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Você não precisa soletrar corretamente seu nome para apreciar visceralmente a obra de Krzysztof Kieslowski, polonês que viveu apenas 54 anos, 28 deles dedicados a uma filmografia excepcional, na qual poucos críticos de cinema ousaram classificar apenas um filme como sendo sua obra-prima.

Nascido na Varsóvia em 27 de junho de 1941, o filho de Bárbara e Roman Kieslowski cresceu entre diferentes cidades polonesas em meio aos espectros de Hitler e Stalin, enquanto seu pai, um engenheiro que sofria de tuberculose, procurava tratamento adequado para sua doença. Ao completar 16 anos, Krzysztof se aventurou por uma escola de treinamento para bombeiros, porém desistiu após três meses e passou algum tempo sem quaisquer perspectivas profissionais – algo perigoso para um jovem na metade dos anos 1950. Ao tomar contato com uma escola para técnicos de teatro em sua cidade natal, que era dirigida por um parente não muito próximo, decidiu experimentar algumas vivências no universo artístico – algo que o levou a buscar sonhos e objetivos maiores, estes já impressos em películas cinematográficas.

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Depois de duas tentativas frustradas de ingressar na Escola de Cinema de Lodz, foi posteriormente aceito pela mesma academia que formou cineastas de renome internacional, como Andrzej Wajda e Roman Polanski. Entre 1964 e 1968, época em que o governo polonês permitia ampla liberdade à criatividade artística, Kieslowski frequentou a escola e desenvolveu suas aptidões ao fazer cinematográfico. Sobre o período de formação, o cineasta afirmou o seguinte certa vez, com muito bom humor: “Eu fiquei muito feliz quando entrei na escola de cinema. Eu finalmente satisfiz minha ambição de mostrar para eles que eu podia entrar – nada mais – ainda que eu acredite que eles não deveriam ter me aceitado. Eu era um completo idiota. Não consigo entender porque eles me aceitaram… Provavelmente porque me inscrevi três vezes”.

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No período em que estudou em Lodz, realizou uma série de documentários em curta-metragem e passou a ser aclamado em festivais nacionais e internacionais. Seu primeiro longa-metragem foi lançado apenas em 1976; A Cicatriz, drama pautado no realismo social – característica que marcaria sua filmografia durante os anos seguintes – que reconstrói a revolta de uma cidade interiorana contra um projeto industrial problemático. Seu drama seguinte, Amador (1979), discorre em aspectos filosóficos e idealistas sobre a função da arte e o papel do artista, numa trama que segue um homem que, ao comprar uma câmera 8mm, se torna o cineasta oficial de um partido político. Seis anos depois Kieslowski realizou Sem Fim (1985), que expunha julgamentos novamente políticos a partir da perspectiva do fantasma de um advogado e de sua viúva. No ano seguinte, mais uma vez retrataria uma trama com poderoso e crítico subtexto em Sorte Cega (1987), que apresenta três possíveis fins para a vida de um homem comum após um incidente numa estação de trem.

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Entre 1988 e 1990, Krzystof Kieslowski se dedicou a uma de suas maiores obras – tanto no aspecto que tange a qualidade da mesma quanto seu tempo de produção e duração. Inspirado nos Dez Mandamentos, Decálogo apresenta conflitos morais em diferentes episódios, cada um alusivo a um mandamento distinto. Já intencionado a novas experimentações estéticas, o diretor buscou transmitir sensações e informações pelas imagens e cores, com poucos e certeiros diálogos. Sua poesia imagética passa a ser percebida como assinatura e caracteriza uma nova fase de sua filmografia. Dois dos filmes que compuseram o Decálogo também foram lançados como longa-metragens: Não Matarás (1988) e Não Amarás (1988), que podem ser igualmente apreciados por si só ou como parte dos 10 episódios, produzidos originalmente para a televisão polonesa.

