Se há um estilo de filme que os americanos sabem fazer com excelência é o drama familiar. Os Estados Unidos, um país que foi desenvolvido em cima de uma imagem da família perfeita, que vive na casa perfeita, com o cachorro e o jardim perfeitos, tem muito o que contar. Afinal, a história do que acontece de verdade, entre quatro paredes, está longe de ser perfeita.
Por outro lado, se há algo de que o povo brasileiro pode se orgulhar, é de suas famílias e seus valores familiares. O Brasil não é um país que se preocupa com a imagem da família perfeita, mas ao mesmo tempo sempre foi o lugar onde o povo foi à luta e esteve pronto pra defender os seus próximos. O Brasil não é um país com um histórico de psicopatas, serial killers ou crianças que assassinam seus colegas nas escolas. Ou terrorismo. Ou pais que matam seus filhos. Claro que acontece, um caso aqui e ali, mas são fatos isolados.
No entanto, olhando para os Estados Unidos de dentro pra fora, o que vemos e um país ferido e traumatizado, cercado de fachadas vazias onde corpos não carregam mais personalidades, pois essas foram sequestradas por pílulas, drogas ou o que quer que seja colocado em suas mentes. Eis aí o nascimento dos dramas familiares, onde a estrutura tradicional é colocada em cheque, em que o povo é convidado a observar o que acontece nos lares de seus vizinhos, ou às vezes os seus mesmos.
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Onde sobra tempo para a vida familiar se o maior objetivo do cidadão americano é ser bem sucedido e ganhar dinheiro para ter mais bens inúteis? O que acontece com essas famílias nas quais os adolescentes crescem com jantar de microondas e educados pela televisão? Desastre.
Um dos mais recentes exemplos de um drama familiar americano que tem sido extremamente bem recebido é o filme Bastidores de um Casamento (Another Happy Day, 2011), com a maravilhosa Ellen Barkin e o brilhante Ezra Miller. Aqui nos deparamos com a família de Lynn, personagem de Barkin, se reunindo para o casamento de seu filho; um encontro fadado ao drama e à desgraça, já que na receita está o ex-marido, responsável pela criação do filho que vai casar e que mantém uma relação quase que gélida com a ex-mulher; uma filha que sofre de depressão e se corta para não sentir a dor em seu coração e um filho que acabou de sair de um centro de reabilitação para uso de drogas e alcoolismo. Você ainda pode adicionar um pai à beira da morte, uma mãe controladora e fria, irmãs absolutamente loucas e mais uma série de personagens disfuncionais. Elementos que para o cidadão brasileiro jamais poderiam existir no mundo real local, mas aqui, na sociedade americana, eles fazem todo o sentido.
Dentro de todo o drama e a tragicomédia apresentados na tela, Bastidores de um Casamento consegue mostrar com muita delicadeza a dificuldade que essas famílias vivem. A ideia é destacar como eles, ou parte deles, tentam desesperadamente manter-se unidos e demonstrar amor uns pelos outros da melhor maneira possível, mas como a incompreensão e falha na comunicação simplesmente não permitem que essas pessoas se tornem, de fato, famílias.
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Se você me perguntar porque os americanos tem tanta obsessão por filmes que giram em torno desse tema, eu provavelmente não saberia dizer. Talvez, como um pintor que coloca a sua dor em um quadro, o cineasta tenha essa válvula de escape. Afinal, essa é a realidade do país em que vivo; não temos favelas, mas temos psicopatas.
Os exemplos são inúmeros e vem desde muitos anos atrás. Filmes célebres, como Beleza Americana (1999) ou Feriados em Família (1995) são bons exemplos também. O único outro lugar no mundo em que consigo ver esse mesmo padrão de cinema ser bem sucedido é na Inglaterra e na França, países que sofrem de problemas muito similares com os dos Estados Unidos.
No Brasil podemos lutar contra a pobreza e a fome, mas mesmo assim sempre temos tempo pra colocar um sorriso no rosto e dar um jeitinho no problema. Aqui não tem jeitinho: é tudo ou nada, vamos direto pras pílulas que é mais fácil esquecer.
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