In Memoriam :: Sam Shepard (1943 – 2017)

Publicado por
Marcelo Müller

Nascido Samuel Shepard Rogers, Sam Shepard era filho de uma professora e de um militar que lutou a Segunda Guerra Mundial. A constante troca de cenário, em virtude da profissão do pai, propiciou ao futuro dramaturgo e ator o contato com diversas paisagens, especialmente as do Meio-Oeste norte-americano, moldura constante dos textos que o fizeram despontar precocemente como uma das vozes mais originais das artes dos Estados Unidos. Com o término do ensino médio – período em que já atuava a escrevia –, passou um ano estudando agricultura no Monte San Antonio Junior College, com o intuito de se formar veterinário. Porém, em 1962 se juntou a uma trupe itinerante de teatro, na ocasião em turnê pela Califórnia, logo depois se estabelecendo em Nova York, onde passou a ter contato com a efervescência cultural da metrópole e começou a escrever as peças que lhe fizeram conhecido.

A música foi outra grande paixão. Shepard virou baterista da banda Holy Modal Rounders. Mudou-se para Londres em 1971. Lá, paralelamente, continuou seu trabalho de dramaturgo. No mesmo ano, escreveu Cowboy Mouth, com a então namorada Patti Smith, e interpretou um dos personagens na montagem da peça. Gradativamente, se tornou um dos autores preferidos da cultura pop. É bom lembrar, essa é a época do surgimento avassalador da contracultura, da reavaliação dos valores até ali considerados importantes para a construção das identidades nacionais. E a Sétima Arte, imersa nesse clima, já havia atentado para o talento que despontava. No que concerne ao cinema, Sam Shepard sobressaiu, de cara, por conta do texto de Zabriskie Point (1974), filme estadunidense do italiano Michelangelo Antonioni, exatamente calcado em duas figuras, um homem e uma mulher, que perambulam num deserto onírico de contestação.

Ainda em Londres, Shepard escreveu a ópera-rock The Tooth of Crime, sobre roqueiros de gerações distintas que, em meio a situações surrealistas, lutam pelo domínio de um império. De volta aos Estados Unidos, em 1974, ele se estabeleceu em São Francisco, passando a integrar o time do Magic Theater, consolidando-se de vez como autor consagrado. O amigo Bob Dylan o convenceu a apostar fortemente na carreira de ator. Foi com Renaldo e Clara (1978), dirigido pelo próprio Dylan, que Shepard debutou nas telonas. Infelizmente, um completo fracasso comercial. No mesmo ano, integrou o elenco de um dos filmes mais emblemáticos de Terrence Malick, Cinzas no Paraíso, desempenhando o papel do latifundiário traído pelo casal protagonista. Em 1979, venceu o Pulitzer com a peça em três atos Buried Child. O cada vez mais ator era, sobretudo, um dramaturgo brilhante.

Autor de 44 peças de teatro, além de livros de pequenas histórias, ensaios e memórias, ele atingiu seu maior sucesso no cinema nos anos 80. Enquanto ator, foi descoberto pelo grande público com Os Eleitos (1983), filme que retrata os pilotos de testes envolvidos na pesquisa aeronáutica de alta velocidade e, dentre eles, os que foram escolhidos para virar astronautas na tentativa inaugural de voo espacial tripulado nos Estados Unidos. Pelo papel de Chuck Yager, primeiro homem a quebrar a barreira do som, ele foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Já no ano seguinte, Shepard viu um argumento seu transformar-se no longa-metragem Paris, Texas, sob a batuta do cineasta Wim Wenders. O longa ganhou a prestigiada Palma de Ouro no Festival de Cannes. Além disso, dirigiu A Casa de Kate é um Caso (1988) e O Espírito do Silêncio (1994), ambos recebidos com frieza por público e crítica.

Sam Shepard continuou a ser requisitado como ator. Em 1999, vivendo o escritor Dashiell Hammett, no telefilme Dash and Lilly, foi indicado ao Emmy. Aliás, uma rápida olhada em sua filmografia mostra atividade ininterrupta desde 1989. De lá para cá, anualmente ele se fez presente, nas telonas e nas telinhas, estas cada vez mais importantes para a indústria norte-americana. Foi ali que ele interpretou o personagem Robert Rayburn, da série Bloodline (2015-2017). Seu último trabalho no cinema foi no ainda inédito Never Here, da cineasta Camille Thoman. Shepard morreu no último dia 27 – a família decidiu esperar quatro dias para anunciar a fatalidade – em decorrência dos efeitos de uma esclerose lateral amiotrófica, que enfraquece os músculos, afetando as atividades físicas.

 

Filme imprescindível como ator: Cinzas no Paraíso (1978), de Terrence Malick

Primeiro filme como ator: Renaldo e Clara (1978), de Bob Dylan

Último filme como ator: Never Here (2017), de Camille Thoman

Guilty pleasure: Presente de Grego (1987), de Charles Shyer

Oscar: Indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, por Os Eleitos (1983)

Frase inesquecível: “A democracia é uma coisa muito frágil. Você precisa cuidar da democracia. Assim que você parar de ser responsável e permitir que ela se transforme em táticas de medo, não é mais democracia, não é? É outra coisa. Pode estar a um centímetro do totalitarismo.”

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.