O nome de Marlene Dietrich não demora a surgir na mente de qualquer cinéfilo que se preze quando o assunto é glamour da era de ouro de Hollywood. Atriz é pouco para defini-la. Cantava, dançava, interpretava. Uma artista completa. Era uma voz aguda contra o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial, chegando a viajar junto às tropas aliadas para injetar moral nos soldados – o fato de ter nascido na Alemanha não a impediu momento algum de se mostrar contrária ao Terceiro Reich. Em suma, uma musa, que nos deixou em 6 de maio de 1992 aos 90 anos de idade. Antes disso, deixou marcada toda uma geração com papéis importantes em filmes de mestres como Alfred Hitchcock, Orson Welles, Billy Wilder, Fritz Lang e, claro, seu parceiro de início de carreira Josef von Sternberg.
Dietrich nasceu em Berlim, em 27 de dezembro de 1901, e seu nome artístico Marlene é uma junção de seus dois primeiros nomes de batismo: Marie Magdalene. Estudou em escolas apenas para meninas, se formando em 1918. Tinha grande apreço pela música, tentando uma carreira como violinista. Mas logo os palcos e as artes cênicas lhe chamaram mais a atenção. Estrelou diversas peças na década de 1920 – de pequenos a grandes papéis – e recebeu sua primeira chance no cinema em 1923, no filme mudo A Chave de Ouro. Foi naquele ano que ela conheceu seu primeiro e único marido, Rudolph Sieber, nos sets do filme Tragôdie der Liebe. Em 1924, tiveram sua única filha, Maria Riva. O casal nunca se divorciou, ainda que tenham se separado tempos depois. Dietrich era conhecida por seus casos com os atores com quem dividia a cena. Bissexual, costumava dizer que sexo era melhor com mulheres, ainda que fosse impossível viver com uma.
Seu primeiro grande papel no cinema foi em 1930, dirigida por Josef von Sternberg, no clássico O Anjo Azul. Interpretando a cantora de cabaré Lola Lola, cativou plateias do mundo todo – o filme, inclusive, foi gravado em duas línguas diferentes, alemã e inglesa, pelo mesmo elenco. Era o empurrão necessário para que a artista tentasse a sorte nos Estados Unidos. Levada por Sternberg, sua estreia em Hollywood se deu com outro papel de cantora, no longa Marrocos (1930), sua primeira e única indicação ao Oscar. Contratada pela Paramount, a atriz veio a filmar outros cinco filmes com o diretor, que ajudou a formatar a persona femme fatale da estrela: Desonrada (1931), O Expresso de Shanghai (1932), A Vênus Loura (1932), A Imperatriz Galante (1934) e Mulher Satânica (1935). Como estes dois últimos não deram grandes bilheterias, a parceria acabou sendo desfeita, ainda que Mulher Satânica tenha sido o filme preferido de Dietrich.
Mudando um pouco sua característica, a musa aceitou estrelar uma comédia romântica em 1936, dirigida por Frank Borzage. Intitulada Desejo, foi um grande sucesso, mas não suavizou seus dois fracassos seguidos, Jardim de Alá (1936) e O Amor Nasceu do Ódio (1937). Com salário altíssimo, um dos maiores da época, e com pouca vendagem de ingressos, Dietrich foi apelidada de “veneno das bilheterias”. Mas, felizmente, por pouco tempo. Logo os bons papéis voltaram e ela pode brilhar em Anjo (1937). Foi nesta época que ela mostrou coragem sem precedentes, mandando um retumbante não a Adolf Hitler, que queria que ela voltasse ao seu país de origem para fazer filmes pró-regime nazista. Ela não só recusou-se a voltar como se tornou cidadã americana em 1939, viajando com as tropas e vendendo bônus de guerra para ajudar os aliados durante a Segunda Guerra. Naquele mesmo ano, uma grande novidade na carreira: estrelou um western, Atire a Primeira Pedra, ao lado de James Stewart – com quem teve um rápido caso. Foi a primeira de várias produções do gênero que ela estrelaria, a maioria com John Wayne (com quem também teve um affair). São desta época filmes como A Pecadora (1940), Indomável (1942) e Ódio e Paixão (1942).
