A função da crítica de cinema não é orientar o consumo. Embora venha sendo historicamente apropriada pela indústria cultural como uma separadora entre o joio e o trigo, ela não deve se ocupar da seleção daquilo a que devemos assistir. Crítica é análise, não ferramenta de guiamento de demanda. Claro, nem todo conteúdo produzido sobre cinema é necessariamente crítico – um que vem ganhando espaço é justamente o das indicações. Coisas do tipo “5 Filmes para Assistir Com o Namorado” têm crescido na internet, às vezes criando em muitas pessoas certa dependência. Como escolher o meu filme de sábado à noite, senão entrando no perfil do influenciador/crítico que admiro e pescando uma dica supostamente infalível? Oras, assumindo as rédeas da sua “dieta cinematográfica”! E isso exige investimento de tempo e atuação independente do manancial (cada vez mais despersonalizado) de conselhos que podemos ter abundantemente na virtualidade. É preciso criar parâmetros de interesse pessoal e recortes que digam respeito às suas necessidades como um apreciador de filmes. Não dá para terceirizar essa escolha que acarreta investimento de tempo/atenção. Não dá para ficar à mercê dos outros.
Estou dizendo “nunca mais siga a dica de um influenciador e/ou especialista”? Não, nada disso. É normal ter curadorias prévias, principalmente de alguém em quem confiamos por afinidade e/ou admiração. No entanto, basear a decisão SEMPRE nas dicas alheias seria reduzir ainda mais a nossa liberdade de escolha. Não selecionamos os filmes que chegam aos cinemas, cabendo isso às distribuidoras que têm critérios próprios para priorizar este título em detrimento daquele na hora de programar as estreias nas telonas. E a lógica da “curadoria prévia” seguindo fatores alheios à nossa individualidade é replicada no streaming, no VOD e na televisão. Portanto, há sempre alguém decidindo o que vai estrear, com que volume de destaque os felizardos serão comercializados e quais serão as apostas de mercado mais seguras. Então, nossa autonomia é reduzida por um cenário de curadorias anteriores. Tendo isso em mente, por que cargas d’agua entregaríamos o restante da nossa independência por conveniência? Por que deixaríamos de atender aos nossos interesses por determinada cinematografia e/ou pela obra de alguém e nos acostumar a ser cinéfilos passivos, daqueles que baseiam seus cardápios de filmes em indicações de influenciadores que supostamente têm o olhar capaz de separar o joio do trigo na atualidade?
Aceita um toque? Quanto à crítica de cinema, a utilize como ferramenta posterior à sua sessão, encarando-a como modo de expandir o seu diálogo com os filmes. E faça uso homeopático das listas e dicas que concentram as atenções em determinados filmes. Em suma, trabalhe para ter uma visão própria e, assim, não ser presa fácil para os colonizadores de plantão. Além disso, as listas com dicas têm por natureza criar um comodismo no espectador/consumidor ao retirar de seu rol de responsabilidades essa tarefa de selecionar os filmes a serem assistidos. Faça listas de países dos quais você nunca assistiu a um filme e crie dinâmicas para garantir a sistematização dessa nova possibilidade de encarar o cinema. Pense em quantos filmes dirigidos por mulheres você tem assistido ultimamente. Se o número for baixo, que tal inserir algo em seu cotidiano para diminuir essa disparidade? É acostumado a ver somente obras internacionais de muita repercussão? Que tal dar uma pesquisada em filmes brasileiros e inseri-los ao longo de sua semana? Não sabe o que ver? Que tal criar mecanismos para você mesmo escolher na hora H?
Tente encontrar parâmetros que melhor personalizem a sua experiência cinematográfica. Guiar-se pela opinião alheia é um caminho empobrecedor. Se é do seu interesse, vá assistir àquele filme que a crítica (ou os influenciadores) está detonando, a fim de que possa criar sua opinião a respeito da mesma e, adiante, dialogar com o olhar do outro. Se alguém apontou o cinema de tal diretora ou diretor são incontornáveis e/ou fundamentais, utilize a leitura alheia, no máximo, como um ponto inicial. A partir dele, construa sua visão a respeito da obra por outro admirada. Mantenha-se informado e curioso. Equilibre-se entre o interesse despertado e a cessão da sua autonomia a quem dita tendências mecanicamente como se fosse um inspetor de qualidade. Saiba diferenciar opinião de análise – são coisas bem diferentes – na hora de investir seu tempo. E, depois de tudo o que acabei de escrever aqui, se quiser ignorar por completo as minhas dicas, faça sem remorsos, afinal de contas a ideia é exatamente pensar por si próprio. O que não vale é consumir por tabela, cedendo a terceiros a pouca liberdade de escolha que ainda lhe resta.
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