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Bond. James Bond”. Foi ele quem pronunciou a frase que se tornaria marca registrada de um dos personagens mais populares da sétima arte. Foi em 007 Contra o Satânico Dr. No (1962) que Sean Connery interpretou o agente secreto com permissão para matar pela primeira vez, tendo repetido o mesmo papel em mais seis ocasiões. Mas o astro, nascido em 25 de agosto de 1930 em Edimburgo, Escócia, foi muito mais do que aquele que deu vida à criação de Ian Flemming. Ao longo de mais de cinco décadas, enfrentou o Tarzan e se apaixonou por Anna Karenina, viveu o mais longo dos dias e venceu a colina dos homens perdidos, ouviu as confissões de uma ladra e descobriu que até os deuses erram, se envolveu no assassinato no Expresso Oriente e foi o homem que queria ser rei, foi também Robin Hood e o Rei Arthur, o pai de Indiana Jones e o invencível Zardoz, atravessou uma ponte longe demais e participou do primeiro assalto de trem, enfrentou os bandidos do tempo e descobriu o nome da rosa, visitou a casa da Rússia e mostrou ser o curandeiro da selva, participou da caçada ao Outubro Vermelho, encontrou Forrester, fugiu de uma armadilha em meio aos negócios de família, liderou a Liga Extraordinária da mesma forma como enfrentou a Rocha, mostrou ter um coração de dragão e ser mais forte do que o ódio. Acima de tudo, se mostrou um verdadeiro Highlander, um guerreiro imortal que jamais será esquecido.

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Thomas Sean Connery (seu verdadeiro nome) acumulou mais de 90 créditos no cinema e na televisão, nos mais diversos gêneros. Sagrado Sir pela rainha Elizabeth II, ao mesmo tempo nunca deixou de defender a independência da sua Escócia natal. Filho de um pai católico e de uma mãe protestante, Connery começou sua vida profissional como leiteiro. Serviu na Marinha Real, foi motorista de caminhão e até modelo vivo no Colégio de Artes de Edimburgo. Nesta mesma época, ficou em terceiro lugar no concurso de Mister Universo. Foi durante esse evento que, por insistência de um amigo, decidiu participar de testes para o musical South Pacific, que acabaria por lhe abrir portas nos palcos, na telinha e também em filmes. A estreia na telona se deu em Lilacs in the Spring (1954), como extra em uma cena de multidão, em participação não creditada. Após uma dezena de trabalhos menores, como o romance Vítima de uma Paixão (1958), com Lana Turner, a aventura A Lenda dos Anões Mágicos (1959), de Robert Stevenson, e o épico de guerra O Mais Longo dos Dias (1962), com John Wayne, finalmente lhe surgiu a maior oportunidade de estrelato: o convite para interpretar James Bond.

O sucesso do personagem, no entanto, não lhe permitiu descanso. Para evitar ser visto como ator de apenas um tipo, seguiu investindo na diversificação das histórias que escolhia para participar. Como o thriller Marnie: Confissões de uma Ladra (1964), de Alfred Hitchcock, ou o drama A Colina dos Homens Perdidos (1965), de Sidney Lumet. O primeiro grande sucesso longe do espião 007, no entanto, veio apenas com O Homem que Queria ser Rei (1975), de John Huston. No ano seguinte, formou par romântico com a maravilhosa Audrey Hepburn em Robin e Marian (1976), aparecendo como uma versão envelhecida do ladrão da Floresta de Sherwood. Após lutar na revolução cubana em Cuba (1979), ir para o espaço em Outland: Comando Titânio (1981) e participar da loucura de Os Bandidos do Tempo (1981), de Terry Gilliam, aceitou mais um chamado para viver James Bond em 007: Nunca Mais Outra Vez (1983), talvez o título mais polêmico de toda a saga – refilmagem de 007 Contra a Chantagem Atômica (1965), foi feito sem a participação dos produtores originais e é considerado um título “não oficial” dentro da saga.

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My name is Bond, James Bond

No mesmo ano em que estreou como James Bond, Connery se casou com a atriz australiana Diane Cilento, com quem ficou junto por 11 anos (1962-1973). O casal teve um filho, Jason Joseph, nascido em janeiro de 1963. O relacionamento, no entanto, foi bastante tempestuoso, a ponto da esposa, em sua autobiografia, acusar o astro de ter sido “um péssimo marido”. Dois anos após ter se separado, Connery já estava casado mais uma vez, agora com a artista franco-tunisiana Michelline Roquebrune. Permaneceu com ela até sua morte, de 1975 até 2020. Os dois moravam em Nassau, nas Bahamas. Defensor de causas polêmicas – chegou a declarar que, dependendo da situação, seria justo um homem bater em uma mulher – recebeu o mais alto cachê já pago a um ator, por 007: Os Diamantes são Eternos (1971), e doou metade do valor para o Partido Nacional Escocês e para ajuda às crianças carentes da Escócia. Foi somente após ser agraciado com a Legião de Honra pelo governo francês, em 1991, que foi chamado para receber o título de Sir pela rainha Elizabeth II, em 5 de julho de 2000 – título que ela relutava em conceder a ele, devido ao seu apoio ao separatismo da Escócia. Como resultado, a cerimônia foi realizada na sua terra natal – por pedido dele – e compareceu vestido com um típico traje escocês, um kilt de caça do clã MacLean.

