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Quando o assunto é cinema italiano, a tradição é algo imprescindível. Afinal de contas, estamos falando do país no qual nasceu a noção de cinema moderno, o berço da vanguarda chamada de Neorrealismo Italiano, ela que consolidou novas maneiras de o cinema se relacionar com a realidade pós-Segunda Guerra Mundial. A 8 ½ Festa do Cinema Italiano, atualmente a principal porta de entrada da cinematografia italiana no Brasil, foi pautada neste ano por resgates. O primeiro se refere à própria forma de se dar. Depois de dois anos acontecendo inteiramente on-line por conta da pandemia da Covid-19, o evento voltou ao âmbito presencial para abraçar novamente essa atividade coletiva de compartilhamento de experiências diante dos filmes projetados numa tela grande, dentro de uma sala escura. A ênfase a esse retorno foi dada em diversos momentos nos quais conversamos com os organizadores da programação. Numa realidade em que tudo parece convergir inadiavelmente ao streaming, a 8 ½ Festa do Cinema Italiano se manteve como um bastião de resistência. A outra camada desse resgate foi a celebração a grandes nomes, tais como Pier Paolo Pasolini e Ennio Morricone. Do primeiro foi possível assistir a Mamma Roma (1962), quiçá um dos trabalhos mais tipicamente neorrealistas desse cineasta inquieto descrito como iconoclasta (ainda bem). Do segundo foi possível se aproximar pela exibição de Ennio, O Maestro (2021), um documentário de festejos.

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Ainda dentro dessa ode ao passado, a 8 ½ Festa do Cinema Italiano 2022 trouxe em seu cardápio produções dedicadas a homenagear grandes nomes das artes italianas por meio de operações diferentes de resgate cinematográfico: Eu, Leonardo (2019) – sobre a vida e a obra de Leonardo da Vinci –; Tintoretto: Um Rebelde em Veneza – a respeito de um dos grandes vanguardistas da pintura veneziana do século 16 –; e O Rei do Riso (2021), que reverencia uma figura vital do teatro popular italiano. Portanto, esses três longas-metragens têm em comum o gosto por escavar a História em busca de causos reveladores acerca de homens proeminentes que contribuíram de modo fundamental para o panorama artístico europeu. O comovente Leonora, Adeus (2021), o primeiro filme comandado por Paolo Taviani depois da morte de seu irmão Vittorio Taviani, também trouxe um pouco desse gostinho de nostalgia e reverência para a seleção 2022 do festival. Houve, também, aqueles filmes que pensaram o presente a partir de uma fabulação localizada no passado, como o interessante Freaks Out (2021), fantasia em que uma Dorothy então moderna incursiona pelas turbulências da Segunda Guerra Mundial enquanto hesita em utilizar seus poderes especiais, nem que isso signifique a vitória definitiva sobre os nazistas.  Também é fundamental mirar um futuro que passa pela diversidade de abordagens e estilos contemplada na 8 ½ Festa do Cinema Italiano 2022.

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Cena de “Il Buco”

Dirigido por Daniele Luchetti  e estrelado por  Alba RohrwacherGiovanna MezzogiornoAdriano Giannini, Laços (2020) reafirma o gosto do cinema italiano pelo drama familiar, mas numa chave atualizada. Já Il Buco (2021) possui um DNA fundamentalmente pessoal, neste caso o do realizador Michelangelo Frammartino, que retorna ao passado (olha ele aí de novo) e à sua região de nascimento (a Calábria) para observar a exploração de uma das cavernas mais profundas do mundo. Já Tempos Super Modernos (2021) opera mais no sentido de comentar o mundo pós-moderno, não se furtando de colocar o dedo em várias feridas e observar com tintas menos positivas os elementos vendidos às massas como progresso. Por fim, Mulheres Rebeldes (2022), que também se passa na Calábria, mostra as dúvidas existenciais da jovem mulher que faz parte de uma família mafiosa. O que mais chamou a atenção no recorte deste ano da  8 ½ Festa do Cinema Italiano foi justamente a atenção à diversidade do cinema italiano e, a partir disso, uma preocupação com o atendimento de diversos perfis de público no Brasil. Teve longa-metragem de aventura com efeitos especiais, outros com uma pegada quase experimental, pontes entre passado, presente e futuro, além de reverências àqueles que abriram caminhos quando o cenário era completamente distinto. Então, viga longa à 8 ½ Festa do Cinema Italiano e que em 2023 continuemos tendo esse acesso privilegiado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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