Nós vivemos Cinema 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano. E quando falo “nós”, me refiro a mim mesmo, mas também à equipe aqui do Papo de Cinema. Para quem nos acompanha há mais tempo, não chega a ser nenhuma novidade: sabem o quão importante a arte audiovisual é para a gente. Mas além das ofertas em streaming, séries, minisséries e telefilmes, programas especiais e até mesmo telenovelas – ora, por que não? – exibidas na tevê aberta, o fascínio nasce, de fato, é na sala de cinema. E como ansiamos pelo momento em que poderemos retornar a estes verdadeiros templos e desfrutar desse – entretenimento, arte, cultura, diversão, passatempo – tão fundamental em nossa jornada! Mas há 5 meses, desde o início da pandemia do Covid-19 e da quarentena a qual todos – no Brasil e no mundo – nos vimos sujeitos na tentativa de preservarmos ao máximo a saúde de cada um, o que mais podemos fazer além de tomar os cuidados necessários? Provocada por uma doença inédita até então, cuja vacina ainda não existe, e que possui uma alta taxa de mortalidade, o mínimo a ser feito é lavar as mãos, usar máscara e outras formas de prevenção quando for necessário sair à rua, e, para quem pode, permanecer a maior parte do tempo possível dentro das suas próprias casas. O isolamento social, enfim, é mais do que uma opção, um luxo ou um prazer: é uma necessidade. E diante de tudo isso, não parece assustador pensar em cinema numa hora dessas?
Pois é justamente o que um movimento recente no Brasil tem feito: propor uma volta aos cinemas. Alguns – muitos, talvez – poderão argumentar: mas todo o resto já não retomou suas atividades? As lojas, o comércio em geral, os supermercados, não está tudo funcionando? Então, por que com os cinemas haveria de ser diferente? Afinal, a atividade cinematográfica também é um empreendimento comercial, é a respeito de uma indústria que estamos falando, com muito gente dependendo desses empregos para seguirem se mantendo – e também às suas famílias. Nada mais justo, portanto, que também eles queiram voltar ao trabalho e retomar suas rotinas. Mas seria essa a única forma? E esse é, de fato, o melhor momento? Esta é uma visão, no mínimo, questionável. O Brasil já é o segundo país de todo o mundo – atrás apenas dos Estados Unidos – em número de infectados pelo coronavírus. E esses números crescem diariamente, sem darem indícios de que irão baixar nos próximos dias ou semanas. Se o vírus segue por aqui, e mais afiado do que nunca, não seria lógico buscar o resguardo, ao invés de se arriscar dessa maneira?
Ao redor do planeta, em todo o lugar onde se tentou reabrir as salas de cinema antes da hora, sabe o que aconteceu? Os números de infectados na região disparou, e estes mesmos ambientes se viram obrigados a novamente fecharem suas portas, para seguirem aguardando por uma melhor oportunidade. Há um meme na internet bastante popular que mostra o seguinte diálogo entre duas amigas, provavelmente através de um app de troca de mensagens:
“Fulana, tá em casa? Vou dar uma passada aí para tomar um café contigo!”
“Mas tu descobriu a cura do coronavírus?”
“Eu não. Mas tá tudo aberto!”
“Então vai tomar café na Casas Bahia, porque aqui em casa tu não entra.”
O Brasil vive esse estado de negação. O pessoal cansou de ficar isolado, longe de tudo e de todos, e como essa é uma ameaça que não se vê, não são poucos os que começam a achar que não há mais tanto risco. Os números, no entanto, indicam outra realidade. O perigo ainda existe – e está maior do que nunca. Que todo mundo, mais cedo ou mais tarde, vai acabar entrando em contato com o covid-19, isso já não gera debate. A questão não é quem será afetado, mas quando. Muitos serão assintomáticos, outros tanto terão reações leves. Mas alguns serão gravemente afetados, enquanto outros, infelizmente, acabarão morrendo. Da mesma forma como tem sido até agora. Só que ninguém sabe dizer como cada um irá se portar uma vez afetado. Qual será o comportamento de fulano, beltrano ou de sicrano? Isso ninguém sabe – nem mesmo “fulano, beltrano ou sicrano”. Justamente, o melhor é prevenir – ao invés de tentar remediar algo que nem se sabe ao certo se será possível.
Quero muito voltar aos cinemas. Nossa, é uma das coisas que mais estou sentindo falta. Mas agora, definitivamente, não é o momento para isso. Se já seria difícil enfrentar esse medo se fosse o caso de se assistir a produções inéditas e muito aguardadas, imagina passar por essa situação diante de uma seleção de longas já muito vistos – e que estão a disposição de todos, ao menos em sua grande maioria, para serem vistos no conforto das suas casas? Se a Warner tem adiado Tenet, e já tratou de liberar a animação Scooby: O Filme para consumo online, se a Disney decidiu que uma das suas maiores apostas desse ano – o épico Mulan – vai ser lançado diretamente na plataforma de streaming da empresa, e outros tantos, como Velozes e Furiosos 9, optaram por programar direto para 2021 seu lançamento, qual o sentido de um movimento de volta aos cinemas agora, justamente num dos momentos mais críticos da pandemia? Quem ganha com isso? Certamente não o espectador mais afoito e desavisado, que estará se colocando, desnecessariamente, em risco de contágio.
Eventos que primam tradicionalmente pelo ineditismo e pela qualidade dos projetos exibidos, os festivais de cinema se viram obrigados a se reinventarem em 2020. Somente no Brasil, as programações da Mostra Internacional de São Paulo, do Festival de Gramado, do Olhar de Cinema de Curitiba e do É Tudo Verdade foram apenas alguns dos tantos que passaram para o ambiente online quase que a totalidade das suas exibições e atividades, visando não apenas a continuidade das suas ações, mas também uma forma de estreitar, com segurança, o relacionamento com o público. Multiplicam-se por todo o país opções de cinemas drive-in, justamente por serem os mais seguros nesse momento. Alguns, como o Belas Artes, em São Paulo, sabiamente souberam capitalizar essa iniciativa a seu favor, oferecendo o mesmo serviço que antes estava nas suas salas, agora neste novo (velho) formato. A maioria, no entanto, por receio (infundado) de uma eventual e futura concorrência, preferiram seguir com as portas fechadas a ter que se reinventar de acordo com o cenário atual. Porém, como já diziam os dinossauros, quem não se adapta, morre.
Muito já se conjecturou sobre o ‘fim dos cinemas’. Não foi antes, e também não será agora. Os cinemas – e a atividade cinematográfica, acima de tudo – seguirá viva e forte. Exatamente como era antes do coronavírus? Talvez sim… talvez não. Essa é a maior dúvida, portanto. E somente os que se cuidarem, e souberem o momento certo de agir, sem afobação, nem atropelo, é que conseguirão sobreviver para, enfim, descobrir. É o legítimo “quem viver, verá”. E quando isso acontecer, nós seguiremos aqui, prontos para o melhor do cinema: saudável, excitante e seguro.