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Mostra Curta Vazantes 2021 :: O desafio de levar a qualidade para todos (Balanço)

Publicado por
Bruno Carmelo

Entre os diversos perfis de festivais de cinema no Brasil, alguns são assumidamente mais populares (Cine PE, Gramado), buscando a presença de grandes estrelas, do público cativo, e apostando no tapete vermelho e outros símbolos de status. Já outros assumem a vocação de apresentar novas vozes e defender formas ousadas de cinema (Mostra de Tiradentes, Olhar de Cinema, Ecrã), mesmo que isso implique um número mais restrito de espectadores.

Raros festivais tentam efetuar a delicada ponte entre ambos, levando filmes de acesso limitado a um público médio. Esta foi a aposta de Léo Tabosa, diretor artístico e curador (além de autor de curtas-metragens como Marie, 2019, e Nova Iorque, 2018), com a Mostra Curta Vazantes 2021. O evento propõe sessões de curtas-metragens, pouco apreciados pelos espectadores devido às raras exibições fora dos festivais e à formação de público insuficiente a este formato audiovisual. Além disso, privilegia filmes radicais no discurso politicamente frontal e na estética avessa ao espetáculo.

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Inabitável. Foto: Gustavo Pessoa.

 

Em contrapartida, conta com um suporte acessível em tempos de pandemia: a exibição online e gratuita. Ainda que a competição durante o período de isolamento fosse intensa – diversos festivais e mostras ocorreram simultaneamente, ao contrário do calendário espaçado em tempos de sessões presenciais -, os filmes tiveram maiores condições de chegar a públicos com raro acesso às salas de cinema – caso dos moradores de Vazantes, pequeno distrito de Aracoiaba, no Ceará.

A curadoria encarou o desafio de costurar, na mesma sessão, possibilidades de leitura entre gêneros mais disseminados (comédias e ficções científicas, por exemplo), e outros mais exigentes (caso das obras experimentais e eruditas). Neste sentido, o resultado foi muito bem-sucedido: dentro da Mostra Infância, por exemplo, o espectador poderia descobrir tanto o singelo O Quintal de João (2020), pequeno documentário em registro caseiro de João Marcos Maia, quanto o ambicioso Baile (2019), de Cíntia Domit Bittar, que reflete sobre o machismo na política e a transmissão desta consciência às crianças.

 

Baile

 

Os temas se articulam organicamente, permitindo que a leveza se altere com a gravidade sem qualquer forma de hierarquia entre eles. Algo semelhante ocorreu dentro de recortes propensos à denúncia social. No caso da Mostra Resistência, houve espaço para o alerta político explícito de Reexisto (2020), retrato do sofrimento psíquico provocado pela quarentena, e também para o registro lúdico de Marcianos (2021), sobre um homem internado com Covid-19, e o assumidamente infantil Trazo Crítico: Contaminación (2020), com uma mensagem bem-humorada de respeito à natureza.

Dentro destes recortes bem equilibrados, alguns temas transversais se destacaram em diversas mostras: a diversidade de gênero e sexualidades (caso de Inabitável, 2020, Manaus Hot City, 2020, Polter, 2020, Ela que Mora no Andar de Cima, 2020); a temática ecológica (Cadeia Alimentar, 2019, Écocide, 2020, Piccolino: Una Aventura en la Ciudad, 2020), a resistência de grupos minoritários e/ou marginalizados (Terceiro Dia, 2020, 4 Bilhões de Infinitos, 2020, Antes de la Erupción, 2021).

 

Cadeia Alimentar

 

A diversidade também se constituiu em termos geográficos (com obras de múltiplos estados brasileiros, além de títulos internacionais), de gênero (com uma quantidade expressiva de trabalhos de diretoras mulheres) e de registros: houve espaço tanto para o cinema próximo do amador, no melhor sentido do termo, quanto para as megaproduções Cadeia Alimentar e Marcianos. No interior de cada registro, também se buscou a pluralidade de formas: a animação foi representada pelo stop motion, pela animação manual em 2D, pela mistura com o live action.

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Ao final, restaram algumas pérolas, muitas delas exibidas previamente em outros festivais: a ficção científica sabiamente adaptada ao baixo orçamento de Inabitável (um herdeiro direto do cinema de Kleber Mendonça Filho); a poesia belíssima de 4 Bilhões de Infinitos, num minimalismo expressivo que apenas os mineiros (André Novais Oliveira, Gabriel Martins, Affonso Uchôa) têm produzido no cinema nacional recente; o simbolismo potente de um vulcão em erupção, relacionando-se com a transexualidade em Antes de la Erupción.

 

Antes de la Erupción

 

Em paralelo às exibições de curtas-metragens, o evento fez questão de propor debates com os diretores dos filmes exibidos. Dentro dos festivais que combinam longas e curtas, estes últimos costumam receber menor atenção e tempo de discussão, além de um espaço inferior para análise dentro da crítica especializada. Consequentemente, Léo Tabosa priorizou as conversas com os criadores, para compartilharem seus pontos de vista e processos de criação.

Eventos como a Mostra Curta Vazantes nos lembram das possibilidades artísticas fundamentais proporcionadas pelo curta-metragem: com menor expectativa de retorno financeiro, e também menor investimento em geral, permite experimentações criativas de linguagem e discurso, além da transição entre formas distintas de cinema. A renovação de qualquer cinematografia passa pelo curta, e para os olhares atentos, a edição 2021 promoveu um rico painel de maneiras de ver e praticar o audiovisual.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

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