Vivian Cuckup e o músico John Herbert Junior (que atende, atualmente, pela alcunha de Johnny Beat). Os dois lhe deram cinco netos: Miguel, nascido em 1986, e Mateus, de 1990, filhos de Vivian, e Gabriela, de 1987, Francisco, de 2000, e Vitorio, de 2006, filhos de Junior.

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Eva Wilma em “A Ilha” (1963)

O sucesso na telinha estimulou novos trabalhos no cinema. Protagonizou dois longas ao lado do grande Procópio Ferreira: O Homem dos Papagaios (1953) e A Sogra (1954), ambos de Armando Couto. Foi estrela da cinematografia Francisco Alves: Chico Viola Não Morreu (1955), uma co-produção da Atlântida com a Sonefilme, da Argentina. Diversificou seus registros ao aparecer no policial Cidade Ameaçada (1960), de Roberto Farias, no suspense O Quinto Poder (1962), de Alberto Pieralisi, e na aventura A Ilha (1963), de Walter Hugo Khouri. Tamanha produtividade chamou a atenção de realizadores estrangeiros, como o norte-americano Richard Cunha, que a dirigiu em A Moça do Quarto 13 (1960), filmado em São Paulo e que contou com participações de John Herbert e Brian Donlevy (ator indicado ao Oscar), e o alemão Horst Hachler, em Noites Quentes em Copacabana (1963), filmado no Rio de Janeiro e que obteve na época de seu lançamento grande repercussão na Europa. Será para sempre lembrada, no entanto, por seu trabalho seguinte: Luciana, a jovem e ambiciosa esposa do protagonista vivido por Walmor Chagas em São Paulo: Sociedade Anônima (1965), de Luiz Sérgio Person.

Wilma revelou, anos depois, que tal desempenho chegou a despertar interesse até no mítico cineasta Alfred Hitchcock, que teria lhe convidado para um teste para o filme Topázio (1969), para viver a personagem Juanita de Cordoba – uma das estrelas da produção, que em sua trama fala de um espião francês que, durante a Guerra Fria, se envolve com Crise dos Mísseis de Cuba ao lado de uma agente secreta russa. Mesmo estando nos Estados Unidos quando o convite lhe foi feito, a brasileira educadamente recusou o chamado, pois ali se encontrava apenas de passagem, durante uma viagem de férias, e não tinha interesse em se afastar do Brasil e da família – marido e filhos pequenos – por tanto tempo. O papel acabou ficando com a alemã Karin Dor – naquele que se tornou um dos trabalhos mais conhecidos de toda a sua carreira.

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Walmor Chagas e Eva Wilma em “São Paulo: Sociedade Anônima” (1965)

Apesar de seguir atuando na tela grande, tendo marcado presença em títulos como Asa Branca: Um Sonho Brasileiro (1980), de Djalma Limongi Batista, e Feliz Ano Velho (1987), de Roberto Gervitz, se consolidou, a partir dos anos 1970, como uma das mais populares atrizes da televisão brasileira. Personagens como as gêmeas Ruth e Raquel, de Mulheres de Areia (1973), e Dinah, de A Viagem (1975) – vividas nas refilmagens por Gloria Pires e Christiane Torloni, respectivamente – e a vilã Altiva, de A Indomada (1997), lhe valeram o prêmio de “melhor atriz de televisão do ano” pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Além dessas, esteve também em O Direito de Nascer (1978), Ciranda de Pedra (1981), Champagne (1983), Roda de Fogo (1986), Sassaricando (1987), Pedra Sobre Pedra (1992), O Rei do Gado (1996), Fina Estampa (2011) e Verdades Secretas (2015). Sua despedida na telinha foi em O Tempo Não Para (2018). No mesmo ano, teve também seu último trabalho no cinema, aparecendo ao lado de Helena Ranaldi no curta Minha Mãe, Minha Filha (2018).

