“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da
nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite.
Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar
exclamava:
— Ai! que preguiça!…”
Assim começa Macunaíma, um dos grandes clássicos da literatura brasileira. Escrito por Mario de Andrade e publicado originalmente em 1928, ele não aparece nominalmente em Mario de Andrade: O Turista Aprendiz (2025), filme dirigido por Murilo Salles, mas pode-se dizer que o espírito do nosso “herói sem nenhum caráter” está impregnado nas paisagens diante das quais o autor modernista encontrou um novo mundo durante a sua viagem pelo Rio Amazonas nos anos 1920. O filme de Murilo conta a jornada que mais tarde resultaria em outro grande livro andradiano: O Turista Aprendiz, uma espécie de diário de bordo a respeito das descobertas de um intelectual sudestino das profundezas de um Brasil diverso cultural e socialmente, com várias tradições e costumes que a Mario de Andrade pareciam reveladoras.
Mas, quem foi Mario de Andrade? E, afinal de contas, do que se trata o modernismo que rapidamente atrelamos ao nome do artista? E Macunaíma, essa obra aparentemente infilmável que acabou dando a base para um dos grandes filmes do Cinema Novo brasileiro? Confira.
MARIO DE ANDRADE: QUEM FOI?
Nascido em 1893, ou seja, ainda no século 19, Mario de Andrade foi um poeta, contista, cronista, romancista, musicólogo, historiador de arte, crítico e fotógrafo brasileiro. Figura central dos movimentos artísticos de vanguarda paulistana por décadas, ele se envolveu em todas as atividades relativas ao Modernismo (mais sobre ele abaixo) e se tornou um polímata, ou seja, alguém que detém conhecimentos substanciais de diversos assuntos e áreas do saber. Na infância, chegou a ser considerado prodigioso como pianista. Aliás, a sua educação formal aconteceu apenas na área da música. Depois da trágica morte de seu irmão, Mario se retirou com a família para um sítio em Araraquara.
Em 1917, ano de sua formatura, publicou seu primeiro livro de poemas, Há uma Gota de Sangue em Cada Poema, sob o pseudônimo de Mário Sobral. Nessa obra inaugural já há indícios da genialidade confirmada posteriormente em seus trabalhos mais maduros. Adiante, passou a viajar coletando informações sobre os mais afastados rincões do Brasil, nos quais registrava elementos folclóricos. Em 1922, enquanto preparava o grande Pauliceia Desvairada para publicação, colaborou com Anita Malfatti e Oswald de Andrade para a criação de um evento que se tornou fundamental para a percepção do Modernismo no Brasil: a Semana de Arte Moderna de 1922.
Publicado em formato livro em 1970, ou seja, anos depois da morte de Mario de Andrade (em 1945), O Turista Aprendiz teve seus capítulos impressos no jornal O Diário Nacional. São textos fundamentais para apresentar as culturas indígenas aos cosmopolitas. Além de artista e pesquisador, Mario de Andrade também atuou na esfera da gestão pública, mais especificamente no Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. Sua posição foi revogada em 1937. Andrade morreu em São Paulo, de ataque cardíaco, em 25 de fevereiro de 1945, aos 51 anos.
MARIO DE ANDRADE: A SEMANA DE ARTE MODERNA
A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um evento cultural que ocorreu no Theatro Municipal de São Paulo de 13 a 17 de fevereiro de 1922. Financiada principalmente pela elite econômica paulistana, contou com exposições, concertos musicais, apresentação de escultura, leituras, artes plásticas e muito mais. Influenciados por vanguardas europeias, os brasileiros pregavam uma renovação completa nos moldes de produção artística no Brasil, especialmente no que dizia respeito à liberdade então limitada pelo academicismo. Enquanto aconteceu, o evento teve impacto e ressonância moderados, mas ele começou uma onda que levou à instituição do Modernismo.
Até por conta da concentração de riquezas provenientes da produção cafeeira, São Paulo era um estado rico se comparado a maioria dos outros da federação na épocas em que aconteceu a Semana de Arte Moderna de 1922. Os principais artistas dessa ocasião emblemática foram: Anita Malfatti (1889-1964); Mario de Andrade (1893-1945); Oswald de Andrade (1890-1954); Manuel Bandeira (1886-1968); Di Cavalcanti (1897-1976); Heitor Villa-Lobos (1887-1959); e Tarsila do Amaral (1886-1973).
MARIO DE ANDRADE: MACUNAÍMA
Mario de Andrade: O Turista Aprendiz fala do pai do Modernismo e de Macunaíma. O livro já estava escrito quando Mario de Andrade resolveu viajar pelo Rio Amazonas, mas ele seria publicado apenas em 1928. Trata-se de um dos grandes expoentes modernistas da literatura brasileira, especialmente por seu ímpeto de ruptura com as tradições em busca de uma forma de narrar renovada. Dividido em 17 capítulos e um epílogo, o livro mostra as aventuras do herói Macunaíma entre cenários reais e fantásticos. É uma narrativa multifacetada cujas inspirações são de diversas fontes, desde retratos etnográficos de povos amazônicos até os frutos da pesquisa folclórica de Mario.
Em 1969, quando o Cinema Novo brasileiro dava seus últimos suspiros antes do endurecimento da ditadura por meio do AI-5, a versão cinematográfica de Macunaíma chegou aos cinemas pelas mãos de Joaquim Pedro de Andrade. Contando em seu elenco com Grande Otelo, Paulo José, Jardel Filho, Dina Sfat, Milton Gonçalves, Joana Fomm, Hugo Carvana e Myriam Muniz, ele se tonou um dos pilares do movimento de renovação do nosso cinema nos anos 1960, fazendo as pazes com a Chanchada e abraçando a carnavalização que os primeiros exemplares cinemanovistas enxergavam como algo alienante. Tomando inúmeras liberdades relativas ao original, Joaquim Pedro de Andrade fez uma verdadeira obra-prima cinematográfica que provavelmente deixaria Mario de Andrade bastante orgulhoso.
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