Por ser uma voz ativa durante a guerra, Marlene Dietrich ficou bom tempo afastada das telas, aparecendo em 1944 em duas produções, Epopeia da Alegria (musical com diversas estrelas em prol dos soldados) e em Kismet, longa de aventura indicado a 4 prêmios da Academia, voltando realmente à ativa em 1946, na produção francesa Mulher Perversa. Em 1948, surgiu o primeiro dos dois trabalhos da atriz com o genial Billy Wilder. Em A Mundana, Dietrich vivia uma cantora de cabaré durante a Segunda Guerra, mulher que vivia um romance com um oficial americano. Nove anos depois, em 1957, ela faria o segundo filme com Wilder, Testemunha de Acusação, um exemplar com verve de Hitchcock de um romance assinado por Agatha Christie no qual a atriz fazia uma dúbia personagem. Com o próprio Mestre do Suspense, Dietrich filmou em 1950 o clássico Pavor nos Bastidores, no qual ela novamente vivia a femme fatale.
A década de 1950 foi a última de atividade constante da atriz no cinema. Trabalhou novamente com James Stewart em Na Estrada do Céu (1951), fez um faroeste dirigida pelo grande Fritz Lang em O Diabo Feito Mulher (1952), teve uma pequena participação no oscarizado Volta ao Mundo em 80 Dias (1956) e dividiu a tela com Orson Welles, Charlton Heston e Janet Leight em A Marca da Maldade (1958). Seu último grande papel cinematográfico foi em Julgamento em Nuremberg (1961). Depois disso, a atriz se voltou ao teatro e a sua paixão pela música. A artista fez muito sucesso durante os anos em que atuou ativamente nas telonas com canções das trilhas sonoras de seus filmes. Falling in Love Again, de O Anjo Azul, poderia ser apontada como um de seus principais sucessos, inclusive. A estrela chegou a gravar diversos discos, muitos deles arranjados pelo insuperável Burt Bacharach.
Voltando às origens e fazendo apresentações em casas de show e cabarés, Marlene Dietrich teve poucos reencontros com o cinema. Em 1978, fez uma pequena participação em Apenas um Gigolô, filme estrelado por David Bowie, e em 1984, participou do documentário Marlene, dirigido por Maximilian Shell, apenas com sua voz – se recusou a aparecer em frente às câmeras no filme que era uma verdadeira homenagem a sua carreira.
Com o passar dos anos, foi deixando os palcos musicais também, principalmente depois de ter se machucado em apresentações no início da década de 1970. Apesar de reclusa, Marlene Dietrich vivia fazendo ligações telefônicas para grandes nomes das artes e da política, mantendo-se longe dos holofotes, mas perto das figuras que dominavam estes cenários. Em 1992, faleceu em seu apartamento em Paris aos 90 anos de idade, sendo sepultada em sua cidade natal, Berlim. Ainda que tenha virado cidadã americana e ter tido uma recepção mista quando retornou à Alemanha em 1960, ela escolheu ser enterrada perto de sua família. O anjo azul voltava para casa.
Filme imprescindível: O Anjo Azul, longa-metragem que apresentou ao mundo a grande atriz;
Primeiro filme: A Chave de Ouro (1923);
Último filme: Apenas um Gigolô (1978);
Guilty pleasure: Cigana Feiticeira (1947), filme no qual ela vivia, com maquiagem pesada e figurino rocambolesco, a personagem título;
Filme Perdido: Quase abocanhou o papel de Margo em A Malvada (1951), quando a atriz Claudette Colbert teve de desistir do filme. Bette Davis foi escalada no lugar e recebeu indicação ao Oscar pelo desempenho.
Seu Filme Preferido: Mulher Satânica (1935), último filme de sua parceria com o diretor Josef von Sternberg. Ela viria a revelar posteriormente que nunca gostou de atuar em filme algum;
Cinebiografia: Maximilian Shell dirigiu um documentário a respeito da estrela com participação da própria Dietrich, aparecendo apenas com sua voz, em Marlene (1984).
Oscar: Foi indicada apenas uma vez, pelo papel em Marrocos (1930). Foi lembrada pelo Globo de Ouro em 1958 por Testemunha de Acusação (1957) e ganhou o David Di Donatello, um dos principais prêmios do cinema italiano, por sua atuação em Julgamento em Nuremberg (1961);
Frase inesquecível: “Pernas não são bonitas. Eu só sei o que fazer com elas”, falando de um de seus principais atributos.