Ator, diretor, produtor, crítico de cinema. José Wilker era autoridade quando o assunto era sétima arte. Dono de uma vasta carreira, com papéis inesquecíveis no cinema e na televisão, Wilker faleceu neste sábado, dia 5 de abril, vítima de um infarto, aos 69 anos. A perda de seu talento é inestimável. Muito ativo tanto na tevê quanto no cinema, o ator ainda nos presenteava com grandes performances, com personagens que se transformavam em figuras populares graças a sua forma de interpretá-las.
José Wilker nasceu em Juazeiro do Norte, no Ceará, em 20 de agosto de 1944. Começou a trabalhar em rádios no Nordeste até se mudar, ainda adolescente, para o Rio de Janeiro. Lá, iniciou uma carreira que se mostraria muito bem sucedida. Seu primeiro papel no cinema foi em A Falecida (1965), com Fernanda Montenegro como protagonista. Seis anos depois, o sucesso começava a chegar. Protagonizou, no mesmo ano, o filme Os Inconfidentes (1971), como Tiradentes, e participou de sua primeira novela, Bandeira 2, na qual interpretava o filho do protagonista, Paulo Gracindo. Em 1976, protagonizaria sua primeira novela, Anjo Mau, e levaria milhares de brasileiros aos cinemas no papel de Vadinho em Dona Flor e seus Dois Maridos. Wilker conseguia isso como poucos – equilibrar uma carreira bem sucedida na tevê com papéis relevantes no cinema. Vide suas participações em Bye Bye Brasil (1979) e Plumas & Paetês; O Homem da Capa Preta (1986) e Roque Santeiro; Dias Melhores Virão (1989) e O Salvador da Pátria. Nos anos 90, estrelou ao lado de Sean Connery o filme hollywoodiano O Curandeiro da Selva (1992), dirigido por John McTiernan. Mais recentemente, emprestou seu talento em papéis menores, mas que faziam toda a diferença em filmes como Romance (2008), O Bem Amado (2010) e Elvis e Madona (2010). Wilker, diretor com grande trajetória na televisão, estreou como cineasta em 2013, no irregular Giovanni Improtta, filme que trazia de volta o seu popular personagem da novela Senhora do Destino.
Com uma carreira diversa, com mais de quarenta longas-metragens, a tarefa de escolher apenas cinco filmes representativos do ator é dificílima. Na lista abaixo, uma pequena amostra do que José Wilker apresentou ao seu público em quase cinquenta anos de carreira. E se o seu filme favorito não está na lista, comente e faça seu tributo ao ator.
Por muito tempo, Dona Flor e seus Dois Maridos manteve a marca de maior bilheteria de um filme brasileiro no país. O público foi em peso aos cinemas assistir as estripulias da personagem título, vivida por Sônia Braga, uma mulher dividida entre dois homens. Ou quase. Dona Flor era casada com um malandro incorrigível chamado Vadinho (José Wilker). Um amante arrebatador, mas sacana como poucos. Quando ele morre de forma precoce, Flor recorre aos braços acolhedores (e monótonos) do farmacêutico Teodoro Madureira (Mauro Mendonça), com quem se casa posteriormente. O problema é que Vadinho está morto, mas não foi desta para uma melhor – ele volta para reencontrar sua esposa, como um espírito, deixando-a ora em apuros, ora em êxtase. Adaptado da obra de Jorge Amado e dirigido por Bruno Barreto, o filme tem nas performances de Sônia Braga e José Wilker seus principais predicados.
