Nascida Odete Righi Bertoluzzi no dia 17 de abril de 1929, Odete Lara eternizou seu nome entre os grandes do cinema nacional ao ter atuado em mais de quarenta produções ao longo de quase cinco décadas de carreira. A filha única de imigrantes do norte da Itália não chegou a ter descendentes, apesar de ter se casado três vezes. Além de atriz, foi também cantora e escritora. E se durante sua história contou ainda com passagens pelos palcos (poucas, é certo) e pela televisão (ainda mais raras), foi como musa do Cinema Novo que se tornou uma figura popular no cenário cultural brasileiro. E foi assim, ainda que estivesse longe dos holofotes há mais de vinte anos – por decisão própria – que a estrela faleceu, no dia 04 de fevereiro de 2015, na casa de repouso onde morava no Rio de Janeiro, vítima de um infarto.
A tragédia surgiu cedo na vida da pequena Odete. Sua mãe, Virgínia Righi, cometeu suicídio quando a menina tinha apenas seis anos. Isso levou a garota a ser criada em um orfanato de freiras e, posteriormente, por sua madrinha. Sentia muita falta do pai, Giuseppe Bertoluzzi, com quem era muito apegada. Mas assim que entrou na adolescência ele começou a desenvolver uma forte tuberculose, que o impedia de ficar muito próximo da filha. Até que, quando ela tinha 18 anos, ele também se matou, deixando-a órfã. E, sozinha, fez sua vida.
O primeiro emprego foi como secretária e datilógrafa. Uma amiga a estimulou a fazer um curso de modelo no Museu de Arte Moderna de São Paulo, e assim teve registrado um feito e tanto: participou do primeiro desfile da história da moda brasileira, realizado no próprio MASP. Ali foi descoberta por ninguém menos do que o empresário Assis Chateaubriand, que a levou para a recém-inaugurada TV Tupi. Lá foi garota-propaganda e se envolveu em algumas telenovelas ao lado de astros da época, como Tônia Carrero e Paulo Autran, até se tornar estrela do programa TV de Vanguarda, uma das atrações de maior sucesso da emissora. Neste mesmo período estrelou a novela A Volta de Beto Rockfeller, um verdadeiro fenômeno no gênero.
Mas algo não lhe deixava plenamente satisfeita. Foi tentar o teatro, ao se envolver com o grupo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Ali foi chamada pelo comediante Mazzaropi, que a convidou a participar de O Gato de Madame (1956), produção que se tornaria sua estreia na tela grande. Seguiram-se nos anos seguintes um série de trabalhos de destaque ao lado de grandes nomes do cinema nacional. Cineastas como Anselmo Duarte (Absolutamente Certo, 1957), Walter Hugo Khouri (Na Garganta do Diabo, 1960), Carlos Manga (As Sete Evas, 1962), Nelson Pereira dos Santos (Boca de Ouro, 1963), Glauber Rocha (O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, 1969), Hugo Carvana (Vai Trabalhar Vagabundo, 1973) e Antonio Carlos Fontoura (A Rainha Diaba, 1974), entre tantos outros.
Mesmo com a carreira intensa durante os anos 1960, tornou-se um fenômeno de fato em Noite Vazia (1964), de Khouri, em que interpretou ao lado de Norma Bengell uma das primeiras cenas de sexo lésbico do cinema brasileiro. A polêmica, aliada à sua beleza glacial e ao ar sempre enigmático, foram suficientes para que se tornasse conhecida como a “Catherine Deneuve dos trópicos”. Dez anos depois, no entanto, logo após participar de A Estrela Sobe (1974), de Bruno Barreto, decidiu se retirar da vida pública, mudando-se para um sítio em Nova Friburgo, no interior do Rio de Janeiro. Suas saídas de lá se tornaram cada vez mais raras, para aparecer em filmes como O Princípio do Prazer (1979), de Luiz Carlos Lacerda (sua última protagonista), ou para participações em novelas como O Dono do Mundo (1991) e Pátria Minha (1994), ambas de Gilberto Braga.
Essa jornada tão cheia de altos e baixo foi tema, na virada do século, da cinebiografia Lara (2001), dirigida pela também atriz Ana Maria Magalhães – filme, aliás, que era rejeitado pela própria Odete. Mulher de muitos namorados, livre e libertária, estrela que fazia o que queria, quando queria, como queria e com quem queria, se tivesse vivido na Europa ou nos Estados Unidos teria sido eternizada como uma das grandes divas da sétima arte. Mas como calhou de ser brasileira, cabe a nós, cidadãos de pouca memória, correr atrás e resgatar o muito do talento que esta artista completa ofereceu com tanto empenho e dedicação a nossa cinematografia.
Filme imprescindível: Bonitinha, Mas Ordinária (1963), a primeira versão do clássico de Nelson Rodrigues, no qual interpreta a mocinha Rita;
Filme esquecível: Lara (2001), que nem é com ela, mas sobre ela, e até a própria o considerava um erro;
Maior sucesso de bilheteria: Noite Vazia (1964), de Walter Hugo Khouri;
Primeiro filme: O Gato de Madame (1957), em que aparecia ao lado de Mazzaropi;
Último filme: Vai Trabalhar Vagabundo 2: A Volta (1991), pelo qual interrompeu uma aposentadoria auto-imposta de anos para reprisar o papel que havia feito quase duas décadas antes no longa original;
Papel perdido: Convidada pelo diretor Anselmo Duarte, com quem havia trabalhado em Absolutamente Certo (1957), recusou o principal papel feminino de O Pagador de Promessas (1962), que acabaria ganhando a Palma de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cannes com Gloria Menezes no seu lugar;
Prêmios: Ganhou um troféu honorário por sua carreira concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA);
Frase inesquecível: “Não me sinto bem no teatro, e a televisão me entedia. Tive muitos namorados, mas a grande paixão da minha vida é o cinema. Nada chegou perto de como me sinto quando estou em frente a uma câmera”
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