No dia 18 de fevereiro de 1932, Anna Svabova e Rudolf Forman, ela proprietária de um hotel de verão e ele professor, deram à luz ao pequeno Jan Tomas Forman, em Caslav, Checoslováquia. A convivência com os pais, no entanto, foi curta: menos de uma década depois, durante a Segunda Guerra Mundial, o dois foram levados pelos nazistas, acusados de estarem envolvidos com um movimento de resistência. O pai acabou morto em Buchenwald, e a mãe em Auschwitz, dois dos maiores campos de concentração controlados pelos alemães. Órfão, não esqueceu o instinto libertário que herdou dos progenitores, sentimento que o guiou por quase toda a sua carreira.
Já atendendo pelo nome de Milos Forman, conseguiu de formar em Escrita Cinematográfica na Academia de Cinema de Praga (FAMU) – mesma escola em que anos depois passariam os cineastas Agnieszka Holland e Emir Kusturica – no início dos anos 1960. Naquela época começou a dirigir seus primeiros projetos: os documentários Lanterna Mágica II (1960) e Konkurs (1964), e o ficcional Pedro, O Negro (1964), vencedor do Festival de Locarno. A fama não demorou, e no ano seguinte, com a comédia Os Amores de uma Loura (1965), foi indicado ao Oscar pela primeira vez, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro – perdeu para o francês Um Homem, Uma Mulher (1966), de Claude Lelouch – e ao Globo de Ouro, além de ter sido selecionado para o Festival de Veneza. A boa onda continuou com o trabalho seguinte, O Baile dos Bombeiros (1967), novamente selecionado ao prêmio da Academia – desta vez, foi batido pelo russo Guerra e Paz (1966), de Sergey Bondarchuk, um épico com 7 horas de duração!
O caminho estava aberto, e sua terra natal havia ficado pequena demais para tanto talento. Tanto que sua parada seguinte foi Hollywood, onde foi chamado para dirigir Procura Insaciável (1971), uma comédia musical bem recebida pela crítica – recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e seis indicações ao Bafta, na Inglaterra, inclusive a Melhor Filme e Direção – mas falhou em se conectar com o público, naufragando nas bilheterias. Mesmo assim, recebeu uma nova chance – e uma que mudaria sua vida para sempre.
Quando foi convidado pelo produtor Saul Zaentz para comandar a adaptação de Um Estranho no Ninho (1975), seus amigos mais próximos lhe aconselharam a se manter afastado. “Acreditavam que essa era uma história muito americana, e eu, sendo um imigrante recém-chegado, não conseguiria lhe fazer justiça”, declarou anos depois. Ele, no entanto, não só aceitou o desafio, como o fez com bom grado, alegando ter se identificado com a trama, pois lhe lembrava sua própria vida, desde o nascimento até 1968. Segundo ele, “o Partido Comunista era a minha Enfermeira Ratched, que me dizia a todo instante o que eu podia ou não fazer. O que eu podia ou não dizer. Onde eu podia ou não ir. Até mesmo o que eu era e o que eu não era”.
A aposta deu tão certo que Um Estranho no Ninho se tornou um dos maiores sucessos de todos os tempos, ganhando 6 Globos de Ouro, 6 Baftas, prêmios dos sindicatos dos Diretores e dos Roteiristas, e cinco Oscars, em todas as principais categorias – Filme, Direção, Ator, Atriz e Roteiro Adaptado – além de ter recebido outras quatro indicações. Com um resultado desses em mãos, Forman poderia fazer o que quiser. Sua escolha, no entanto, foi inesperada: comandou a adaptação do sucesso da Broadway Hair (1979), aceitando um projeto recusado por George Lucas! Filmado em Nova York com mais de 20 mil extras, foi escolhido como o longa de abertura – fora de competição – do Festival de Cannes daquele ano, além de ter se tornado um sucesso de bilheteria tão impressionante quanto às polêmicas que gerou, rendendo debates acalorados a respeito da mensagem revolucionária defendida em suas canções e personagens.
Na Época do Ragtime (1981), o filme seguinte, sobre um jovem pianista negro que se envolve com a alta classe nova-iorquina no início do século XX, recebeu oito indicações ao Oscar e sete ao Globo de Ouro, sem ganhar nenhuma delas. Se alguns acreditavam que seria o início da sua decadência como realizador, estavam redondamente enganados. Logo voltou à cena com Amadeus (1984), a aclamada cinebiografia do compositor Wolfgang Amadeus Mozart, que se tornou um dos maiores vencedores da história do Oscar: foram 8 estatuetas – inclusive Melhor Filme e Direção – num total de 11 indicações. Ganhou também o Globo de Ouro, 4 Baftas e troféus das academias de cinema da Noruega, Japão, França, Itália, Alemanha e Dinamarca. Com essa vitória, se tornou um dos três únicos cineastas vivos a ter dois longas premiados como Melhor Filme no Oscar. Hoje, com sua morte, restam apenas Francis Ford Coppola (O Poderoso Chefão, 1972, e O Poderoso Chefão II, 1974) e Clint Eastwood (Os Imperdoáveis, 1992, e Menina de Ouro, 2004).