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Os próximos quatro (e derradeiros) filmes de Kieslowski foram coproduções com a França, realizados especificamente a partir de incentivos do produtor e admirador do cineasta Marin Karmitz. As produções, focadas em questões morais e metafísicas, seguiam as experimentações complexas entre narrativa e imagem que o diretor já havia explorado no Decálogo e também em Sorte Cega, porém retratavam aspectos mais abstratos do imaginário do realizador. Seu elenco era diminuto, repleto de histórias e conexões, com aspirações mais íntimas e menos sociais. Os filmes em questão são A Dupla Vida de Véronique (1991) e a Trilogia das Cores, composta por A Liberdade é Azul (1993), A Igualdade é Branca (1994) e A Fraternidade é Vermelha (1994).

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Protagonizado por Irène Jacob, A Dupla Vida de Véronique conquistou considerável sucesso comercial, ainda que apresentasse uma narrativa não necessariamente acessível a um grande público. Vencedor do Júri Ecumênico no Festival de Cannes, o filme explora temas como identidade, amor e a intuição humana a partir da professora de música francesa Véronique e sua dupla, a soprano polonesa Weronika. As duas mulheres não se conhecem, porém dividem uma conexão emocional e inexplicável que transcende a linguagem e a geografia.

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Com o êxito comercial e crítico deste trabalho, Kieslowski pode se focar em seu maior projeto, a Trilogia das Cores, inspirado nas cores da bandeira francesa e na frase emblemática da revolução do país. O cineasta revela uma representação majestosa das palavras liberdade, igualdade e fraternidade em sentidos amplos, adaptáveis e ambíguos, numa entonação pautada nas cores que servem ao ritmo e construção psicológica de seus personagens. Enquanto se cruzam, as histórias protagonizadas por Juliette Binoche, Julie Delpy e novamente Irène Jacob concentram o essencial de Kieslowski. Pelos filmes, o realizador venceu inúmeras láureas, entre elas o Leão de Ouro no Festival de Veneza e o Urso de Prata no Festival de Berlim, além de receber três indicações ao Oscar.

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Após encerrar a Trilogia das Cores, o cineasta anunciou sua aposentadoria sem quaisquer receios e declarou: estava cansado de fazer cinema. Na mesma época, no entanto, começou a escrever o roteiro para uma nova trilogia, com histórias inicialmente intituladas Paraíso, Purgatório e Inferno, inspirado pela Divina Comédia de Dante Alighieri. Infelizmente, antes de concluir seus textos, faleceu em 13 de março de 1996, aos 54, durante uma cirurgia que seguiu um ataque cardíaco. Os três roteiros seriam mais tarde finalizados por um antigo colaborador e amigo, Krzysztof Piesiewicz, e apresentados nos filmes Paraíso (2002), Inferno (2005) e Esperança (2007).

Seja pela pluralidade de temas que percorriam suas narrativas, pelo olhar e cuidado excepcionais do cineasta em filmar a intimidade humana a partir de seu âmago ou por infindáveis outros motivos, Krzysztof Kieslowski ocupará sempre lugar destacado no panteão dos deuses cineastas.

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Filme imprescindível: A Liberdade é Azul (1993);

Primeiro filme: A Cicatriz (1976);

Último filme: A Fraternidade é Vermelha (1994);

Guilty pleasure: Sorte Cega (1987), drama político esquecido entre tantas obras irretocáveis de Kieslowski;

Legado: Mesmo após se aposentar, Krzysztof Kieslowski ensaiava um retorno ao métier cinematográfico com uma nova trilogia, composta por filmes intitulados Céu, Inferno e Purgatório. Seus três roteiros foram posteriormente adaptados por outros realizadores: Paraíso (2002), de Tom Tykwer, Inferno (2005), de Danis Tanovic, e Esperança (2007), de Stanislaw Mucha.

Oscar: Foi indicado ao Oscar de Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original pelo filme A Fraternidade é Vermelha (1994), sua última obra.

Frase inesquecível: “Diferentes pessoas em diferentes partes do mundo podem ter o mesmo pensamento no mesmo tempo. Esta é uma obsessão minha: que pessoas diferentes em lugares diferentes pensam a mesma coisa, mas por razões diferentes. Eu tento fazer filmes que conectam pessoas.”

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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