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Um legítimo – e orgulhoso – escocês

Após ter dado adeus definitivamente ao agente 007, Connery tratou de se reinventar como um astro para as novas gerações. Num mesmo ano, surgiu como o mestre de Highlander: O Guerreiro Imortal (1986) e como um frade detetive em plena idade média em O Nome da Rosa (1986). Por este último, obteve o seu primeiro grande reconhecimento artístico: o Bafta (Inglaterra) de Melhor Ator! A consagração, no entanto, que mostraria de vez que além de músculos e charme havia nele também talento de sobra veio no ano seguinte, com o policial Os Intocáveis (1987), de Brian De Palma. Por este trabalho, ganhou o tão esperado Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, além do Globo de Ouro e o National Board of Review. A partir de então, encontrou um renascimento de sua carreira, participando de projetos cada vez mais populares, como Indiana Jones e a Última Cruzada (1989), de Steven Spielberg, A Caçada ao Outubro Vermelho (199), no qual enfrenta o agente Jack Ryan, Lancelot: O Primeiro Cavaleiro (1995), ao lado de Richard Gere, A Rocha (1996), pelo qual foi premiado no MTV Movie Awards ao lado de Nicolas Cage, e Armadilha (1999), no qual faz par romântico com uma estonteante Catherine Zeta-Jones! Não por acaso, foi eleito o “homem mais sexy do século” em 1999, pela revista People!

Ao passar dos 70 anos, Connery foi chamado, mais uma vez, para viver um protagonista: desta vez, o mítico caçador Allan Quatermain naquela que se revelaria uma das mais problemáticas produções de toda a sua carreira: A Liga Extraordinária (2003). Baseado nos quadrinhos de Alan Moore, o filme de Stephen Norrington foi desprezado pelo próprio autor e por muitos do elenco – inclusive Connery, que declarou ter se arrependido de ter participado do projeto – e resultou num imenso fracasso de público e de crítica. Foi o suficiente para que o astro declarasse uma aposentadoria – para muitos, considerada precipitada. Nos últimos anos, colaborou apenas com documentários e programas de televisão, tendo seu último registro a dublagem do personagem principal da animação Sir Billi (2012). Na madrugada do último sábado, 31 de outubro, Sean Connery faleceu em sua casa, enquanto dormia. Segundo o filho, Jason, o pais “não estava bem havia algum tempo”. Para os fãs de todo o mundo, no entanto, a imagem que ficará é a do galã de voz marcante e gestos seguros, uma imagem que não deverá ser esquecida.

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Como o frade William von Baskerville, em O Nome da Rosa

FILME IMPRESCINDÍVEL: O Nome da Rosa (1986). A despeito do Oscar e dos anos como James Bond, e no filme do francês Jean-Jacques Annaud que Connery combinou todos os elementos que fizeram seu sucesso: charme, perspicácia, talento e carisma.

PRIMEIRO FILME: Lilacs in the Spring (1954), em participação não creditada, e No Road Back (1957), que considerava sua estreia de fato

ÚLTIMO FILME: A Liga Extraordinária (2003), atuando, e a animação Sir Billi (2012), como dublador

PREMIAÇÕES: Oscar, Globo de Ouro e National Board of Review por Os Intocáveis (1987), Bafta por O Nome da Rosa (1986). Ao longo de sua carreira, ganhou mais de 30 prêmios e outras dezenas de indicações.

FILME ESQUECÍVEL: A Liga Extraordinária (2003), de Stephen Norrington, um desastre do início ao fim.

GUILTY PLEASURE: A Rocha (1996), uma aventura absurda e divertida. Ou Robin e Marian (1976), um romance com Robin Hood e Lady Marian já envelhecidos, no qual aparece ao lado da diva Audrey Hepburn!

FILMES PERDIDOS: Foi convidado para o papel de Robert Elliott em Vestida para Matar (1980), e havia ficado muito entusiasmado com a oportunidade, mas precisou cancelar devido a outros compromissos assumidos previamente. Mais trágico, no entanto, foi ter recusado o convite para viver o mago Gandalf, na trilogia O Senhor dos Anéis, porque não queria filmar na Nova Zelândia por 18 meses e por “não entender o livro”, segundo ele próprio. Estima-se que tenha perdido um montante de US$ 450 milhões em cachê. Outros papeis marcantes que recusou: O Arquiteto na saga Matrix, o protagonista de Crown: O Magnífico (1968), Sybock, em Jornada nas Estrelas V: A Última Fronteira (1989), o rei da Macedônia em Alexandre (2004), Mufasa, em O Rei Leão (1994), o vilão de Dormindo com o Inimigo (1991), Dr. Hammond, o protagonista de Jurassic Park (1993)

BOND FAVORITO: Segundo Connery, sua melhor aparição como James Bond foi em Moscou Contra 007 (1963), o segundo filme da saga.

PAPEL FAVORITO: Apesar de tantos personagens marcantes, ele apontava o aventureiro de O Homem que Queria ser Rei (1975) como o seu predileto.

FRASE INESQUECÍVEL: “Eu sou um ator, não um cirurgião de cérebro. Se fizer meu trabalho correto, o público não pedirá por seu dinheiro de volta

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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