Milos Forman desenvolveu nos anos seguintes uma carreira errática em relação ao cinema. No final do século XX fez dois trabalhos que foram especialmente bem recebidos no Festival de Berlim – por O Povo vs. Larry Flynt (1996), que lhe rendeu sua terceira indicação ao Oscar, ganhou o Urso de Ouro de Melhor Filme, enquanto que por O Mundo de Andy (1999) foi agraciado com o Urso de Prata de Melhor Direção. Durante as filmagens deste último, sua terceira esposa, Martina Forman, ficou grávida de gêmeos, que foram batizados como Andy (por causa de Andy Kaufman, o cinebiografado no filme) e Jim (por causa de Jim Carrey, o protagonista do longa). Foi a segunda vez que Milos se tornava pai de duas crianças ao mesmo tempo: sua mulher anterior, Vera Kresadlová, também teve uma única gravidez, dando à luz a dois meninos: Matej e Petr.
Pouco se comenta, no entanto, sobre outro lado da personalidade artística do cineasta: seu talento enquanto ator. Ainda que sua estreia tenha sido como figurante da comédia Slovo delá Zenu (1953), somente muito tempo depois foi retomar essa atividade, desempenhando personagens coadjuvantes em títulos como A Difícil Arte de Amar (1986), de Mike Nichols, e Tenha Fé (2000), trabalho de estreia na direção do ator Edward Norton – e com quem havia trabalhado antes em O Povo vs. Larry Flynt. E se sua última atuação por trás das câmeras foi uma refilmagem de Dobre Placená Procházka (2009), co-dirigido pelo filho Petr e lançado apenas na República Checa, seu grande adeus das telas foi como Jaromil, o amante da diva Catherine Deneuve na comédia romântica musical Bem Amadas (2011), de Christophe Honoré. E como recusar um convite desses, não é mesmo? Desde então, Milos Forman se manteve afastado do grande público, mas foi somente em 13 de abril de 2018, aos 86 anos, que deu seu último adeus. E como fará falta!
Filme imprescindível: Um Estranho no Ninho (1975), o segundo longa de toda a história – o primeiro foi Aconteceu Naquela Noite (1934), de Frank Capra – a ganhar nas cinco principais categorias do Oscar: Filme, Direção, Ator, Atriz e Roteiro. Desde então, só mais um título até hoje alcançou esse feito: O Silêncio dos Inocentes (1991), de Jonathan Demme.
Filme esquecível: Sombras de Goya (2006), seu ultimo longa feito em Hollywood, estrelado por Javier Bardem e Natalie Portman, que pretendia ser a cinebiografia definitiva do pintor espanhol Francisco Goya, e nem mesmo no país-natal do artista fez sucesso, recebendo apenas três indicações ao Goya (o Oscar espanhol): Figurino, Maquiagem e Efeitos Especiais, sem ganhar nenhuma delas.
Primeiro filme: O documentário Lanterna Mágica II (1960). Já o primeiro de ficção foi Pedro, O Negro (1964), premiado no Festival de Locarno. Agora, a primeira produção em que se envolveu foi a comédia Slovo delá Zenu (1953), em que fez uma ponta como ator, aparecendo como um jovem operário de uma fábrica.
Último filme: De volta ao seu país natal, co-dirigiu, ao lado do filho Peter Forman, a comédia musical Dobre Placená Procházka (2009), refilmagem do telefilme homônimo que ele próprio havia dirigido em 1966, junto com Ján Rohác. Sua última aparição nas telas, no entanto, foi como ator, no francês Bem Amadas (2011), de Christophe Honoré.
Guilty pleasure: Difícil apontar um ‘prazer culposo’ em toda a filmografia de Milos Forman. Talvez o mais próximo disso seja o musical Hair (1979), adaptação do sucesso da Broadway que chocou as audiências mais conservadoras quando foi lançado, já no final dos anos 1970. Mesmo assim, foi indicado a Melhor Filme no Globo de Ouro, a Melhor Filme Estrangeiro no César (França) e premiado como Melhor Diretor Estrangeiro no David di Donatello (Itália). Além de ter uma das trilhas sonoras mais marcantes de todos os tempos: This is the dawning of the Age of Aquarius…
Filme perdido: Assédio Sexual (1994). Ele foi escolhido pelo próprio autor do livro, Michael Crichton, para dirigir o thriller sexual estrelado por Michael Douglas e Demi Moore, mas acabou abandonando o projeto por diferenças criativas. O filme acabou sendo realizado por Barry Levinson, e se tornou um grande sucesso de bilheteria, arrecadando em todo o mundo mais do que quatro vezes o valor do seu orçamento.
Premiações: Oscar (três indicações e duas vitórias, por Um Estranho no Ninho, 1975, e por Amadeus, 1984); Globo de Ouro (quatro indicações e três vitórias); Bafta (quatro indicações e uma vitória); Festival de Berlim (Urso de Ouro de Melhor Filme por O Povo vs. Larry Flynt, 1996, e Urso de Prata de Melhor Direção por O Mundo de Andy, 1999); Festival de Cannes (Grande Prêmio do Júri por Procura Insaciável, 1971); César (Melhor Filme Estrangeiro por Amadeus, 1984); David di Donatello (quatro vitórias); Directors Guild of America USA (duas vitórias mais um troféu honorário); European Film Awards (premiado por O Povo vs. Larry Flynt, 1996); National Board of Review (Prêmio Liberdade de Expressão por O Povo vs. Larry Flynt, 1996, e Prêmio Billy Wilder, pelo conjunto de sua carreira, em 2004);
Frase inesquecível: “Eu sei que isso soa pequeno, e não muito sério, mas acredito profundamente que preciso me divertir. Todos nós precisamos nos divertir – eu, os atores, o câmera, todo mundo precisa se sentir como se estivesse fazer um filme caseiro, porque este é o único modo de elevar o nosso trabalho a um certo grau de leveza”.
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