A comédia é um gênero nobre. Fazer rir, seja das vicissitudes da condição humana ou mesmo das pequenas trapalhadas cotidianas, é uma verdadeira arte, embora, especialmente no cinema, o drama muitas vezes ganhe ares de importância, enquanto essa sua prima engraçada é relegada ao segundo plano. Pois, Jerry Lewis, um dos grandes homens do riso, faleceu na manhã deste 20 de agosto, em Las Vegas, a terra das luzes e dos jogos escolhida pelo artista para ser a sua derradeira casa. Nascido Joseph Levitch, em Newark, em 16 de março de 1926, numa família de judeus russos, Lewis era filho de Danny Levitch, mestre de cerimônia e ator de Vandeville (que utilizava o nome artístico Danny Lewis) e da pianista Rachel Rae Levitch. Com cinco anos sua vocação já se impunha, o que o levou a começar a atuar. Aos quinze, o talento nas dublagens fez dele famoso. Mais adiante, formou-se na Irvington High School, de Irvington, Nova Jersey. Trabalhou com entretenimento noturno até encontrar, em 1944, o grande parceiro de sua carreira, o cantor Dean Martin, com quem alçou voos ambiciosos.
Então já se apresentando como Jerry Lewis – bom lembrar que era frequente, no showbusiness da época, os artistas judeus utilizarem pseudônimos para fugir dos estigmas impingidos por manifestações antissemitas –, ele fez a primeira apresentação ao lado do amigo em 1946, então com 20 anos, no show Martin e Lewis, em Atlantic City. O que diferenciava esta de outras duplas de cômicos era a espontaneidade das interações, o improviso com que eles trocavam diálogos e gags afiados. No fim da década de 40, ou seja, por conta de uma trajetória meteórica, eles já eram conhecidos nacionalmente. Dos palcos aos microfones do rádio, logo depois à televisão, eles galgaram rapidamente os degraus da fama. E, claro, o cinema não deixaria passar um fenômeno desses sem cooptá-lo. Logo, a Paramount Pictures contratou os dois para uma série de filmes. Hollywood não se arrependeria de tal movimento. O cinema se rendeu à química estabelecida entre Martin, o cantor elegante, e Lewis, o palhaço imprevisível. O primeiro filme deles, Amigo da Onça (1949), já os consagrou na telona.
Os anos 50 foram realmente da dupla Martin e Lewis. Eles protagonizaram nada menos que 16 longas-metragens em oito anos, um número assombroso, ainda mais se levarmos em consideração a qualidade dos filmes em questão. São dessa leva, Malucos do Ar (1952), O Biruta e o Folgado (1952), Artistas e Modelos (1955) e Ou Vai ou Racha (1956). Nesse meio tempo, receberam convites para atuar regularmente na televisão, numa série da NBC chamada Colgate Comedy Hour. Aliás, foi especificamente durante esse período que Jerry Lewis iniciou o seu envolvimento com as associações de combate à distrofia muscular, causa por ele abraçada dali em adiante com paixão e empenho. A parceria entre Martin e Lewis se encerrou depois de O Rei do Laço (1956), dirigido por Norman Taurog. Ambos fizeram muito sucesso em suas carreiras solo, e se recusaram a comentar os motivos que os levaram a romper o vínculo. Eles se reencontrariam novamente em 1976, no programa beneficente de Lewis, o Jerry Lewis MDA Telethon, e se reconciliariam em 1987, após a morte do filho de Martin, Dean Paul Martin.
A colaboração com o cineasta Frank Tashlin também é determinante para o sucesso de Jerry Lewis. Eles fizeram diversos filmes juntos antes de Lewis debutar na direção com o clássico O Mensageiro Trapalhão (1960). A partir daí, Lewis conduziu boa parte dos longas-metragens que protagonizou, tendo produzido alguns deles, o que garantia um controle raro sobre os seus rumos. O Professor Aloprado (1963) é um dos títulos mais emblemáticos dessa leva em que Lewis pôde exercer com relativa liberdade a sua autoria singular. Seguiu na ativa cinematograficamente até Qual o Caminho para a Guerra? (1970), ficando após isso praticamente 11 anos sem voltar a protagonizar um filme. Há, porém, nesse intervalo, a realização de The Day the Clown Cried (1972), longa-metragem nunca terminado e/ou lançado, sobre um palhaço num campo de concentração nazista. Lewis disse posteriormente não ter ficado satisfeito com o resultado, o que o fez barrar a continuidade do projeto. Em 1983, ele estrelou O Rei da Comédia, de Martin Scorsese, contracenando com Robert De Niro, recebendo elogios por sua performance.
Nas próximas décadas, aliás, ele foi bastante celebrado por performances dramáticas. Jerry Lewis passou pela Broadway, viu seu nome ser colocado no panteão dos grandes autores, especialmente pelos críticos da revista Cahiers du Cinéma, Aliás, em março de 2006, o Ministério da Cultura da França o premiou com a Légion d’Honneur, nomeando-o como “O palhaço favorito dos Franceses”. E, nessa trajetória brilhante, o artista chegou a trabalhar em filme brasileiro, fazendo uma participação em Até que a Sorte nos Separe 2 (2013), abrilhantando com sua presença indefectível a realização de Roberto Santucci. Jerry Lewis foi um homem reconhecido tanto por seu talento quanto pelo engajamento em diversas causas nobres. Mesmo com a idade avançada, ele continuava na ativa. Pôde ser visto até outubro do ano passado em apresentações em Las Vegas. Ele foi casado duas vezes, com a cantora Patti Palmer e com a dançarina SanDee Pitnick, tendo dois filhos do primeiro matrimônio e um do segundo. Jerry Lewis faleceu no dia 20 de agosto de 2017, aos 91 anos, de causas naturais, de acordo com a família.
Filmes imprescindíveis: O Mensageiro Trapalhão (1960) e O Professor Aloprado (1963)
Primeiro filme: Amigo da Onça (1949)
Último filme: A Sacada (2016)
Guilty pleasure: Até que a Sorte nos Separe 2 (2013)
Oscar: Recebeu um Oscar em 2009 por seu trabalho humanitário
Frase inesquecível: “Quando dirijo, me faço de pai; quando escrevo, me faço de homem; quando atuo, me faço de idiota.”