Na história recente da vida em sociedade, há guerras e guerras. Algumas ganham amplo espaço no noticiário, como toda e qualquer batalha ocorrida no Oriente Médio, outras quase passam ao largo da imprensa, como a da Iugoslávia. Os critérios de noticiabilidade muitas vezes englobam também os interesses econômicos, o que explica – mas não justifica – a especial atenção dada aos conflitos no local onde há a maior produção de petróleo no planeta. Dentro de tal lógica, não é à toa que mal se fala na guerra civil que a Síria vivencia, desde 2011 – ou seja, há nove anos. Trata-se de uma guerra esquecida, ao menos para os que não estão diretamente relacionados a ela.
Se a internet tem sido uma ferramenta essencial nesta busca por alguma voz, curiosamente tem sido a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas a responsável por levantar tal bandeira de forma mais efusiva, ao menos no período decorrido entre o anúncio dos indicados e a cerimônia de premiação do Oscar. Isto porque, em cinco anos, já são quatro os documentários indicados que retratam os absurdos e o duro cotidiano de um país em plena guerra civil. Ou seja, graças ao Oscar não só tais filmes, mas especialmente a guerra da Síria em si, enfim ganhou os holofotes merecidos, nem que seja apenas na seara cultural.
O primeiro deles foi o curta Os Capacetes Brancos (2016), dirigido por Orlando von Einsiedel, que faturou a estatueta dourada ao narrar os esforços do grupo homônimo que se dispôs, por conta própria, a ajudar as vítimas de ataques aéreos tão logo eles aconteçam. O mesmo tema foi abordado por Últimos Homens em Aleppo (2017), o demolidor documentário dirigido por Firas Fayyad que mescla heróis da vida real, no termo mais altruísta possível, com cenas do mais puro terror, mostrando sem pudor a guerra como ela é. Pesado, mas necessário.
Fayyad retornaria à guerra da Síria com The Cave (2019), mais uma vez indicado ao Oscar, agora voltando o olhar para o dia a dia de um hospital subterrâneo que teima em funcionar, atendendo especialmente vítimas de bombardeios aéreos. Neste mesmo ano teria como concorrente outro documentário sobre a Síria: For Sama (2019), inusitada mistura das agruras da guerra com a ternura de um bebê recém-nascido, que precisa ser criado (e sobreviver) em um cenário nem um pouco acolhedor.
Fora do Oscar, mas tão merecedor quanto, há ainda o excelente documentário City of Ghosts (2017), de Matthew Heineman, que aborda a guerra da Síria com enfoque maior na ascensão do Estado Islâmico. Didático e abrangente, é de todos os filmes citados aquele que oferece um panorama mais completo sobre as origens e consequências do ocorrido na Síria, incluindo os olhos fechados de boa parte do mundo ocidental ao que acontece naquele canto do planeta. Se todos os demais filmes esmiuçam os horrores da guerra, com direito a muita câmera na mão que transmite a tensão de momento, este analisa o contexto sem jamais abdicar do sentimento e do idealismo.
Todos os filmes listados não são fáceis de serem vistos. Pesados por natureza, não são poucos os momentos em que arrancam lágrimas ou as cenas que assombram em mente, tempos após a exibição. Ao mesmo tempo, demonstram a coragem não apenas em lutar pelo que se acredita mas, também, em espalhar mundo afora o que ali acontece, em busca de algum apoio. No fim das contas, tais filmes não buscam premiações, mas voz. É pela visibilidade dada que as indicações ao Oscar têm mais valor, muito acima de possíveis estatuetas conquistadas.
Afinal de contas, quantas vezes você já leu ou viu matérias sobre a guerra civil na Síria?
Sabia de sua existência?
Bem-vindo ao mundo real. O cinema documental está aí para captar sua existência, por mais incômoda que seja.
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