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In Memoriam :: Orson Welles (1915-1985)

Publicado por
Marcelo Müller

Nascido em 6 de maio de 1915, no estado do Wisconsin, Estados Unidos, George Orson Welles, aluno que se interessava pouco pelas matérias regulares da escola, resolveu dedicar-se à arte aos 15 anos, com a morte do pai. A total orfandade (a mãe falecera quando ele tinha apenas 9 anos) fez como que Welles precisasse se virar para ganhar a vida. Decidiu, então, estudar pintura, seu primeiro contato com o mundo da criação, este que mais tarde faria dele notável. Paralelo às artes plásticas, começou a se envolver com teatro e aos 18 anos já era figura de destaque no circuito experimental. Um ano depois, fez sua estreia na Broadway, com a adaptação de Romeu e Julieta. A amizade com o produtor John Houseman, com quem colaborou algumas vezes, propiciou a ele participar do New York Federal Theatre Project, onde lançou sua primeira montagem como produtor e diretor, uma versão de MacBeth encenada no Harlem.

Foi com Houseman, aliás, que Orson Welles criou a companhia Mercury Theatre, onde pôde desenvolver vários projetos, entre os mais célebres a versão de Júlio César (evidenciando sua paixão por William Shakespeare), ambientada na Itália fascista, lançada em 1937. No ano seguinte, o evento que inscreveu seu nome na história da comunicação: a transmissão ao vivo pela Rádio CBS de uma invasão de marcianos, que levou a população ao pânico. Na verdade, se tratava de uma dramatização do livro A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, lida em boletins como se fosse factual. A repercussão foi tão grande que Welles celebrou um contrato milionário com Hollywood para a realização de dois filmes, com possibilidade de total controle sobre eles, ou seja, com uma liberdade nada natural para os grandes estúdios e seus produtores mandas-chuvas.

O primeiro desses filmes, ou seja, sua estreia cinematográfica, é nada mais nada menos que Cidadão Kane (1941) tido por muitos como o maior longa-metragem já realizado. A obra-prima oferecia na época uma série de inovações, como o inusitado uso da profundidade de campo, a ação entrecortada num mesmo ambiente, planos longos e fluidos convivendo com movimentos de câmera e montagem rápidos, etc. O sucesso foi estrondoso, público e critica acolheram o filme em sua maioria, ainda que o êxito não tenha se revertido necessariamente em grandes bilheterias. Contribuiu para isso a campanha pessoal do magnata das comunicações William Randolph Hearst, um dos homens mais poderosos da época, que acusou Welles de basear-se em sua vida (e deturpar fatos dela) para construir o filme. Hearts chegou a postular a destruição de todos os negativos e cópias de Cidadão Kane, o que felizmente não ocorreu.

Seu filme posterior, Soberba (1942), expõe uma visão ácida a respeito da sociedade norte-americana. Antes da estreia, o estúdio RKO mandou o cineasta para o Brasil a fim de filmar um segmento sobre Carnaval para inserção no documentário It’s All True. Enquanto trabalhava na América do Sul, não necessariamente captando imagens de festa – Welles registrou as precárias condições sociais da população, entre outros elementos anti-turísticos, por assim dizer – a RKO cortou à sua revelia 43 minutos de Soberba para o lançamento comercial e, não contente com as filmagens que chegavam do Brasil, destoantes da encomenda, demitiu diretor e sua equipe, apropriando-se também do material, acabando com o controle criativo do cineasta. Na época, em meio a esse turbilhão profissional, casou-se com a atriz Rita Hayworth, tendo com ela a filha Rebecca. O casal divorciou-se cinco anos depois.

Cena de “Soberba”

Otelo (1952), a transposição de sua paixão por Shakespeare às telas de cinema, venceu a prestigiada Palma de Ouro no Festival de Cannes. Mesmo com êxitos artísticos, a carreira de Welles foi bastante acidentada, sobretudo por conta dos inúmeros problemas de produção. A Marca da Maldade (1958), outra de suas obras-primas, foi lançada sem que o diretor tivesse direito ao corte final. Anos mais tarde, após sua morte, porém, o filme foi remontado seguindo suas orientações previamente anotadas, e relançado nos cinemas e em home-vídeo conforme a concepção original. Outro filme pós-Kane de destaque é a adaptação de O Processo, livro imprescindível de Franz Kafka, que Welles lançou em 1962. O que se vê é uma apropriação do cineasta dos temas suscitados pelo escritor, como se Welles tomasse para si os dramas de K, os filtrasse e expusesse na tela sua própria visão, não ficando subserviente à criação kafkiana, ainda que não provocasse uma ruptura total com ela.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas reconheceu a notável contribuição de Orson Welles para o cinema concedendo-lhe um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra como ator e diretor. Seu último trabalho foi a dublagem do personagem Unicron, vilão em um dos filmes animados dos Transformers. Doente e sem dinheiro, ainda emprestou sua voz para comerciais e outras narrações antes de falecer, no dia 10 de outubro de 1985, de ataque cardíaco, deixando para trás um dos maiores legados do cinema.

Cena de “A Marca da Maldade”

Filme imprescindível (como diretor): Cidadão Kane (1941), considerado por muitos como sua obra-prima incontestável, um dos maiores filmes do cinema.

Filme inesquecível (como diretor): Verdades e Mentiras (1974), uma pérola em que Welles discute a verdade, o valor das obras de arte, inclusive o do cinema. Seu grande filme subestimado.

Maior sucesso de bilheteria (como diretor): Difícil mensurar, mas, em geral, seus filmes tiveram pouca reverberação comercial

Primeiro filme (como diretor): Cidadão Kane (1941)

Último filme (como diretor): Don Quixote (lançado, mesmo inacabado, apenas em 1992, no Festival de Cannes)

Guilty pleasure (como diretor): Falstaff: O Toque da Meia Noite (1965)

Oscar: Dividiu em 1942 o Oscar de Melhor Roteiro por Cidadão Kane com Herman Mankiewicz e recebeu um Oscar honorário pelo conjunto de sua carreira em 1971.

Frase inesquecível: “O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho.” 

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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