A terceira noite do 36º Festival de Cinema de Gramado, na terça-feira, foi dominada pela presença gaúcha. Isso, ao menos, na segunda parte da cerimônia. Porque no começo o público foi saudado com a exibição do segundo longa-metragem latino em competição, curiosamente uma produção de Cabo Verde. Mindelo – Atrás de Horizonte é um documentário dirigido por Alexis Tsafas, e em apenas 74 minutos propõe um retrato diferenciado de uma pequena cidade-porto deste país-ilha, situado no meio do Oceano Atlântico. A câmera segue a vida contemporânea dos habitantes do local, procurando a cultura crioula do povo. A proposta é ousada: não há comentários, nem entrevistas ou narração. E a resposta do público foi dividida, entre os que aplaudiram essa ideia inovadora e os que acharam tudo muito pretensioso ou simplesmente chato.
Depois do intervalo, começou a gauchada. E de imediato, a entrega do anunciado Troféu Oscarito para Walmor Chagas (acima), ator nascido em Porto Alegre no dia 28 de agosto de 1931. Walmor subiu ao palco com seu habitual mau-humor, mas pareceu bastante satisfeito com a homenagem, como se a mesma fosse mais do que merecida. Eu, no entanto, discordo um pouco. Em mais de 40 anos de carreira, ele teve apenas dois papéis no cinema como protagonista: o da sua estréia, em 1965, em São Paulo S/A, de Luís Sérgio Person, e no ano passado, em Valsa para Bruno Stein (2007), de Paulo Nascimento; Neste meio tempo interpretou personagens coadjuvantes em filmes notórios, como Xica da Silva (Carlos Diegues, 1976), Luz Del Fuego (David Neves, 1981), Patriamada (Tizuka Yamazaki, 1985), e Memórias Póstumas (André Klotzel, 2001). Em 1981, ganhou o kikito e o candango por sua atuação em Asa Branca, um sonho brasileiro, de Djalma Limongi Batista. Só que se em Gramado ele recebeu o prêmio principal, em Brasília o troféu veio na categoria secundária, mostrando que o tamanho de sua participação neste filme provocou controvérsias.
Muito mais justo, creio, seria ter entregue o Oscarito para Renato Aragão, que levou apenas um “Prêmio Especial Cidade de Gramado” e um kikito honorário. Se os filmes estrelados por Didi nunca foram muito bem recebidos pela crítica, ao menos ele é rei absoluto do público nacional – dos dez filmes feitos no país mais vistos de todos os tempos, 6 são estrelados pelos Trapalhões! Mas Gramado simplesmente não consegue resistir a esta tendência conciliatória de querer agradar a todos, sempre, e por isso segue inventando prêmios e homenagens. Walmor só está recebendo este troféu agora porque na competição de 2007, apesar de ser o favorito ao kikito de Melhor Ator por Valsa para Bruno Stein, acabou sendo preterido na última hora pelo novato Gustavo Machado, de Olho de Boi. Assim, o ‘reconhecimento’ vem com um ano de atraso, mas ao menos tudo termina em paz – ao menos entre eles!
Depois, o segundo longa da noite. E o terceiro filme da competição nacional é a produção gaúcha Netto e o Domador de Cavalos, de Tabajara Ruas. Continuação de Netto Perde sua Alma, que recebeu 4 kikitos em 2001, inclusive o de Melhor Filme segundo o júri popular, e que fora co-dirigido por Tabajara e Beto Souza, esta nova aventura do general revolucionário tem como pano de fundo a lenda do Negrinho do Pastoreio, muito cara ao folclore gaúcho. De realização complicada, o filme levou mais de 3 anos para ficar pronto. Com um grande elenco, que inclui nomes como Werner Schunemann, Tarcísio Filho, Fernanda Carvalho Leite, Lu Adams, Nelson Diniz, Zé Adão Barbosa, Zé Victor Castiel e Miguel Ramos, o longa tem como principais méritos a bela trilha sonora de Vitor Ramil e as impressionantes imagens propostas pela detalhada fotografia de Ivo Czamanski. A história pode ter deixado um pouco a desejar em relação ao ritmo, e o resultado final dividiu a opinião do público, mas mesmo assim acredito que irá emocionar muita gente. Um trabalho digno, bonito e de grandes méritos. Agora, vai saber o que pensam os jurados? Só a noite de sábado, na entrega dos kikitos deste ano, é que teremos uma idéia do quão em alta – ou não – estão os talentos daqui da terrinha!
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