O Brasil – e o mundo, obviamente – está há alguns meses imerso em uma quarentena provocada pela pandemia do COVID-19. Por mais que esse isolamento seja relativo – afinal, estamos em um país no qual o próprio presidente faz pouco caso das orientações médicas e de saúde – muitos abraçaram a causa, optando pelo resguardo e alterando hábitos, partindo para o home office e pelo distanciamento social quando possível. No entanto, alternativas se fizeram necessárias, não só por questões profissionais, mas também como cultura e entretenimento. Afinal, atividades que exigem uma maior concentração de pessoas, como cinemas, shows musicais e apresentações de artistas, por exemplo, foram das mais afetadas. E como driblar essa nova realidade? A solução para muita gente foi uma novidade que parece ter sido pensada sob medida para esses tempos estranhos pelos quais estamos passando em 2020, mas qualquer um mais antenado sabe que se trata de uma opção que existe há algumas boas décadas.
Diferente do cinema 3D, que também fez sucesso por muitos anos e voltou com tudo no final da primeira década dos anos 2000, mas envolto por inovações tecnológicas e avanços estruturais, o drive-in parece ter sido redescoberto às pressas, como o pote de ouro no fim do arco-íris. No começo de março, quando o avanço do coronavírus chegou com força no Brasil, tudo foi fechado – lojas, shopping centers, academias, igrejas, restaurantes. Com os ambientes comerciais desativados, foi necessário pensar em como seguir fazendo o de sempre, porém de um outro modo. A malhação passou a ser a céu aberto, com máscara e as devidas proteções. As refeições externas agora só no esquema delivery, ou seja, pedindo por telefone ou aplicativos e sendo entregues em casa. As lives deixaram de ser um tendência e se consolidaram como possibilidade concreta para aproximar pessoas, mesmo à distância, com conversas, encontros e outras trocas. Mas e os cinemas, festas, shows e espetáculos? Como ficaram no meio disso tudo?
O drive-in foi a velha solução encontrada. Mas também nova, pois veio como uma carta na manga que ninguém esperava. E dona da própria história, pois não se trata de nenhuma surpresa. A wikipedia nos informa que o cinema drive-in surgiu nos Estados Unidos em 1933 – ou seja, há quase um século! – na cidade de Camden, em Nova Jersei. Mas foi somente no pós-guerra, no final dos anos 1940, que se tornou uma opção popular por todo o país. Não são raros os filmes hollywoodianos, por exemplo, que mostram jovens e adolescentes com seus amigos e namorados se encontrando nesses espaços, sempre acompanhados de hot dogs, hambúrgueres e milk shakes. Por um lado, era uma diversão geralmente barata que despertava a curiosidade tanto de apaixonados querendo ficar a sós, como também daqueles interessados em curtir seus filmes favoritos em uma experiência bastante especial.
Mas é esse o drive-in que foi agora revigorado? Mais ou menos… afinal, mais de cinco meses após o início da quarentena, eles estão espalhados por norte a sul do Brasil, e sem uma estrutura ou um padrão comum a ser seguido. Então, cada lugar resolveu seguir seus próprios procedimentos. Alguns funcionaram… outros, não. Além da dificuldade de exercer um controle por maior parte das distribuidoras – muitos dos filmes que estão sendo exibidos não obtiveram liberações oficiais, e casos de denúncias e reclamações tem se acumulado, principalmente em cidades do interior, onde o controle e a fiscalização se tornam mais complicadas – há também outra questão a ser resolvida: o que o público frequentador dos cinemas drive-in busca? Filmes inéditos para poder conferi-los pela primeira vez, ou a reprise de títulos populares e obras clássicas, num misto de nostalgia com saudades por algo que não foi vivido?
Sim, esse sentimento, por mais estranho que possa parecer num momento inicial, é fácil de ser explicado. Quem nunca se imaginou conferindo longas referenciais, como E.T.: O Extraterrestre (1982), Apocalypse Now (1979) ou O Exorcista (1973), enfim na tela grande? E mesmo aqueles que tiveram a sorte de assistir a Blade Runner: O Caçador de Andróides (1982), Karatê Kid: A Hora da Verdade (1984) ou O Silêncio dos Inocentes (1991) em suas estreias, será que se deram conta de imediato que estavam diante de histórias que sobreviveriam ao passar dos anos, renascendo a cada descoberta como ícones culturais? Os exibidores, cientes desse mercado em potencial, não foram bobos, e rapidamente apostaram em uma espécie de “gourmetização” do mercado drive-in: serviços extras de higienização e segurança, atendimento individualizado, cardápios especiais e outras atrações para entreter crianças e outros acompanhantes de cada carro. Como resultado, os preços foram às alturas, e aquele prazer quase brejeiro de outrora se dissipou no ar. Hoje, para curtir uma noite no drive-in, você precisa verificar antes se os bolsos estão preparados para tudo que essas horas de lazer prometem – e exigem. Ou seja, é o drive-in de outrora, mas também algo completamente diferente.
Até o início de 2020, apenas um cinema nesse formato resistia em atividade em todo o território nacional – e sua jornada era tão insólita que ele próprio acabou virando tema de um filme, apropriadamente batizado como O Último Cine Drive-In (2015). No presente momento, no entanto, dezenas podem ser contabilizados. Produtores com filmes estocados, que viram suas datas de lançamentos nas salas tradicionais se evaporarem, aproveitam esse circuito improvisado para exibir lançamentos que haviam sido adiados – Macabro (2019), Música para Morrer de Amor (2019), Pacarrete (2019) e Três Verões (2019) são apenas alguns a fazer bom uso dessa brecha. Os responsáveis, no entanto, quando questionados, invariavelmente oferecem a mesma resposta: “esta é só mais uma janela, quando as salas de cinema reabrirem, nossos filmes estarão também por lá”. Ou seja, é difícil afirmar que os drive-ins “voltaram de vez”. Por outro lado, também seria crueldade dizer que tudo não passa de um modismo passageiro. Necessários, sim. E uma lembrança válida, mais do que como resgate, mas como um alerta de que, se as coisas derem errado mais uma vez, não é preciso se desesperar: eles seguem aí ao lado, prontos para virem em nossa ajuda. Tudo em nome do cinema, pois esse, mais do que tudo, precisa se manter vivo.
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