Exibido no Festival de Cannes, Bye Bye Brasil é um filme obrigatório para qualquer cinéfilo. Dirigido por Carlos Diegues, o longa foi lançado na época em que a Ditadura Militar começava a mostrar sinais de desgaste, e alusões ao período já podiam ser feitas através das artes. Na trama, a Caravana Rolidei rodava os cantos mais escondidos do Brasil, levando entretenimento à população pobre – aqueles que, ao menos, não tinham televisão ainda. Assim que a caravana passava por uma comunidade que apresentava as “espinhas de peixe”, as antenas nos telhados, sabia que podia passar reto. A tevê garantia o fracasso da trupe. José Wilker vivia o líder da caravana, o mágico Lorde Cigano, que ao lado da bela Salomé (Betty Faria) e do gaiteiro Ciço (Fábio Jr.), tentava levar alegria ao povo – e, claro, garantir seu sustento. Ainda que tenha saído sem a Palma de Ouro em Cannes, Bye Bye Brasil teve mais sorte no Festival de Havana, de onde saiu com dois prêmios – dentre eles, Melhor Diretor.
Um dos filmes mais premiados da carreira de José Wilker, O Homem da Capa Preta não foi lançado sem polêmicas. Cinebiografia do político Tenório Cavalcanti, homem conhecido por sua brutalidade, não faltaram vozes criticando o filme de Sérgio Rezende por glamourizar a figura daquele ex-deputado. Cheio de frases de efeito e com Wilker inspiradíssimo no papel, o longa-metragem conta a história do advogado e político que saiu do nordeste, pobre, e subiu paulatinamente ao poder ao chegar em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Sempre acompanhado de Lurdinha – uma metralhadora – Tenório mandava e desmandava sendo uma mistura de político e justiceiro. No Festival de Gramado, venceu os Kikitos de Melhor Filme, Trilha Sonora, Atriz, para Marieta Severo, e ator, para José Wilker. O longa-metragem também concorreu no Festival de Moscou, em 1987, mas saiu de lá sem prêmios.
José Wilker foi Tiradentes em Os Inconfidentes (1972), Tenório Cavalcanti em O Homem da Capa Preta (1986), Juscelino Kubitschek na série televisa JK (2006). Talvez um dos maiores desafios na carreira do ator tenha sido interpretar outra figura de relevância histórica para o Brasil, Antônio Conselheiro, no épico de Sérgio Rezende Guerra de Canudos (1997). Com 165 minutos de duração, quatro anos de trabalho e 6 milhões de dólares de orçamento, esta produção foi uma das maiores à época no País, ambiciosa ao tentar apresentar aos espectadores um dos conflitos mais conhecidos e sangrentos de nossa história. Wilker vivia o messiânico Conselheiro, figura que liderou insurgentes em Canudos, na Bahia, contra forças do exército que desejavam desmantelar aquela reunião de sertanejos. O resultado final foi um banho de sangue. O inchado filme de Rezende podia ter problemas de ritmo, mas a performance de Wilker como Antônio Conselheiro até hoje é saudada como uma das suas melhores performances.
Voltando a trabalhar com Carlos Diegues, com quem já havia feito Bye Bye Brasil (1979) e Dias Melhores Virão (1989), O Maior Amor do Mundo foi o último grande papel dramático de José Wilker nos cinemas. O longa conta a história do aborrecido astrofísico Antônio (Wilker), um homem que chegou ao topo no que diz respeito a sua carreira, mas que falhou em sua vida pessoal. Ao saber que está prestes a morrer devido a um tumor inoperável no cérebro, Antônio volta ao Brasil e enfrenta um fato que até então desconhecia: a verdade sobre seus pais biológicos. Tentando descobrir suas origens, o estudioso se embrenha na periferia do Rio de Janeiro, onde conhece uma realidade diferente da qual está acostumado. Suas descobertas farão com que muita coisa mude no pouco de vida que ainda lhe resta. José Wilker consegue mostrar a transformação pela qual seu personagem passa durante a trama sem apelar para soluções fáceis. O Antônio de Wilker é um homem sério, preocupado e, porque não dizer, chato. Apesar destas características, sua construção consegue acertar em cheio o espectador, que se envolve com a história por se importar com essa figura tão peculiar. O Maior Amor do Mundo saiu premiado do Festival Internacional de Cinema de Montreal e no festival francês de Biarritz.