O cinema brasileiro LGBTQ+ tem pouco mais de meio século. Um dos filmes determinantes sobre o olhar a respeito do homossexual nas telas nacionais é O Menino e o Vento (1967), de Carlos Hugo Christensen. De lá para cá, mais de cinco décadas se passaram e dezenas de longas e curtas, ficções e documentários, dramas, comédias e produções de gênero já foram realizadas. Algumas fizeram História – sim, assim mesmo, com H maiúsculo – e outras passaram desapercebidas. Mas no último ano, em 2019, o impacto dos realizadores nacionais focados em divulgar narrativas homossexuais teve fortes repercussões tanto no público quanto na crítica. E este é um ótimo sinal.
Para começar, temos o maior campeão de bilheteria do ano: Minha Mãe é uma Peça 3 (2019), de Susana Garcia, que teve mais de 9 milhões de espectadores e é estrelado não apenas por um ator assumidamente gay – Paulo Gustavo – que só aparece em cena vestido como mulher, como também tem em uma das suas principais subtramas o casamento do filho da protagonista com outro homem, seu namorado (Rodrigo Pandolfo e Lucas Cordeiro). Outro filme que fez bastante barulho, não só entre a audiência, mas também junto à crítica e nas redes sociais, foi Bacurau (2019), de Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho. Neste, dois dos seus personagens principais – Lunga (Silvero Pereira) e Domingas (Sonia Braga) – são homossexuais declarados, enquanto que muitos outros (o matador Pacote, a transexual Darlene, o michê Robson) também possuem sexualidades fluidas, digamos.
Mas estes estão longe de serem exemplos isolados. Basta estarmos atentos aos indicados ao 25o Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, a maior premiação da crítica nacional, que apontou 39 filmes, entre curtas e longas, entre os melhores do último ano. Entre estes, cerca de uma dezena possui personagens homossexuais em posição de destaque, enquanto que entre os curtas sete deles também abordam em suas temáticas a condição homossexual masculina e/ou feminina. E, claro, também não podemos esquecer do espanhol Dor e Glória (2019), de Pedro Almodóvar, talvez o mais íntimo dos trabalhos do cineasta, que concorre como Melhor Filme Estrangeiro.
Dentre estes, temos os assumidamente gays – como Inferninho (2019), indicado em 8 categorias, inclusive a Melhor Ator para Yuri Yamamoto, que interpreta da travesti Deusimar, ou o documentário Bixa Travesty (2019), o único do gênero a ser indicado em mais de uma categoria, Sócrates (2019), cujo protagonista, interpretado por Christian Malheiros, está concorrendo como Melhor Revelação Masculina do ano, e Greta (2019), que recebeu três indicações, entre elas as de Melhor Ator e Ator Coadjuvante, para Marco Nanini e Demick Lopes, que vivem um tórrido caso de amor na tela. Entre os curtas, Quebramar (2019) fala de meninas apaixonadas, Marie (2019) e Tea for Two (2019) possuem personagens transexuais entre os protagonistas, e Sangro (2019) é um documentário de animação no qual um rapaz gay relata, em primeira pessoa, a experiência de ter descoberto ser HIV positivo.
O 25o Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro revelará seus vencedores no próximo dia 01o de julho. Durante todo esse mês, críticos de todo o país estão votando nos seus favoritos em cada uma das 24 categorias – a lista completa de indicados pode ser conferida aqui. Ao mesmo tempo, em Junho se comemora o Mês do Orgulho LGBTQ+, e como em 19 de junho se celebra o Dia do Cinema Brasileiro, nada mais lógico do que parar alguns instantes para refletirmos sobre essa intersecção, em como a cinematografia nacional tem se debruçado sobre os movimentos queer. Há muitos realizadores de destaque – para 2020, já tivemos Hilton Lacerda, com Fim de Festa (2019), assim como a estreia de Allan Deberton, cineasta com longa trajetória em curtas-metragens gays, no formato de longas, com Pacarrete (2019), o grande vencedor do Festival de Gramado do ano passado – e outros tantos ainda a serem revelados.
Há muito a se celebrar, portanto, mas também um monte com o que se preocupar. O atual governo federal é marcado por práticas e ações de desmonte, principalmente no setor cultural. Com tanto a perder, esses avanços verificados nos últimos tempos podem ser postos a perder caso as mobilizações necessárias não sejam feitas a tempo. Por isso é preciso continuar atento não apenas ao que tem sido filmado e divulgado, mas também prestigiando aquilo que tem conseguido chegar às telas, sejam elas grandes ou pequenas – como a série Todxs Nós (2020), exibida pela HBO e realizada a partir da união dos cineastas Vera Egito, Daniel Ribeiro e Heitor Dhalia.
O Papo de Cinema também assume sua responsabilidade no meio desse cenário. Pensando nisso, durante as próximas quatro semanas iremos falar muito do cinema brasileiro – e mundial – LGBTQ+. Vamos realizar uma maratona de grandes filmes que abordam questões gays, com críticas e conteúdos especiais sendo publicados diariamente. Estamos organizando uma agenda de entrevistas especiais com realizadores e pensadores nacionais, para pensarmos juntos a respeito desse tão necessário debate. Um podcast sobre o tema e lives no nosso perfil no instagram também serão anunciados, assim como um Top 10 com os melhores títulos do gênero disponíveis nas plataformas de streaming. Vai ser um mês bastante colorido por aqui. E torcemos para que ele se multiplique com toda a força não apenas nos corações, mas também nas mentes dos nossos leitores, ouvintes e espectadores. Contem conosco!
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