20210708 aula online papo de cinema

As aulas remotas não são invenções dos tempos de pandemia. Elas já existiam, estimuladas nos últimos anos pelo formato EAD (Ensino à Distância). Mas, certamente a necessidade de isolamento imposta pelo alastramento da Covid-19 acelerou a procura e a rápida assimilação dessa modalidade de intercâmbio de conhecimentos. Mesmo após o controle da doença que continua fazendo milhares de vítimas no Brasil diariamente, é provável que as aulas online continuem sendo prática contínua e valiosa. Eu mesmo era bastante reticente quanto a ministrar encontros à distância, sem o “calor” presencial. Meu receio era o de que as interações se tornassem burocráticas e o diálogo se transformasse num monólogo em virtude da tendência à verticalização. Minha intenção sempre foi propiciar uma lógica de aula horizontalizada, em que a figura do “mestre” fosse entendida como mediadora, não como aquela entidade intocável e onisciente que existe para derramar sobre os sedentos por conhecimento a seiva do seu saber.

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Porém, como diz o ditado, “quando a água bate na bunda”… Descobri um mundo novo. Precisei me familiarizar com aplicativos e terminologias, entender de que maneiras atualizar dinâmicas e, o principal, adaptar a metodologia à nova realidade remota. Passados mais de 15 meses desde que abri minha primeira turma – não sem antes fazer testes com alunos queridos de outros carnavais –, posso dizer que as ressalvas iniciais caíram completamente por terra. Entre vantagens e desvantagens, as primeiras prevalecem, logo se tornando boas advogadas de defesa da modalidade. Veja bem, não estou falando que o online é melhor, tampouco pior. Preferências à parte, o assunto aqui é prós e contras. Antes de avançar nessa reflexão pessoal combinada com uma leve tentativa de entender o que vem pela frente, é bom pontuar uma diferença essencial. Há um abismo entre a experiência de quem dá aulas sobre temas específicos (como eu, de cinema) e a de professores das redes públicas e privadas encarregados dos ensinos fundamentais, médios e superiores. A experiência aqui utilizada como parâmetro é estritamente a minha. A realidade do ensino regular é muito diferente e, por isso mesmo, merece reflexões e ponderações próprias.

 

AS DORES
Nem tudo são rosas nas aulas remotas. Os desafios começam nas necessidades tecnológicas. Para tudo funcionar, antes de qualquer coisa é preciso que a internet e o programa escolhido estejam “de bem como a vida”. Por exemplo, todos na turma dependem da estabilidade da banda larga do professor. E, caros colegas, atirem a primeira pedra os que, em algum instante, não ficaram não mão JUSTAMENTE quando faltavam poucos minutos para o começo da aula. E dá-lhe ligar para o suporte técnico. Some a isso as demais engrenagens que devem estar “nos trinques” para tudo correr bem: computador, energia elétrica, etc. Também é bom torcer para que o entorno não esteja excessivamente barulhento. Pois, mesmo com equipamentos capazes de reduzir os ruídos ao redor, não convém que aquele carro vendendo 30 ovos a R$ 10 passe de cinco em cinco minutos na porta da casa de quem está falando. Aliás, é preciso aprender a lidar com sons cotidianos, inexistentes nos ambientes pensados para garantir as melhores condições. A despeito de tudo isso, a gente aprende e vai entendendo como lidar com essa gama de novidades.

A ausência física é uma desvantagem, com certeza. Nas aulas presenciais, a interação entre alunos e professores tende a ser mais complexa e nuançada. Nela, não dependemos apenas da linguagem falada, pois as expressões corporais fazem parte da experiência compartilhada. Quem aí não teve um(a) professor(a) que inspirava a turma também pelo gestual, que conseguia reter a atenção, mesmo da galera dispersa, ao utilizar como suporte uma gesticulação própria. Do ponto de vista de quem dá aula, a história do “corpo fala” pesa na transição ao online. Ao vivo conseguimos perceber, inclusive, quando a dinâmica não está lá essas coisas. Alguém se mexe demasiadamente na cadeira e/ou boceja constantemente. O diagnóstico já está feito. No online, o desconforto pode ser ocultado via supressão de imagem e som. Inclusive, a possibilidade de fechar câmera e microfone é uma bênção ao aluno, mas pode se tornar péssimo ao professor se todos resolverem se ocultar. Dar aula olhando para fotinhos e letras maiúsculas pode ser bastante solitário e tornar o processo frio. Tudo que essa ocasião estimulante não deve ser.

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AS DELÍCIAS
Uma das grandes vantagens das aulas online é poupar o tempo de deslocamento até a escola/universidade. Especialmente numa cidade grande como o Rio de Janeiro – e o agravante do trânsito caótico –, isso é um ganho considerável. Alguns minutos antes de a aula começar, basta se ajeitar em casa (ou onde estivermos), sentar naquela poltrona favorita e aproveitar a jornada. Ainda dentro dessa regalia da diminuição das distâncias, um dos principais ganhos das aulas online é a possibilidade de ter pessoas do mundo todo interagindo num mesmo ambiente virtual. E isso tende a ser ótimo, pois confere uma riqueza considerável às trocas. Tendo em vista que o Brasil é um país de dimensões continentais, imagine que há gente ávida para ter a oportunidade de estudar cinema, por exemplo, mas que não consegue por morar em regiões ermas e/ou em localidades sem tradição de fomento à cultura. Esse efeito de democratização passa também pela possibilidade do professor ou da instituição ofertar cursos de valores convidativos.  O trabalho deve ser valorizado, mas com gastos menores há chances de baratear os cursos, não?

Mesmo que as aulas presenciais contem com facilitadores, tais como a internet e as redes fundamentais (de compartilhamento, de estudo, de discussão), no online esse tipo de elo se consolida por ser inerente à experiência virtual. Assim, ilustrar um exemplo pontual é mais fácil pelo acesso instantâneo ao acervo enorme à disposição de professores e alunos nas outras abas dos navegadores. Ademais, podemos investir o tempo economizado para imediatamente aprofundar o que acabamos de assimilar. Talvez, num futuro próximo, experiências adquiridas durante essa necessidade de readequação sejam integradas organicamente aos procedimentos presenciais. Quiçá estamos diante de um ponto de inflexão, a partir do qual o hibridismo será um conceito mais corriqueiro e menos inicialmente estranho. Os prós de ministrar aulas de cinema remotamente também estão na intensidade da resposta do aluno, a priori, mais disposto, pois confortável num ambiente familiar. Dá para conciliar ambos os caminhos, sem a imposição da escolha: um ou outro. Adoro dar aula presencialmente e aprendi a gostar de fazê-lo online.

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POR FIM…
Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno. Entre as dores e as delícias, as aulas online têm sido uma alternativa excelente nessa temporada de incertezas. Importante é a constante busca por conhecimento e informação. A despeito do que os apocalíticos querem nos fazer acreditar, persiste a sede de saber. Seja online ou virtual, é vital estudar sempre. Afinal, somos aprendizes tentando diminuir nossa ignorância. Remota ou presencialmente, continuaremos resistindo, incansavelmente aprendendo a ser cinéfilos, cidadãos, professores e alunos cada vez melhores.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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