Após se separar de John Herbert em 1976, casou-se com Carlos Zara, com quem permaneceu até a morte dele, em 2002 (ficaram 25 anos juntos). Entre as dezenas que prêmios e troféus que recebeu, um dos últimos foi o Cidade de Gramado, no Festival de Cinema de Gramado, em 2012, pelo conjunto de sua obra. Foi homenageada pelo mesmo motivo pelo Festival de Cinema de Vitória (2001), Prêmio Arte Qualidade Brasil (2001), Prêmio Pró-TV (2004), Curta Santos (2006), Festival de Maringá (2006), Prêmio Shell (2013), Prêmio APCA Especial (2013), Festival de Teatro Ibero-Americano (2014), Festival de Cinema da Lapa (2017), Prêmio Aplauso Brasil (2018), Troféu Mario Lago (2018), Prêmio CinEuphoria (2019) e Prêmio Cesgranrio de Teatro (2020). Recebeu, ainda, a Ordem de Mérito Cultural, em 2018. Outro marco foi o reconhecimento especial recebido no Festival de Berlim, pela sua performance em A Ilha (1963).

Em 2016, foi hospitalizada devido a uma embolia pulmonar leve, permanecendo internada por três semanas. Em 10 de janeiro de 2021, no entanto, teve que novamente dar entrada em um hospital, direto na Unidade de Tratamento Intensivo, devido a uma pneumonia leve. Segundo os médicos que a atenderam na ocasião, seu quadro não era considerado grave, mas mesmo assim todos os cuidados estavam sendo tomados por precaução. No mesmo ano, em 15 de abril, mais uma vez precisou se internar, dessa vez no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para tratar de problemas cardíacos e renais. Em 7 de maio foi descoberto um câncer no ovário. Eva Wilma veio a morrer logo depois, em 15 de maio de 2021, devido a uma insuficiência respiratória ocasionada pela disseminação do câncer pelo corpo. E assim colocou um ponto final, aos 87 anos, em uma jornada de absoluto sucesso.

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FILME IMPRESCINDÍVEL: São Paulo: Sociedade Anônima (1965), de Luiz Sérgio Person

PRIMEIRO FILME: Uma Pulga na Balança (1953), comédia de Luciano Salce, como figurante

ÚLTIMO FILME: Minha Mãe, Minha Filha (2018), curta de Alexandre Estevanato

FILME ESQUECÍVEL: O Menino Arco-Íris (1983), de Ricardo Bandeira, uma releitura da infância de Jesus Cristo

GUILTY PLEASURE: Cada um Dá o que Tem (1975), pornochanchada bastante comportada em que aparece ao lado do então marido John Herbert

FILMES PERDIDOS: Topázio (1969), do mestre Alfred Hitchcock, que chegou a convidá-la para um teste, mas a atriz recusou, por não querer se afastar do Brasil

PAPEL FAVORITO: No cinema, será para sempre lembrada pela Luciana de São Paulo: Sociedade Anônima. Porém, dentre todos os personagens que viveu, talvez o que lhe tenha dado mais prazer – e também tenha sido o mais popular – seja a vilã Altiva, da novela A Indomada. Sobre ela, declarou: “era uma personagem que me deu chance de vale-tudo. É o que a gente chama de personagens de olé – de tourada! Porque eu podia fazer as cenas de um jeito inusitado – e eu adorava imaginá-las. Altiva era uma mulher cheia de vivências, traumas e loucuras”.

PREMIAÇÕES: No cinema, talvez o mais importante reconhecimento que recebeu foi o Troféu Cidade de Gramado, no Festival de Cinema de Gramado, em 2012, pelo conjunto de sua obra. Recebeu, ainda, o Prêmio Saci por Chico Viola Não Morreu e por Cidade Ameaçada, foi premiada como Melhor Atriz Coadjuvante por Feliz Ano Velho no Festival de Natal, ganhou uma Menção Honrosa no Cine PE – Festival de Recife por O Signo da Cidade

FRASE INESQUECÍVEL: “A matéria-prima do ator, além do físico, é a imaginação. Essa criatividade está dentro de fora. Acho que tem um dedinho de Deus no meio disso”, declarou ao site Memória Globo.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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